Maurício Gomyde

A estante num instante

28 / outubro / 2015

The Catcher - Gratisography

(Fonte: Gratisography)

Diante de um ligeiro branco que me atinge, olho para a estante do escritório enquanto tento começar esta coluna. E ela, tomada por livros, olha de volta para mim. Ficamos um instante nos encarando. Subo todos os dias para escrever e quase nunca noto sua presença, mas hoje reservo um tempo só para ela.

Torço o pescoço, leio as lombadas e tento me lembrar de detalhes contados pelos meus heróis e de algumas sensações. A maioria das ideias certamente se perdeu, não consigo repetir mais do que duas ou três passagens dos livros que me marcaram. Sou ruim com detalhes, admito, e talvez por isso eu não seja uma boa comparação. Mas, ainda assim, isso me traz uma pequena reflexão sobre o quanto de cada título ficou impregnado em mim. Uma vez finalizada a leitura, e então inserida na estante do tempo, vejo essa obra espremida entre duas outras — e provavelmente elas não guardam nenhuma relação — e tento mensurar sua importância, questionando-me: o quanto daquela história é responsável por quem sou agora?

Romances históricos lá, comédias românticas aqui, biografias acolá, clássicos da literatura universal nos quatro cantos. Histórias escondidas sob capas coloridas, espremidas entre folhas que imploram para ser mais uma vez folheadas. Minha estante diz muito sobre quem me tornei. Não há qualquer obra que eu tenha lido sem que ela tenha plantado em mim alguma semente de mudança, seja na forma de observar a vida, seja no jeito de escrevê-la — no papel e fora dele. Livros são professores, companheiros de caminhada, conselheiros e confidentes. Quem tem um livro nas mãos nunca está sozinho.

Decido retirar alguns da estante para descobrir se ainda serão capazes de provocar em mim os mesmos calafrios da primeira vez. Puxo um Bolaño, um McEwan, um Salinger e um Green. Começo a folhear, releio as primeiras páginas e, num instante, desisto. Prefiro guardar a magia da leitura já feita. Devolvo-os aos seus lugares. O ideal, imagino aqui, seja buscar novos mundos, porque os lidos já cumpriram suas funções.

Dizem que devemos mudar todos os dias para continuar sendo a mesma pessoa. O que passou, passou, inclusive as minhas escolhas literárias. Provavelmente ainda há tempo, e talvez o mais sensato agora seja doar todas as histórias, tirar a poeira acumulada e, a partir disso, preencher a estante da minha vida outra vez.

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Comentários

6 Respostas para “A estante num instante

  1. Na minha estante só ficam os livros que amei. Por isso ela é pequena. Sou do tipo que doa os livros que não foram perfeitos. Prefiro ter poucos mas boas histórias comigo. O texto do Maurício mais uma vez é lindo.

  2. Verdade, caro Maurício! Os livros são os nossos complementos. São os nossos professores e nossas diversões.
    O escritor, como é o nosso caso, precisa de novos horizontes para apreciar. Estamos sempre na busca do novo, do inédito ou do reciclado bem feito. Somos assim, palavras, frases, parágrafos e pontos finais, até que outra jornada nos apareça pela frente.
    Um grande abraço, meu amigo!

  3. Cada livro é um professor para mim. Estou apaixonada pelos livros do Maurício e eles me ensinam um monte de coisas simples e cheias de valor. Só falta O mundo de Vidro e pelo que já ouvi falar vou me divertir a valer. Não pare de escrever nunca.

  4. amo todos eles, mesmo os que não gostei,como diz o autor da cabana,amos todos cada um especialmente………….abraços

  5. Não conhecia o Mauricio antes, mas ganhei o surpreendente, li e estou completamwnte apaixonada pelo que ele escreveu. Vou voltar sempre aqui. Amor puro.

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