Leticia Wierzchowski

No tempo do afiador de facas

4 / setembro / 2015

A group of children playing leap frog in the street 1950_Photo by Bill Brandt_2

Foto: Bill Brand

Cruzava por uma rua com meu filho mais velho quando ouvimos um barulhinho característico — raro hoje em dia —, que evocou minha infância. Foi assim, meio sem pensar, que eu disse: “Olha o afiador de facas!” Meu filho me olhou com espanto — afinal, quis saber ele, eu estava falando do quê? Hoje em dia quase ninguém espera o afiador de facas. Creio que a maioria das pessoas simplesmente compre uma faca nova quando a sua perde o fio ou que as facas de hoje tenham um “fio eterno”. Seja lá como for, é incomum ouvir a musiquinha do afiador, como ouvia antes, quando eu era menina — aquelas notas entravam pela janela, e lá se ia minha mãe pela porta.

Ante o espanto do meu menino, fiz uma pequena e saudosa digressão sobre minha infância. Naquele tempo, havia o afiador de facas, o moço que vendia casquinhas (outro barulhinho típico, mas, dessa vez, eram as crianças que ficavam eufóricas), o vendedor de puxa-puxas. Havia, de fato, a rua e a interação diária e pacífica com aquela onde a gente morava. Todo mundo brincava na calçada depois da aula e ganhava as próprias moedas para comprar casquinhas e puxa-puxas. Meu filho ouviu a história com um sorriso. Um lampejo de curiosidade perpassou seus olhos bonitos, e voltamos à vida real. Ele quer ganhar um negociozinho eletrônico no seu aniversário. Reatamos, ainda na rua, as tratativas a respeito. Dentro de mim, no entanto, confesso que ficou uma tristeza… Não que meu menino tenha demonstrado inveja da minha infância pendurada no portão, mastigando puxa-puxas. Afinal, quem pode sentir saudade daquilo que não conhece? Mandar nossos filhos (criados nas perigosas metrópoles brasileiras) para a calçada, com uma bola e algumas horas de liberdade, pode soar-lhes tão estranho quanto abrir, no meio da floresta, a gaiola de um bichinho nascido em cativeiro.

Hoje, eles têm internet, iPad, computadores nas salas de aula, videogames, DVDs, celulares. Têm o mundo num toque de dedos. Trancados em casa — com portaria 24 horas, cercas elétricas e o diabo a quatro —, podem ir a qualquer lugar e usam e abusam da virtualidade. Mas nós… Nós tínhamos a rua, a calçada, as praças. Tínhamos o aqui e o agora.

Olhei meu filho uma vez mais; seus olhinhos brilhavam na expectativa do presente. Ele é um garoto inteligente e estudioso. Joga futebol na escola, mas nunca na rua. Enfim, talvez tudo esteja certo — e os puxa-puxas tenham sido mesmo o paraíso da cárie. Afinal, nós, humanos, sempre fomos assim: metade nostalgia do passado, metade ânsia do futuro.

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