Maurício Gomyde

Escrever para quê?

30 / setembro / 2015

Via Picjumbo

Cada vez que me proponho a escrever um livro, diariamente tento fazer um pequeno ritual antes de começar. Já com uma música bacana no fone e no clima da história que decidi contar, pergunto-me: “Qual o sentido de escrever isto? Para quê, exatamente? Para quem?”

Sei que há autores que simplesmente sentam e escrevem. Lembro-me bem de uma cena do filme Encontrando Forrester (de Gus Van Sant, com Sean Connery) em que o escritor famoso e recluso, ao estilo Salinger, tem fobia de contatar pessoas. Há outra, memorável, em que descobre um talento de contador de histórias no jovem que consegue “furar o bloqueio” e se aproximar. O escritor coloca o papel na máquina de escrever e diz algo como: “Escreva!” O menino, então, pergunta: “O quê?” E ele responde: “Qualquer coisa, mas escreva. Mesmo que não saia nada. Escreva.” É emblemática a questão: o importante é escrever, seja lá o que for. Como um exercício para os dedos? Sei lá. Talvez a ideia seja a de soltar a mente, como um aquecimento para o que virá. As ideias virão, certamente, e funciona para muitos escritores.

Particularmente, demoro um pouco a engrenar nesse “sentar e escrever”. Costumo pensar muito antes de começar. Gosto de ver um sentido prévio naquele texto. Imagino demais a pessoa que vai se dispor a sair de casa, ir até a livraria e, lá, decidir qual livro levar em meio a milhares de boas opções. Não quero contar uma história por contar, ainda que considere o entretenimento a função mais nobre da arte. Penso sempre em algo que também deixe o leitor desconfortável, que o faça refletir sobre o que se passa diante dos seus olhos.

Um grande amigo sempre diz: “A cada 250 palavras, você deve colocar um ponto de tensão na história.” Um microdetalhe, muitas vezes. Aquilo que pode até passar inconscientemente pelo leitor, mas que o faz dar aquela ajeitada na postura, franzir a testa, arregalar os olhos e, então, seguir em frente. Não acho que a coisa deva ser científica e medida em quantidade de palavras. Mas, ao mesmo tempo, sigo a linha de que o escritor é como um artesão e que cada cena deve ser trabalhada até tornar-se forte e importante o suficiente para estar a serviço das emoções do leitor. Senão, melhor jogar fora — ela provavelmente não precisa estar ali.

Numa de minhas obras independentes, O rosto que precede o sonho, a epígrafe diz: “Meus livros não são sobre minha vida. Minha vida, sim, é que é feita toda pelos meus livros.” O sentido de escrever o que escrevo, bem ou mal, não é contar o que sou, mas o que eu gostaria de ser e ter. A vida real não tem a leveza de minhas histórias — nem haveria como. Então, se elas são um refúgio para minha alma, que sejam também para a do leitor que escolheu doar seu tempo a elas!

Se eu conseguir um pouquinho disso, tudo estará a um pequeno passo de ser perfeito.

Comentários

8 Respostas para “Escrever para quê?

  1. A cada dia que passa me admiro mais pelas coisas que o Maurício escreve. O sentimento que nós leitoras temos com os livros dele achoque são os mesmos dele quando escreve. Tudo muito lindo.

  2. O lançamento do Surpreendente em São Paulo terá bate-papo, senha? Muito ansiosa pra te conhecer, Mauricio. Seus livros são perfeitos.

  3. Maurício, você é o cara em quem me espelho e suas palavras acabam de traduzir tudo o que habita em meu interior. Parabéns pelos livros, parabéns pela sua escrita, parabéns por ser assim. Abçs literários.

  4. Li o Surpreendente e digo aqui que foi o melhorlivro que li nos uúltimos anos. Lindo, doce, bem escrito, fofo e o que mais? Surpreendente.

  5. Quando a ideia está mais do que “amadurecida” em minha mente, faço uma pegunta a mim mesmo: Eu compraria o livro, que contém essa história? Se a resposta for positiva, iniciarei o trabalho, que saberei por alto, como vai terminar terminar. Só preciso de algo, que “pesque” a atenção do leitor no início e logo em seguida o “prendo” no enredo até que ele termine. Emoção, seja ela qual for é a força motriz de um bom enredo.
    Belo texto, meu amigo.
    Mega abraços literários.

  6. Maurício, esse é o primeiro texto seu que eu leio, por acaso decidi clicar pois o titulo me chamou a atenção. Fico muito enriquecida por saber que há alma que pensam como eu, mesmo eu sendo bem nova. Parabéns por expressar suas emoções de modo que outras se identifiquem. Isso é inexplicável e nem o melhor poeta acharia as palavras para descrever. Obrigada!

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