Filipe Vilicic

Como os loucos abrem caminho para a inovação

4 / setembro / 2015

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Outro dia vi na praia uma figura que alguns ao redor começaram a taxar de louco. Em um sol de quase 40 graus, sem nuvens, o homem de cabelos e barbas compridos caminhava vestindo calça jeans, tênis e uma camiseta estampada na qual se lia: “Os loucos abrem os caminhos que os sábios seguirão.” Não tenho ideia de quem era tal indivíduo, um estrangeiro em todos os sentidos. A cena não saiu de minha mente e me fez refletir sobre nomes das artes, como Ernest Hemingway — um dos meus escritores prediletos — e a dupla Paulo Coelho e Raul Seixas — cujas canções feitas em conjunto marcaram minha infância —, além do mundo da inovação tecnológica e científica, a exemplo de Elon Musk e Steve Jobs, dois dos empreendedores mais admirados da atualidade.

A loucura é marca da arte. Para muitos de seu tempo, o Hemingway de 20 e poucos anos era um maluco. Ao menos aos olhos dos sãos. Tratava-se de um jovem jornalista promissor que abandonara os benefícios de uma carreira certa e lucrativa nos Estados Unidos pela vida de um pobretão em Paris. Tinha, afinal, uma obsessão típica dos doidos: queria ser escritor, mesmo que, para isso, tivesse que passar fome. Aliás, como conta em seu magnífico livro de memórias Paris é uma festa, a fome ajudava na meta, pois impulsionava o cérebro a ter ideias e abrir caminhos. Ele não queria ser um escritor qualquer. Como louco que se preze, o jovem ainda desconhecido, quase desprezado, tinha certeza de que inauguraria um gênero literário no qual cada uma de suas frases exprimiria os mais verdadeiros sentimentos humanos. No fim, sua loucura o levou a tal conquista. E também fez com que desse um tiro de espingarda na cabeça.

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O genial bilionário Elon Musk, que era tido como doido até pela própria mãe

Hemingway me fascinou por sua loucura. Sempre tive, na verdade, asco por artistas que não flertam com doideiras. Quase um desprezo, do tipo que Hemingway alimentava em seu interior pelos colegas menos insanos.

Nas artes, sempre só importaram os malucos. A lista é enorme: de Hunter S. Thompson e seus livros cheios de verdades e mentiras sobre a cultura americana até Alan Moore — que um dia me confidenciou, numa agradável conversa, que é mago de verdade, cuja feitiçaria se dá nas palavras exprimidas em seus quadrinhos e livros —, Guimarães Rosa e João Gilberto.

Loucura nada tem a ver com drogas ou incentivos do tipo — mesmo que muitas vezes essas doses possam ajudar —, mas com a simples observação de que uma figura parece não se encaixar no mundo normal. Muitas vezes pelo perfil caótico, outras pelo extremo ordeiro. E é daí que nascem os novos estilos de arte, os novos caminhos.

A loucura sempre foi saudável também no mundo do empreendedorismo. No entanto, diferentemente do mundo artístico, nos negócios a insanidade foi vista com repulsa por muito tempo, o que fez com que mulheres e homens brilhantes, como Alfred Nobel — dono de várias patentes, como a da dinamite, e fundador da indústria armamentista tal qual a conhecemos hoje —, sofressem. Ele era um gênio que sucumbia à depressão, em muito temperada pela dualidade mental de ser um pacifista e ao mesmo tempo taxado de “mercador da morte”. Antes de morrer, Nobel deixou sua fortuna para a criação do prêmio que levou seu nome e que laureou muitos doidos, cujas mentes abriram atalhos para os que vieram depois.

Hoje, a inventividade tresloucada de Nobel provavelmente seria admirada, e não questionada. O ambiente dos negócios se transformou radicalmente. O responsável por tal mudança: o Vale do Silício e as figuras inovadoras que lá surgiram.

Steve Jobs, fundador da Apple, era um desses loucos. Um dos responsáveis por fazer com que a arte e o empreendedorismo se mesclassem de vez, nos idos dos anos 1970, quando apresentou o computador pessoal que hoje todos usamos. Drogado, viciado em LSD, arrogante, teimoso, do tipo que acreditava que por ser vegetariano não precisava de desodorante — o que só o fazia cheirar mal —, andava descalço, era de estilo hippie, mas também amava acelerar seu conversível pelas estradas nas proximidades de São Francisco. Em Como Steve Jobs virou Steve Jobs, recentemente publicado pela Intrínseca, é possível mergulhar na cabeça dessa figura tresloucada, de cuja mente (e só por faltar parafusos nela) saíram criações fantásticas como o iPhone, o iPad, o iPod e o estúdio de animação Pixar.

Felizmente, os malucos do empreendedorismo passaram a ser celebrados, o que dá gás para o surgimento de mais exemplos dessa nata da humanidade. Como mostra uma biografia recente — a ser lançada no Brasil pela Intrínseca —, quando criança, em dura infância na África do Sul, Elon Musk — que, após a morte de Jobs, assumiu o posto de mais célebre empreendedor louco da atualidade — era tido como fora da sanidade até pela própria mãe. Mesmo hoje,
bilionário, é difícil distinguir se sua ideia de que salvará a humanidade da extinção com empresas que promovem a popularização do uso de fontes limpas de energia — como a Tesla, de carros elétricos — e a exploração espacial — a SpaceX, que deu início a um novo tipo de corrida pelo domínio do cosmos — é loucura ou visão genial. Na verdade, pouco importa definir uma fronteira entre a sanidade e o inverso. Tomara que Musk continue pinel, pois é assim que dá à luz magníficas ideias.

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Em O Clique de 1 Bilhão de Dólares, mostro não só como se deu a criação do Instagram, mas como o Vale do Silício fundou um mundo de negócios mais receptivo a figuras insanas

Eu, caro leitor, batalho com minhas loucuras. Só que cada vez mais tendo a achar que o melhor é me submeter a elas. Espero que vocês também não consigam vencer a insanidade interior, ainda mais por faltarem empreendedores doidos no Brasil. Como bem pontuou certa vez Nolan Bushnell, outro dos lunáticos do Vale do Silício, fundador da Atari e mentor de Jobs: “No Brasil, os empresários acham que tudo tem que começar dando lucro; não se arriscam na loucura, com ideias arriscadas.” Ou seja, não dão asas à inovação.

 

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