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A realidade crua e fria de Herman Koch

10 / setembro / 2015

Por João Lourenço* 

CasaDePraia_blog

Marc Schlosser poderia ser um homem comum. Mas logo nas primeiras linhas, o médico de família confessa: tem aversão ao corpo humano. Procurado por celebridades e artistas excêntricos, aprimorou-se em evitar o contato físico e visual com seus pacientes durante as consultas. Também não é do tipo que faz perguntas, prefere receitar antidepressivos e remédios controlados a todos que batem à porta de seu consultório.

O médico cínico e sem virtudes é o narrador de Casa de praia com piscina, romance do premiado escritor holandês Herman Koch. Com enredo de filme policial e narrativa mordaz, as questões éticas levantadas pelo autor na obra permanecem com o leitor por um longo tempo.

Em um quebra-cabeça engenhoso, o livro oferece um elenco de personagens que foge do padrão politicamente correto. “É mais interessante escrever sobre esse tipo de personagem. Geralmente, eles costumam dizer em voz alta muita coisa que não temos coragem de assumir. Acho que isso explica por que filmes de gângsteres e séries de TV como Breaking Bad fazem tanto sucesso. Essas pessoas podem cometer atos horríveis, mas mesmo assim conseguimos simpatizar com elas de alguma forma”, afirma Koch.

Marc Schlosser leva uma vida confortável em Amsterdã ao lado da bela esposa, Caroline, e das filhas adoráveis, Julia e Lisa. Por meio de observações cínicas, sarcásticas e de humor afiado, declara que o segredo de sua profissão é não se preocupar muito com as normas médicas. E despreza seus pacientes; em tom cortante, descreve as queixas de pintores e escultores, escritoras e atrizes que, para ele, fedem respectivamente a gim velho e a chardonnay barato.


Um verão trágico

untitledContrariando a esposa, Marc aceita o convite de um de seus pacientes, o célebre ator de teatro Ralph Meier, e leva Caroline e as filhas adolescentes para passar férias em uma elegante casa à beira do Mediterrâneo com a família de Ralph, além de um diretor de Hollywood e sua jovem namorada. O verão avança com festas regadas a muita bebida e passeios pela praia. Neste cenário paradisíaco se desenrolam intrigas, jogos sexuais e um imperdoável ato de violência.

Herman Koch é o tipo de autor que não poupa ninguém. Em Casa de praia com piscina ele expõe as falhas do sistema de saúde holandês e satiriza o universo de ricos e famosos. Questionado se a experiência como ator o ajudou ao criar o personagem Ralph Meier, respondeu: “Eu conheci atores como Ralph. Bebi cerveja com eles em bares e escutei suas histórias. E também pensei: ‘Um dia vocês vão acabar em um livro meu’.”

Antes de ser escritor, Koch ficou conhecido na Europa como roteirista e ator da série de TV Jiskefet (Lata de lixo em tradução livre) — pense em um programa de comédia absurdo no estilo dos seriados The Office e 30 Rock. Desde sua estreia como romancista, em 1989, se dedica a desvendar os mitos e as fragilidades da classe média europeia, carregando nas tintas de seus personagens: sofisticados, inteligentes e, muitas vezes, detestáveis.

Seu romance anterior O jantar, também publicado pela Intrínseca, foi o livro mais traduzido da Holanda. A história gira em torno de um encontro de dois casais em um elegante restaurante de Amsterdã para discutir o que será feito a respeito de um crime cometido em conjunto pelos filhos. Publicado em 37 países, o thriller psicológico mostra que os piores monstros podem estar dentro de nossas casas, dentro de nós mesmos.

Nesse romance, Koch reflete sobre os falsos caminhos que seguimos para agradar aos outros e analisa a complexidade das escolhas triviais que fazemos ao longo da vida. Além de figurar na lista de mais vendidos de diversos países, como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos, O jantar ganhou duas adaptações cinematográficas. A primeira versão foi realizada pela TV holandesa. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a atriz Cate Blanchett trabalha na adaptação hollywoodiana da obra. Ainda sem previsão de lançamento, o filme será a estreia da atriz como diretora.

link-externoLeia um trecho de Casa de praia com piscina

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

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Comentários

Uma resposta para “A realidade crua e fria de Herman Koch

  1. Herman Koch é perverso e arrebatador. Gostei muito de O Jantar e, agora, mal posso esperar para ler esse livro. =)

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