Entrevistas

Por trás das #câmeras

20 / agosto / 2015

Uma entrevista com Filipe Vilicic, autor de O clique de 1 bilhão de dólares

Por Bruno Capelas*

FOTO PAULO VITALE ALL RIGHTS RESERVED

Steve Jobs e Steve Wozniak fundaram a Apple dentro de uma garagem. Mark Zuckerberg criou o Facebook dentro de seu quarto na Universidade Harvard. A história recente da tecnologia é cheia de empreendedores que transformaram em realidade suas visões de mundo, como uma jornada do herói pós-moderna. Em O clique de 1 bilhão de dólares, o jornalista Filipe Vilicic adiciona uma nova história a essa prateleira ao contar a vida do brasileiro Michel, que nasceu numa família abastada de São Paulo e deixou seu país para se tornar Mike Krieger, um dos cofundadores do Instagram, rede social na qual mais de 300 milhões de pessoas compartilham fotos e vídeos de seus momentos íntimos.

Ao longo de 240 páginas, o editor de Ciência e Tecnologia da revista Veja mostra a trajetória de Mike Krieger passo por passo: dos dias de colégio na Graded, escola para poucos de São Paulo, passando pelas madrugadas incessantes trabalhando para lançar a primeira versão do Instagram, até a venda do aplicativo ao Facebook por US$ 1 bilhão na Páscoa de 2012. “A maioria das pessoas não se interessa pelas histórias do Vale do Silício. Meu desafio no livro foi tirar essas informações de um nicho e deixá-las acessíveis para qualquer leitor”, diz Vilicic, em entrevista ao blog da Intrínseca.

capa_OCliqueDeUmBilhaoDeDolares_destaque_pAo mesmo tempo que desmistifica o mundo das startups e das redes sociais, o escritor também procura relativizar a “pose de rockstars” que muitos empreendedores ostentam. “A formação e a riqueza do Mike Krieger obviamente ajudaram a trajetória dele, mas a obstinação é o maior exemplo. A palavra gênio não se aplica muito bem ao Vale do Silício”, completa.

Na entrevista a seguir, Vilicic conta como se interessou pela história de Mike Krieger e como foi escrever uma biografia sem a participação de seu principal personagem — O clique de 1 bilhão de dólares, por sinal, é um dos primeiros trabalhos publicados no país após a queda da lei que proibia biografias não autorizadas. “Acho que livros como o meu mostram como essa lei era arcaica. A história do Mike é de interesse público, porque o que ele criou impacta a vida de muita gente.”

Além disso, Filipe Vilicic comenta as mudanças que as redes sociais causaram no mundo. “Elas deixaram muito claro que a vida privada não é mais a mesma. Não adianta nada você colocar fotos do seu filho no Facebook e depois reclamar que não tem privacidade”, diz o jornalista, que acredita que a internet e as redes sociais não causaram uma grande revolução na vida moderna. “Nossa comunicação na internet é tal como era na Ágora grega. Apenas aceleramos esse processo”, diz, sem deixar de pensar nas #selfies e nas fotos de #comida.

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Leia um trecho de O clique de 1 bilhão de dólares

Bruno Capelas: Como você chegou à história do Mike Krieger?
Filipe Vilicic: Meu primeiro contato com o Mike foi profissional. Em 2012, estava fazendo uma matéria para a Veja sobre brasileiros que se destacavam na área digital, e o Mike era um dos caras sobre quem eu precisava falar. Consegui o contato dele e, logo na primeira entrevista, percebi que tinha uma grande história. Pelo faro de jornalista, continuei ligando para ele, mesmo sem saber o que ia fazer com aquele material.

Por coincidência, a última vez que falei com o Mike naquela época foi dias antes da Semana Santa. Era uma época turbulenta: o Instagram tinha acabado de sair para Android e recusado duas ofertas de compra — uma do Twitter e outra do Facebook. Dias depois, no domingo de Páscoa, o aplicativo acabaria sendo vendido para o Facebook por US$ 1 bilhão. Depois que o WhatsApp foi vendido por US$ 19 bilhões ao Facebook, esse valor pode parecer baixo. Mas o Instagram foi a primeira grande aquisição da empresa, mesmo sendo um negócio que nunca tinha dado lucro.

Ali, percebi que tinha uma história para contar — e foi assim que a Intrínseca me procurou para saber se eu queria fazer um livro. Duas semanas depois, mostrei o projeto ao Mike, que se empolgou no início, mas logo começou a dar para trás. Fui comendo pelas beiradas, conversando com funcionários do Instagram, com amigos dele, professores, colegas de profissão. Depois de quase dois anos de pesquisa, por meio da assessoria de imprensa do Facebook, Mike acabou me dando uma resposta negativa sobre a participação dele no livro. Tem gente que acredita que é porque ele tem medo de sequestros na família, mas outros pensam que foi o Facebook que barrou o projeto. Eles não têm uma experiência muito boa com livros, né? (risos) [referência a Bilionários por acaso, de Ben Mezrich, que conta a história do Facebook, também publicado pela Intrínseca].

Capelas: Apesar da popularidade do Instagram, são poucas as pessoas que sabem que o Mike é brasileiro. Por que você acha que isso acontece?
Vilicic: Há vários motivos. O primeiro é o nome: apesar de se chamar Michel, ele adotou Mike quando se mudou para os Estados Unidos, por causa da pronúncia — Michel, em inglês, se parece muito com Michelle, que é um nome feminino. Além disso, Krieger não é um sobrenome que soa brasileiro. O segundo motivo é que a maioria das pessoas não se interessa pelas histórias do Vale do Silício. Tem muita gente que não sabe que foi um brasileiro, o Eduardo Saverin, que ajudou a fundar o Facebook. Meu desafio, no livro, foi tirar essas informações do nicho e deixá-las acessíveis para qualquer leitor. E ainda existe uma terceira razão: Mike não é o porta-voz do Instagram. Essa função cabe ao Kevin Systrom, sócio de Mike — enquanto Kevin fica com os negócios, Mike ficou com a engenharia e o design. Faz sentido. Se você olhar o perfil do Kevin no Instagram, vai ver fotos dele dando uma de DJ em festas ou retratos com outros famosos. Já o Mike publica muitas fotos de praias e do cachorro, como é de se esperar de um cara mais reservado.

Working late into the night to make Instagram even better. All we require: little heaters. It’s freezing in here!

Uma foto publicada por Kevin Systrom (@kevin) em

O brasileiro Michel e seu sócio, Kevin Systrom, no começo do Instagram

Capelas: Mike Krieger é um cara que veio de família rica, estudou em colégios caros, morou fora e fez faculdade em Stanford. Qual é o exemplo que ele pode dar para o brasileiro comum que quer empreender?
Vilicic: A formação e a riqueza do Mike Krieger obviamente ajudaram a trajetória dele. Não é qualquer um que faz faculdade em Stanford. Colocando os benefícios de lado, o exemplo é a persistência e a determinação. A palavra gênio não se aplica bem ao Vale do Silício — quem consegue fazer sua ideia dar certo é alguém obstinado. Ao se formar em Stanford, Mike teve dificuldades para conseguir o green card e ficar nos Estados Unidos. Ele poderia muito bem ter voltado para o Brasil e conseguido um emprego de alto nível, mas quis continuar no país porque acreditava que lá era o lugar onde conseguiria criar algo. Essa obstinação serve de exemplo para qualquer um, independentemente de quanto dinheiro você tenha na conta.

Capelas: Para você, quais são as principais mudanças que o Instagram causou no mundo?
Vilicic: Existe certo exagero hoje ao dizer que tudo está mudando o mundo. Concordo com Peter Thiel, cofundador do PayPal e investidor do Facebook. Para ele, a internet, as redes sociais e os aplicativos não mudam o mundo, mas aceleram algumas coisas. Acelerar o processamento e a rapidez de comunicação é algo que facilita nossa vida, mas não transforma nosso modo de ser. Por outro lado, acredito que o Instagram, bem como o Facebook e outras redes sociais, ajuda a aproximar pessoas, encurtando distâncias que, há mais de um século, já tinham sido aproximadas pelo telégrafo e pelo telefone. Acredito que um dia você poderá conversar com qualquer pessoa no planeta pelo Facebook. Além disso, o Instagram fomentou a exibição da vida privada — é só pensar nas selfies ou nas fotos de comida por todo lado. As redes sociais deixaram muito claro que a vida privada não é mais a mesma. Não adianta nada você colocar fotos do seu filho no Facebook e depois reclamar que não tem privacidade. Hoje, é preciso ter uma nova doutrina quanto à vida privada . Mas as redes sociais não são uma revolução. Nossa comunicação na internet é tal como era na Ágora grega. Apenas aceleramos esse processo.

Fotos de viagens de Vilicic pelas sedes do Facebook, Instagram e Twitter (Via @FilipeVilicic )

Fotos de viagens de Vilicic pelas sedes do Facebook, Instagram e Twitter (Via @FilipeVilicic )

Capelas: As startups são as bandas de rock de hoje em dia?
Vilicic: Sim, mais pela visão do público do que pela dos próprios membros das startups. O público vê os empreendedores como rockstars. Ainda é um nicho, porque não é todo mundo que se interessa por tecnologia e sabe o nome do Mike Krieger ou mesmo o do Mark Zuckerberg. Quer dizer: os empreendedores ainda não são roqueiros como os Beatles.

Capelas: O clique de 1 bilhão de dólares é uma das primeiras biografias não autorizadas a serem publicadas no Brasil após a decisão do Supremo Tribunal Federal. Como você se sente quanto a isso?
Vilicic: O clique seria publicado mesmo que a lei arcaica que existia no Brasil não caísse. A data já estava marcada antes da decisão do Supremo Tribunal Federal. A história do Mike é de interesse público, porque o que ele criou impacta a vida de muita gente. As pessoas precisam ter senso crítico antes de começar a digitar ideias no Facebook e postar fotos no Instagram. Por outro lado, não acredito que o Mike entraria na Justiça para que o livro não fosse publicado. Ele vem de uma tradição democrática e liberal; pegaria muito mal para ele, nos Estados Unidos, tentar proibir a publicação de uma biografia no Brasil. A queda da lei acabou sendo uma boa coincidência. Acho que livros como o meu mostram como essa lei era arcaica, porque as pessoas querem ler e se interessam pelo conhecimento. Isso é o mais importante.

 

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Bruno Capelas é repórter do IGN Brasil, a versão brasileira do maior site de games do mundo. Formado em jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), já foi repórter do portal IG e do Link, a editoria de tecnologia do jornal O Estado de S. Paulo. Além disso, edita o blog Pergunte ao Pop e colabora desde 2010 com o Scream & Yell, um dos principais veículos independentes de cultura pop do país.

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