Filipe Vilicic

Em que as novas gerações são diferentes das anteriores? SPOILER: Em nada.

13 / agosto / 2015

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Há um extenso debate — que por vezes some e noutras, como tem ocorrido agora, esquenta — sobre como a geração Y, a dos Millennials, seria completamente diferente da X, esta tão distinta da dos baby boomers — todas completamente atrasadas frente à Z, dos que estão nascendo agora. A Y, a qual eu, nascido em 1985, pertenço, seria a dos trintões que começam a dominar e liderar o mercado de trabalho e consumo. Nos Estados Unidos, ela é maioria — em comparação com as outras na ativa — no quadro das empresas.

O que caracterizaria os agora não-tão-jovens membros da geração Y: não aturariam um emprego estável (tendem a pular como pipoca de um para outro); intencionariam montar um negócio próprio, normalmente ligado às maravilhas da internet; seriam egocêntricos — a geração do “me, me, me” (ou “eu, eu, eu”), segundo a revista Time —, mas também preguiçosos, incapazes de se ater a um só projeto. Porém, numa contradição com a onda “me, me, me”, há quem defenda que eles aprimoraram o trabalho em grupo, na era das redes sociais, e que são avessos ao conceito de “fazer por dinheiro”, sendo mais adeptos da onda de “fazer para mudar o mundo”. Sim, há esses elementos. Mas será que eles não definem qualquer jovem, de qualquer século?

Vamos lá: preguiçosos e convencidos, mas com vontade de transformar o mundo e proativos quando o assunto lhes interessa. Isso descreve gerações de seus 30 e poucos anos (ou menos) de qualquer período da história. Muda-se o contexto, surgem inovações tecnológicas, há transformações culturais, mas o jovem continua a ser jovem. Então, o que fez surgir essa história de gerações X, Y e Z? Quando os mais velhos chegam perto da aposentadoria e veem jovens cheios de gás e novas ideias é, como diziam (expressão célebre de Nelson Rodrigues), batata: olham para baixo, para a juventude, e julgam com a devida superioridade adquirida com a experiência.

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Seria esta a geração do “me me me” (“eu eu eu”), ou o egocentrismo seria apenas uma característica da juventude, seja de qual época for?

Como julgam? Egocêntricos, desrespeitosos, irresponsáveis… Sempre aplicam os mesmos adjetivos. Então, nós, jornalistas e escritores, que adoramos categorizar para compor uma boa narrativa, aproveitamos a histórica rivalidade “mais velhos versus mais novos” para bolar nomenclaturas. Como disse o sociólogo Thomas DiPrete, da Universidade de Columbia, para o site da The Wire: “Essas fronteiras [entre gerações] acabam sendo desenhadas pela mídia, que quer definições. A história não é sempre tão bem pontuada assim.”

Eu disse “histórica rivalidade” e aposto que você, caro leitor, quer provas. Na Grécia Antiga, Platão reclamava de jovens que “desrespeitavam os mais velhos”. Na Idade Média, o monge francês Pedro de Amiens definia assim a juventude: “Só pensam em si mesmos.” Portanto, lá no século XI já existia uma geração “me, me, me”. Como afirmava o icônico cartunista Al Capp (1909-1979): “A geração de jovens de hoje não é pior do que era a minha. Éramos tão ignorantes e repulsivos quanto eles são.” Toda geração diz o mesmo sobre a que a substitui: que “não há esperança para os jovens”. Nada marca mais um ser humano do que ouvir algo como: “A juventude de hoje é tão decrépita…”

Foi essa constatação que levou a The Wire a responder à matéria “me, me, me” da Time apontando: “Toda, toda, toda geração tem sido a geração eu, eu, eu.” Como argumento, usou matérias diversas sobre o tema (como a da Time), mas publicadas há (até) mais de um século. Em 1907, a The Atlantic chamava a atenção, com preocupação, para “o atual culto ao individualismo”. Abordagem similar teve a revista Life de 1968, com a chamada “The Generation Gap”. Passado menos de uma década, em 1976, “The ‘ME’ decade” (ou “A década do ‘EU’”) estampava a revista New York.

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O time do Instagram visita o Facebook em 2012, logo após a startup ser adquirida pelo irmão-maior: os jovens do Vale do Silício se comportam como “visionários” (e alguns raros são), mas a maioria só quer é trabalhar 8 horas por dia e ganhar um bom salário (as ambições de seus pais e avôs quando mais novos).

O exagero da estereotipagem fica ainda mais evidente ao mergulhar no mundo jovial do Vale do Silício. Há um mito de que todos os funcionários de empresas como Facebook, Google e Twitter seriam garotos geniais, arrogantes, que não sabem se ater a um projeto, mas donos de mirabolantes ideias que eventualmente podem render milhões, por vezes bilhões, de dólares. Só que, quando se tem intimidade com os habitantes desse universo, percebe-se que todos não passam de indivíduos, cada um com suas características e ambições. É óbvio? Sim. Mas não é o que se divulga por aí. Mesmo quando se observa o cenário geral, nota-se que, entre jovens, há mais carreiristas, que querem um salário razoável pelas velhas oito horas de lida, do que candidatos a visionários — mesmo que muitas vezes eles se comportem, por marketing pessoal, como “visionários”. Isso se restringe ao papo de bar. Na prática, querem o que seus pais e avôs buscavam quando jovens: uma vida boa e estável. Ainda que se frustrem e abandonem sonhos pelo caminho até atingirem a conquista.

Trata-se de uma cena refletida em levantamento da consultoria americana CEB com 90 mil americanos. O estudo revelou, objetivamente, que os Millennials (59% deles) são mais individualistas que os baby boomers (50%) e que os trintões de hoje confiam menos no trabalho em equipe (37% não confiam) do que os de antigamente (26%), além de serem mais carreiristas (33%) do que gerações anteriores (21%). Em teoria, é uma compilação de números que contradizem o que se acha sobre os Millennials. Na prática, identificam — até por quão próximas são as porcentagens comparadas —  que jovens são os mesmos jovens ao longo do tempo.

É verdade que nos últimos anos surgiram internet, smartphones e redes sociais, assim como no passado apareciam fábricas, carros, telefones e TVs — elementos que transformaram a vida de todos, não só da juventude, que naturalmente tem mais paciência, ou mesmo plasticidade do cérebro, para se adaptar às novidades. Mas usar isso como prova de que a geração de hoje é diferente da anterior é como dizer, em espanto: “Nossa, como os bebês contemporâneos são diferentes. Eles babam muito, ficam cheios de si quando aprendem a andar e não querem largar a mamadeira!”

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