Pedro Gabriel

[DAQUI A POUCO] – parte II

11 / agosto / 2015

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Daqui a pouco você vai se apaixonar pelo Drummond. Depois, pela poesia. Já, já vai se encantar pelo Rubem Braga. Depois, pela crônica. Em breve, cairá nas graças de Machado de Assis. Depois, do conto. É sempre assim: no começo, a gente se sente atraído pelo nome; depois, pela obra. (No amor também?) Sorte que as primeiras rugas têm maturidade o suficiente para rejuvenescer a nossa consciência, para que possamos, finalmente, dar mais valor à obra do que ao nome. Quando menos esperar, você será tocado pela palavra e começará a definir sua carreira. E todos dirão que ninguém vive de poesia. E todos dirão que poesia não dá dinheiro. E todos repetirão: poeta vive de aula, de crítica, de jornal, de publicidade. E todos soltarão o clichê do século: POESIA NÃO VENDE. E você, talvez contagiado pela desesperança, renunciará ao lirismo do destino. Uma pena. O que você dirá a todos? O que você dirá a todos? O que você dirá a todos? A maioria é burra. A maioria é burra. A maioria é burra. Todos são tolos! Uma pena. Você teria sido um grande poeta, menino.

Aos 27, vem a primeira demissão. Antes você era forte, invencível. A escolha do trabalho estava em suas mãos. Você sempre decidiu onde queria estagiar. Onde queria permanecer. Onde assinariam a sua carteira pela primeira vez. Era você quem pedia para sair. Era você quem tinha o domínio dos seus passos. A realidade embaralhou o caminho. Esquerda, direita, para a frente, para trás… Tudo soa sem sentido. Aí você descobre que cada momento é um sopro. E que o vento nem sempre sopra a nosso favor. Mas está tudo bem… O grande amor deve chegar na próxima ventania. Olha aí a vida nos ensinando a ganhar esperança nas derrotas inesperadas!

E não é que ele veio? Distraído e sereno. Como quem nada quer, quis tudo até ser sua mulher. Ah, o amor, esse espelho que só reflete a busca pelo que a gente não é.

O tempo já aponta seus primeiros fios brancos. Só pode ser herança de um maldito gene da linhagem paternal. Quem, aos 33, já coleciona um degradê capilar? Quem, aos 33, já consegue ter duas torcidas em um único couro cabeludo? Dois times se organizam para disputar o melhor lado da sua cabeça. De um lado, a temível esquadra dos Fios Brancos, com toda a sua experiência. Do outro, o jovial plantel dos Fios Castanhos, com sua última reserva de vigor. O juiz é o único fio cinza que ficou ali, fiel, pertinho da orelha esquerda. Quem vence é sempre o tempo! Eu jurava que o inverno só chegava aos cabelos depois de ouvir vovô. Mas não há do que reclamar. Tem gente que já não tem nada no gramado. E a pelada fica escorregadia.

Alguém na varanda grita: papai! E você demora a perceber que é com você que o menino quer interagir. Ele, sim, será um grande poeta.

Agora você tem 40. Envelhecer é ser visita na casa dos pais.

Comentários

10 Respostas para “[DAQUI A POUCO] – parte II

  1. Estava esperando a parte II e confesso que a espera não foi em vão! Obrigada.

  2. Esperei ansiosamente a segunda parte. Obrigada por mostrar que alguém consegue identificar o que sinto aqui dentro. Obrigada!

  3. “Ah, o amor, esse espelho que só reflete a busca pelo que a gente não é.” ?

  4. Cada palavra,cada linha tão carregada de emoção,tão cheia de vida que não tem quem não queira mais e mais desse autor maravilhoso!

  5. Refletir a busca no espelho das paredes da vida é o prazer de caminhar lado a lado com os artífices da leitura essa nave soberana!!

  6. Refletir a busca no espelho das paredes da vida é o prazer de caminhar lado a lado com os artífices da leitura essa nave soberana!! Quem sabe, num sonho, talvez!!

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