Filipe Vilicic

Como o Facebook virou um mundo de radicais

20 / agosto / 2015

Uma carta aos amigos que discutem pelas redes sociais

Qualquer um que seja adepto do Facebook ou de outra rede social já deve ter notado como o radicalismo tem imperado nesses ambientes. Virou moda reclamar dos extremistas, mesmo quando, para se queixar, se apela ao outro extremo. Algo como: “Esses fundamentalistas de esquerda/direita são uns bárbaros, por isso merecem ser açoitados pelo meu grupo de direita/esquerda, que tem a visão correta de tudo que existe.”

A ponderação, o velho “discordo de você, mas vamos conversar e continuar a divergir, se for o caso”, não é regra. Vamos combinar: já não era muito no mundo off-line. Mas a situação ganhou novas dimensões e posicionou as pessoas em pontos opinativos ainda mais extremos com a ascensão dos megafones das redes sociais. Será culpa exclusiva delas? Só em parte. Antes de tudo, há razões bem humanas – nada virtuais – por trás disso. Vamos a duas teorias que se complementam:

1ª teoria

Há uma proliferação de indivíduos que julgam ter a resposta final para tudo quanto é assunto, sem nem se informar sobre ele. É como previa, no século passado, o escritor George Bernard Shaw (1856-1950): “Cuidado com o falso conhecimento; é mais perigoso que a ignorância.”

Um teste jocoso realizado pela NPR — a poderosa e tradicional rede de rádio pública dos Estados Unidos — faria Shaw chorar.  Em seu perfil no Facebook, hoje seguido por quase 5 milhões de pessoas, a associação provocou: Por que a América não lê mais?. E complementou: “O que isso fez com nossos cérebros?”. Nos comentários do post, surgiram pessoas indignadas, clamando: “Esse artigo é um lixo. Muito mal escrito. Péssimas fontes. Não confiável”, “Eu leio todos os dias, assim como meus amigos e familiares. Não somos a América?”. Ou, mais direto ao ponto: “É claro que lemos, NPR. Cale a boca.”

Foto coluna vilicic NPR

A provocação da piada: a publicação no Facebook dizia “Por que a América não lê mais?”; ao entrar no post (o que poucos fizeram), revelava-se um teste para verificar quem iria ler o artigo antes de comentá-lo (novamente, poucos)

Será que todo esse povo se informou antes de rebater? Certamente não clicaram no link do artigo compartilhado via Facebook, pois ele levava a um:

Parabéns, leitores genuínos, e feliz 1º de abril!

Às vezes sentimos que muita gente tem comentado nossas histórias sem lê-las. Se você está lendo isso, por favor curta nosso post, mas não comente. Vamos ver o que as pessoas têm a falar sobre esta “história”.

A brincadeira da NPR revela algo perigosíssimo. Sabe aquele amigo do Facebook que diz que Cuba é o melhor dos mundos? Desconfie. Talvez ele não tenha ido a Cuba, nem lido algo sobre o país, nem folheado O capital. E aquele outro que garante que os Estados Unidos são o império-modelo ou que as ciclovias funcionam que é uma beleza na Europa, mas não aqui? Torça a boca. Talvez ele não conheça americanos nem tenha dado uma volta de bicicleta por algum país europeu ou mesmo pela Avenida Paulista. Não que não se possa achar Cuba linda ou os Estados Unidos o máximo. Aqui não estamos julgando a opinião dos amiguinhos on-line. A pergunta é: “O que será do mundo quando pessoas só replicarem histórias, opinarem sem informação, como foi com o post da NPR?”

A primeira resposta, e mais fácil, é que esse será um mundo de radicais. Quando não admitem a própria posição desinformada — eu, por exemplo, nada conheço de cozinha (apesar de querer saber mais), por isso não opino —, ignorantes, no sentido mais literal da palavra, tendem a ser fundamentalistas, extremistas, messiânicos ou, numa clara exacerbação, fascistas.

A falta de conhecimento não gera apenas conversas chatas, repugnantes e momentos de total “vergonha alheia”. Ela cria ódio, dá luz a donos de verdades que eles nem sabem se são verdades. Com o tempo, cria um ambiente como o do Facebook do Brasil em crise: povoado de radicais de ambos os lados e no qual os que estão no centro ou assumem a própria ignorância (ouse falar algo como “Não tenho opinião formada sobre a redução do limite de velocidade nas marginais de São Paulo” e verá a reação) são tidos como idiotas. Isso no cenário mais positivo. Muitas vezes, são vistos não só como idiotas, mas como covardes, desinformados (veja só!), escória humana. Quem debate, quem se abre a ideias, agora é o asco.

2ª teoria

Aqui, propositalmente não entrarei em “tecnicices”. Vou falar do tal algoritmo do Facebook, aquele que põe ordem na sua timeline, de maneira clara, para qualquer um entender.

O que ele faz: quando você entra no Facebook, só vê uma pequena parcela do que amigos publicam. Isso porque o algoritmo peneira tudo para você. Com base em seu comportamento on-line — quais posts curtiu; de que páginas de empresas, revistas e sites gosta; com quais contatos interage mais —, escolhe o que acredita que você mais gostará de ver. Isso é útil. Melhor: é essencial para a sobrevivência de uma rede social. Não queremos, afinal, nos ver no meio de uma festa barulhenta, com tudo quanto é gente gritando nos nossos ouvidos. Preferimos papear com os amigos.

Só que há um efeito extremamente negativo. Passamos a ver no Facebook apenas opiniões similares às nossas (que curtimos) e criamos nichos de debates que parecem privados, mas que, na realidade, são públicos. Dentro desses nichos, expressamo-nos e passamos a encontrar respaldo de colegas com posições radicais, com as quais achamos que concordamos — muitas vezes nem nos informando sobre elas. Nascem os grupos extremistas, de vários lados, em oposição.

Em outro efeito do algoritmo, começam a se destacar no Facebook, na parte superior da página, os posts mais acalorados, que são curtidos, comentados (por quem é a favor ou não), compartilhados freneticamente. Isso fortifica os extremistas, felizes de serem correspondidos on-line.

Pronto, está aí o cenário de extremos desinformados.

Por que se preocupar com isso?

Sim, talvez ainda sejamos usuários verdes de redes sociais. Pode ser que daqui a algumas décadas nossos filhos e netos olhem para trás e se espantem: “Nossa, como aquela galera era louca no Facebook.” Quem sabe se voltem novamente aos debates racionais, deixando a maluquice de lado? As empresas por trás desses sites, como o Facebook, também podem evoluir. O algoritmo pode ser treinado para exibir notícias mais verdadeiras, no lugar das falsas, típicas do universo on-line; priorizar debates amenos, não os enervados; dar voz a opiniões contrárias em uma mesma timeline. Mas ainda vivemos no “talvez”.

O fato é que o mundo on-line tem ficado extremista, o que repercute na vida real. Vide a disputa entre motoristas do Uber e taxistas, da qual literalmente tem jorrado sangue e na qual qualquer um que tente raciocinar uma saída é tratado com desdém (na melhor das hipóteses) ou com ameaças verbais e físicas — principalmente, é preciso ser justo, por um dos lados da peleja. Do mesmo modo, a batalha entre os “coxinhas” e os “esquerdistas”. Há alguma racionalidade em grande parte do que se tem falado no Facebook sobre isso? Será que realmente estamos informados a ponto de tecer opiniões definitivas sobre tudo, em cima de muros digitais e protegidos pela ilusória cortina virtual?

Tenho medo de para onde caminhamos. Existe na história humana uma associação bem simplória — mas muito repugnante — entre o surgimento de grupos extremistas ignorantes, fechados em seus mundinhos, com o de ditaduras, guerras, tiranias. Também receio que surjam líderes com forte carisma, capazes de se aproveitar dos indivíduos radicais desinformados como escada para ascenderem com ideias egocêntricas. Tenho pena da “inovação” dentro desse contexto. Inovar é, por essência, criar algo novo. Como traremos novidades à mente quando nosso cérebro se vê refém de ideias únicas, constituídas previamente e fundamentalistas?

George Orwell (1903-1950), do clássico 1984 — no qual apresentou ao mundo a ideia do Big Brother —, avesso aos totalitarismos, defendia: “Se liberdade significa alguma coisa, é o direito de falar às pessoas o que elas não querem ouvir.” Na mosca! Mas tomo a liberdade de acrescentar: e de ouvir, sem repúdios violentos e tresloucados, o que o outro tem a dizer.

Será que as posições extremas nos levarão a futuros extremos, como o pintado em 1984 pelo escritor George Orwell?

 

link-externoLeia também: Como o Facebook nos transformou em leitores desatentos

Comentários

3 Respostas para “Como o Facebook virou um mundo de radicais

  1. O facebuki é o mesmo saloon do velho oeste na versão 8.0.

  2. Gostaria que o tamanho da letra do texto fosse aumentado, para melhorar a leitura.

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