Filipe Vilicic

Como o Facebook nos transformou em leitores desatentos

6 / agosto / 2015

l_img5_instagram_blog_02a_semtexto

Sinto que venho me tornando um leitor menos atento. Meus olhos passam pelas palavras como se fossem ondas que se quebram e somem. Para ganhar concentração, muitas vezes tenho de me isolar, abrir um livro físico (com o digital fica mais difícil ter foco), respirar fundo e, então, curtir a história. Situação preocupante, principalmente para um leitor voraz como eu. Só que se torna ainda mais alarmante quando noto que amigos, colegas de escrita, repetem essa reclamação em tom uniforme. O que ocorre? Será que há algum mal universal que nos faz ler cada vez pior?

Não chamaria de “mal”, mas de “cenário”. Trata-se do mundo das redes sociais. Se antes nos acostumamos a livros e revistas, a mergulhar em cada informação (e era tão pouca!) que surgia à nossa frente, agora surfamos pelos dados (e são tantos!), preocupando-nos mais com a próxima onda do que com a que passou. Vamos de um lado para outro, freneticamente, lendo status no Twitter, no Facebook; vendo fotos no Instagram (imagens, afinal, são uma espécie de “leitura”), matérias em revistas, jornais e sites; acessando blogs; assistindo a séries no Netflix. Corremos os olhos do computador para o notebook, para o Kindle, para o smartphone, para o tablet, para um livro impresso… Para a próxima invenção que colar, seja um relógio com mais informações vindas de seu pulso, seja um par de óculos mostrando tudo bem à frente. Não somos mais mergulhadores. Viramos surfistas — e tenha como elogio e crítica ao mesmo tempo.

Sim, há vantagens: agora também somos ligeiros. Viramos craques em consumir informações com rapidez. Sabemos o que a vovó está postando no Facebook, ao mesmo tempo que assistimos a Breaking Bad no computador e conferimos mensagens no WhatsApp. Nossas mentes estão ágeis.

Pelo bem, pelo mal, há uma mutação em curso. Somos leitores diferentes. Algo tem ocorrido em nosso cérebro que mudou nossos processos cognitivos. Enquanto os mais velhos podem até ter dificuldades para lidar com o universo do touch, da comunicação instantânea, uma criança de poucos anos sabe navegar com talento pelo iPad. Porém, na hora de se concentrar em uma só história, em analisar um só caso, podem prevalecer a falta de atenção, as falhas de memorização, a atitude de surfar sem mergulhar em águas profundas.

Uma série de trabalhos científicos tem sido publicada sobre essa transformação do hábito de ler. Um dos estudiosos do tema é o escritor americano Nicholas Carr. Em um agora já clássico artigo para a revista The Atlantic, ele diz:

Nos últimos anos, tenho a sensação desconfortável de que alguém ou algo tem pregado peças com meu cérebro (…) Sinto isso ainda mais forte quando leio. Imergir em um livro ou em um longo artigo era fácil (…) Agora, minha concentração se perde frequentemente depois de duas ou três páginas (…) Acho que sei o que está ocorrendo. Por mais de uma década, tenho gastado tempo demais on-line.

Trata-se de uma preocupação que tem se espalhado. A neurocientista Maryanne Wolf, do Centro de Pesquisas de Leitura e Linguagem da Universidade Tufts, de Boston, vai ainda mais fundo na análise. Para ela, a era da internet tem moldado o cérebro, capaz de se adaptar, de repaginar a rede de sinapses dos neurônios, de acordo com o tipo de leitura que faz. Em seu livro Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain (Proust e a lula: a história e a ciência do cérebro que lê), avisa: “Livros sempre foram uma forma de se aventurar, trabalhar a imaginação e crescer intelectualmente. Porém, na era da internet, passou-se a ler rapidamente, sem análise nem crítica.” Segundo a autora, isso faz com que os jovens de hoje desenvolvam menos conexões neurais. Ou seja, tenham cérebros menos eficazes.

David_-_The_Death_of_Socrates

Sócrates, retratado na pintura A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David: o filósofo era fã da tradição oral, mas se opunha à escrita e à leitura

Não faltam estudos sobre o tema — listo vários deles em O clique de 1 bilhão de dólares —, na maioria muito ácidos e críticos, como os realizados por Maryanne Wolf. Mas vale uma pausa. Grande parte dos cientistas ainda acha cedo para chegar a conclusões irrefutáveis. Estou com essa turma.

Há milênios, ocorreu a mesma reação a uma inovação tão disruptora quanto é a internet para esta época: a escrita. Sócrates, nos idos da Grécia Antiga, irritou-se com a chegada de tal tecnologia. Para ele, a leitura faria da mente, que não mais precisaria memorizar tudo, um ente preguiçoso. Reações contrárias, por vezes contendo premonições apocalípticas, surgem sempre junto à chegada de novidades tecnológicas — em relação à escrita, à prensa de Gutenberg, à física de partículas, à internet ou aos aplicativos de tablets e smartphones. Mas o que nossa história, a da humanidade, tem provado é que os avanços têm vindo para o bem. Sim, muda o quê e quem somos. Há, porém, um balanço, usualmente positivo. No caso da leitura na era digital, aposto todas as minhas fichas no equilíbrio. Eventualmente, aprenderemos a lidar com essa nova forma de consumir informações. Talvez saibamos juntar com proficiência o mergulho e o surfe. Neste momento, contudo, não vislumbramos a chegada de tal equilíbrio. Por isso, estamos confusos como um animal em adaptação a um novo habitat. A garantia de sobrevivência: leia, sempre, o que for, o que lhe der prazer. E não deixe seu cérebro estacionar.

link-externoLeia também: Como as redes sociais estão canabalizando a internet

Comentários

13 Respostas para “Como o Facebook nos transformou em leitores desatentos

  1. Oi Filipe, muito bom seu artigo.
    Concordo totalmente com tudo que você escreveu. Tenho quase 40 anos, sempre fui uma leitora voraz e vejo agora que as vezes é difícil me concentrar. Mas insisto e consigo. Prefiro livros físicos (não me concentro e não sinto o mesmo prazer com livros digitais). Mas hoje com tantas informações, tanto volume de coisa, se leio um livro médio, já abandono (para que perder o tempo?). Acabo priorizando boas leituras. Antes insistia até o fim e as vezes tinha gratas surpresas.
    Creio que tenha o lado bom também de podermos nos atualizar de tudo tão rápido, mas acho que isso gera uma ansiedade extrema. Você se sente obrigado a se informar, a se manter atento a tudo. Eu hoje me policio. Tenho meu horário de leitura a noite reservado, e nem internet, nem netflix tiram esse meu momento.
    Enfim… Vamos nos adaptando. Tenho uma filha de 6 e já é já é tudo muito diferente.

  2. Olá Filipe, excelente o seu artigo. Parabéns. Gostei principalmente, por ele responder, de certa forma, uma já antiga preocupação que tenho, de saber o que está acontecendo com as pessoas que não mais sabem escrever. Antigamente, encontravam-se pessoas que demonstravam este defeito mas, além de raras, eram de uma camada da população menos favorecida. Hoje não! São pessoas cultas, universitárias, mestres, até mesmo doutores, que escrevem mais parecendo crianças do 1o; grau menor (não sei mais nem se é esta a terminologia). Você realmente acertou na mosca. Mas não considero isto uma coisa boa. Ao contrário. Julgo ser um péssimo estágio da humanidade. Isto que você atribui ao facebook, na verdade, não é só a ele. O que você está dizendo é que o facebook é um referencial. O que está acontecendo realmente, é uma “mutação” como você falou, na qual o facebook é um símbolo, um emblema, um “bode expiatório”.

  3. Olá, Flávia, fico feliz que tenha refletido com esta leitura. E torço para que continue a insistir “até o fim”. Grande abraço

  4. Também sempre fui um leitor voraz, mas tempos atrás notei que o tempo que eu aproveitava lendo passei a desperdiçar com Facebook. Ao perceber isso me senti muito mal e imediatamente desativei o meu perfil na rede azul. Consegui ficar pouco mais de um mês sem ele, o suficiente para diminuir consideravelmente a minha fila de leitura. O problema é que as informações não chegavam até mim com a mesma facilidade, a ponto de me sentir fora do mundo. Foi quando eu voltei pras redes sociais mas agora me policiando mais com relação ao tempo desperdiçado na internet.

  5. Concordo, mas estou me policiando..Antes de dormir,
    deixo sempre um tempo para as minhas leituras !

  6. Caros Alberto e Robson, fico feliz que o texto tenha gerado reflexões ponderadas e bacanas como as que fizeram acima. Grande abraço

  7. Concordo com você Filipe. Eu tive de desativar algumas redes sociais para me concentrar na leitura, elas me deixavam extremamente ansiosa e eu perdia cerca de 40% do meu tempo só atualizando a minha página do facebook. Hoje eu assino várias revistas para me manter mais informada, assisto jornais, leio meus livros e quando tenho saudade de algum amigo eu ligo ou vou visitá-lo. É claro que eu fico para trás em alguns assuntos, mas com toda certeza é melhor ficar desatualizada em algumas coisinhas do que perder meu tempo monitorando uma coisa que não irá me dar outro aproveito além disso. Parabéns, beijo.

  8. Artigo perfeito. Tudo que a muito tempo queria falar e poucos davam atenção, mas a realidade é esta, assim como tratado por Filipe, depois de retirados os exageros é isso mesmo que vivemos hoje em dia.

  9. Por incrível que pareça, desativei hoje o face book e me sentindo como que um estranho no ninho fora do mundo virtual, acabei entrando aqui e realmenre me encontrei…. Um lugar virtual mas onde posso aprender e não simplesmente ” curtir” ….

  10. Com o advento dessas ferramentas, as pessoas buscam mais exporem seus pensamentos do que lerem o que os outros têm a dizer. Se não dizem nada de conteúdo, mas mesmo assim estão satisfeitas. Mas nada superará a boa leitura elaboras por que nasceu com esse dom.

  11. Prezado Filipi,
    Gostei de seu artigo. Muito bem escrito e propulsor de reflexões. sou coordenador da Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano D’Almeida, em São João del-Rei e, desde que cá cheguei, em função de prática adotadas, saltamos de 4.300 empréstimos de obras em 2013 para mais de 14000 empréstimos em 2015. E, para que se assinale: a maioria de nossos leitores está na faixa etária 12 – 30 anos. como leitor voraz, porém de leitura lenta, compartilho de suas preocupações. percebo que em havido uma banalização a informação, sem fundamentos e sem pesquisa. Uma das coisas que tornam as mentes mais vazias. Informações consumidas rapidamente, sem profundidade e sem atrelamento à verdade. Parabéns!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *