Leticia Wierzchowski

O anel

17 / julho / 2015

foto-7

Dia desses, estava correndo de manhã bem cedinho e, num canto da sarjeta, encontrei um anel. Um desses anéis com uma única pedra que as moças ganham dos pais quando completam quinze anos. Não sou do tipo que ganha coisas, não sou do tipo sortuda. Mas, sempre que caminho na praia, busco por pedras e conchas especiais. Às vezes acho algumas pedras em formato de coração que considero um presente de Oxum.

Nesse dia, eu não estava correndo com os olhos na calçada, nem mesmo com os olhos na vida. Estava olhando para dentro de mim, para um buraco dentro de mim, seguindo pela via: uma perna na frente da outra, uma perna na frente da outra, correndo, correndo, tentando vencer os problemas, os medos, os silêncios. Correndo atrás de endorfina, correndo porque é bom correr, porque correr tem sido medicinal para mim. E, então, lá estava o anel. No meio de coisa nenhuma. Sobre a pedra nua, o anel.

Era um trecho de rua bastante movimentado, naquela hora em que as pessoas estão seguindo para o trabalho, olhos ainda baços de sono, rostos cobertos por capuzes e mantas, pois fazia frio e o sol estava escondido entre nuvens. No entanto, ninguém viu o anel antes de mim. Só eu. Só eu. A pedra, pequena, engastada numa armação simples, luzia na manhã nebulosa. Vi o anel por acaso, e por acaso parei de correr e o apanhei. Gosto de procurar coisas por aí, mas não estava procurando nada naquele dia, não estava mesmo.

Eu já tive um anel desses, roubaram-no há muitos anos, num hotel. Naquele dia, recolhendo o anel do chão, pensei que a vida talvez estivesse me devolvendo aquele velho anel perdido no tempo. Talvez ela estivesse me dizendo que devolveria, além da joia, os sonhos, todos os sonhos perdidos, todas as coisas levadas pelos dias e pelas noites. Talvez a vida estivesse me pedindo em casamento outra vez, porque o anel parecia de noivado. Enfim, coloquei o anel no dedo e segui correndo, correndo, correndo, suando na manhã fria.

Fiquei sabendo depois que o anel era falso, talvez fruto de um assalto, no qual o ladrão, mais preparado que eu, descartara seu butim de araque. Eu o guardei mesmo assim e o tenho levado comigo como um talismã — naquela manhã cinzenta e gasta, na esquina do parque, ele me pareceu a coisa mais verdadeira deste mundo.

Comentários

Uma resposta para “O anel

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *