Escrever

Por Leticia Wierzchowski

11 / junho / 2015

Marguerite Duras

Marguerite Duras por Jeremy G. (Jayme Rose)

Um tanto porque este é o meu ofício, outro tanto porque comecei a ministrar algumas oficinas literárias por aí afora, venho pensando muito no trabalho de escrever e na vida — ou nas muitas vidas — do ficcionista.

Alguns escritores preparam-se, inclusive fisicamente, para este ofício. O japonês Haruki Murakami escreveu um pequeno ensaio (aliás, genial) sobre a relação entre literatura e esporte. Sempre sugiro a leitura deste livro: Do que eu falo quando eu falo de corrida. Sou eu mesma uma escritora afeita ao esporte — nado ou corro todos os dias. Já passei pela ioga, pelo balé. Nunca saí da piscina: comecei a nadar quando comecei a escrever e jamais parei com nenhuma destas duas atividades.

Farejando as pistas de outros escritores, comprei um livro de Marguerite Duras chamado Escrever. É um pequeno relato que nasceu de um depoimento filmado que a escritora deu a seus amigos Sylvie Blum e Claude Guisard em sua adorada casa de Neauphle-le-Château. Muito coloquial, o livro discorre sobre as angústias e a experiência de Duras com o seu ofício. Ao contrário de Murakami, que se notabiliza por sua determinação (começou a correr quando da escritura do seu terceiro livro e passou a ser um maratonista famoso, presente em grandes eventos de corrida mundiais), Marguerite Duras entregou-se durante um bom tempo ao uísque — a sua vida e a sua escrita angustiada espantavam-lhe o sono, e ela bebia para dormir. Mas, de todo o livro, cujo conteúdo me emocionou em vários momentos, um pequenino trecho ficou marcado em mim. “Quando eu escrevia, toda a casa escrevia. A escritura estava em todas as partes”.

E assim Marguerite resumiu o que, para mim, é a grande mágica de escrever: tudo ao nosso redor para quando entramos no mundo da ficção, tudo entra na ficção conosco, misteriosamente. A mesa, os livros, o tapete, tudo escreve junto comigo quando eu escrevo. Bem, faço aqui uma pequena ressalva: meus filhos. Eles seguem as suas vidinhas, orbitando em torno da minha, interrompendo-me aqui e ali com as suas demandas, suas necessidades infantis, seus desejos juvenis, suas tarefas, aulas, treinos, amigos. Mas a casa, a casa sempre escreveu junto comigo. E o quarto (nunca gostei de escritórios e costumo trabalhar no meu quarto, de tão íntima que me soa a escrita), ah, o quarto é habitado por dezenas de personagens, fantasmas de outros livros, de histórias passadas, que volta e meia me visitam, dividindo espaço com as gentes de carne e osso desta minha vida.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

2 Respostas para “Escrever

  1. Eu queria trocar alguns email com você sobre a Arte de escrever. Por favor quando ver e der me mande mensagem..

  2. Olá estou desesperada por este livro, preciso dele para escrever ,imha dissertação, mas não encontro em português. Será que teria como você me mandar em pdf, ou me vender, quem sabe?

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