Por Yan Caetano*
As pessoas ocupam seus lugares na sala. Famílias, casais, amigos, todos com ingressos nas mãos. As luzes se apagam. O feixe de luz encontra a tela branca e a magia começa. No segundo inicial, um homem baixo, vestido com um terno surrado, uma bengala e um chapéu-coco, caminha de forma desengonçada, única. Basta um sorriso e pronto: a plateia foi conquistada.
A história de Charlie Chaplin se confunde com a do próprio cinema. Ao relembrar a infância da sétima arte, desde o cinematógrafo dos irmãos Lumière, parece natural evocar o “maior ator do mundo” — título concebido com exatidão ao criador de Carlitos. De fato, em uma Hollywood que ainda engatinhava, o homem do chapéu-coco, da bengala e do bigode postiço era capaz de compreender perfeitamente o que os espectadores daquele novo meio gostariam de ver.
O lado humano da trajetória de Chaplin é explorado com lirismo, e generosas doses de ficção, pelo escritor italiano Fabio Stassi. Em A última dança de Chaplin, romance traduzido para 19 idiomas, o autor conta a trajetória do londrino Charles Spencer Chaplin: sua infância na Inglaterra, a juventude passada em trupes de circo, a chegada aos Estados Unidos e o auge de sua carreira no cinema. Misturando elementos reais com ficção, o livro é uma grande balada, marcada pelo ritmo intenso das palavras de Chaplin endereçadas, em carta, ao filho caçula, Christopher.
O romance começa de forma inusitada, com o diálogo entre Chaplin e a Morte na noite do dia 24 de dezembro de 1971. Assombrado pela previsão de uma cartomante, feita quando o artista tinha apenas 20 anos, Charles temia morrer aos 82 sem conseguir participar, de forma efetiva, da vida de seu filho mais novo. Nessa noite, a Morte (ou a Velha) faz sua primeira visita. Na tentativa de protelar o inevitável, o ator interpreta um dos números de Carlitos, o Vagabundo. A Morte zomba da apresentação e garante que ninguém jamais a fez rir. Chaplin, então, a desafia: se a fizer rir, ela não o levará, mas o visitará novamente no próximo Natal para outra tentativa. Após o encontro, Chaplin passa a escrever para Christopher, compartilhando as histórias e os momentos mais marcantes de sua vida.
Leia um trecho de A última dança de Chaplin
As páginas seguintes são encantadoras para os apaixonados por cinema. A história de Chaplin nos Estados Unidos é especial. Após uma estreia fracassada, o ator percebe que seus truques e ideologias não eram valorizados pelo público norte-americano. Para conseguir o que desejava, ele precisava experimentar, aprender com diversos tipos de pessoas, imitar os gestos e as maneiras do homem comum. A partir daí, Fabio Stassi enumera diversas situações que moldaram, aos poucos, o “maior ator do mundo”. A cada trecho, o leitor se depara com referências disfarçadas relacionadas diretamente aos personagens e às cenas que Chaplin imortalizou.
Aliando história e ficção, Stassi desenha os sentimentos, as angústias, a eterna solidão, e, principalmente, a profunda dedicação de Chaplin em conhecer o ser humano. Seus personagens tão adorados pelo público são o resultado dessa celebração exacerbada, mas ainda assim fiel, das características e emoções humanas.
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Além da reconstrução da trajetória de Chaplin, o autor acompanha também o desenvolvimento do cinema, com passagens que enchem os olhos. É muito bonito, por exemplo, ler o trecho sobre Arléquin, o homem que, segundo o palhaço Marceline e o malabarista Zarmo (membros da trupe do circo no qual Chaplin atuou), inventou o cinematógrafo. A passagem conta que, para eternizar a memória da mulher amada, Arléquin aprendeu a desenhar e a gravar a imagem em movimento.
É essa sensação de imortalidade que prevalece ao final da leitura do romance de Stassi. Eternizados pelo cinema, os truques de Chaplin continuam a enganar, ano após ano, a Morte.
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Yan Caetano é nerd desde que se entende por gente, apaixonado por cinema e cultura pop em geral. Viciado em internet, é Coordenador de Mídias Sociais, tem MBA em Marketing e atualmente trabalha no desenvolvimento de um projeto pessoal, o site Cool and Pop.
SIMPLESMENTE FABULOSO. UMA ABORDAGEM SIMPLES, DIRETA, MAS COMPLETA SOBRE UMA LENDA, SEM SER PROLIXO, MAS O SUFICIENTE PARA EXPOR A ESSÊNCIA DE UM NOME QUE MARCOU EM BRASA O CINEMA MUNDIAL. EXCELENTE ARTIGO. PARABÉNS.
SOU FÃ DE CHAPLIN!