Bastidores

São só roupas – Um brinde a isso!

17 / abril / 2015

Por Mariana Rimoli*

Along 5th Ave

“Quem entra na loja perde o fôlego na hora: ela é opulenta de verdade. A luz cintila dos lustres de cristal dependurados no centro de rotundas magníficas. Mesmo reformadas, as paredes com painéis e relevos em estilo francês exibem um charme antigo impossível de reproduzir em construções modernas. A loja é linda.”

Em fevereiro desse ano, saí de férias enquanto na editora eram feitos os ajustes finais da edição do livro Um brinde a isso, de Betty Halbreich. Aos 86 anos, Betty é personal shopper (na verdade, é muito mais que isso) da Bergdorf Goodman, uma das lojas mais chiques de Nova York, talvez uma das mais chiques do mundo. Confesso que antes de conhecer o livro nunca tinha ouvido falar de Betty, e tudo o que eu sabia sobre a Bergdorf Goodman tinha aprendido em filmes e seriados de televisão. Entre amigos, tenho a fama um pouco imerecida de fashionista, mas a verdade é que não passo de uma fraude: gosto de roupas bonitas, mas quem não gosta?

Capa_Umbrindeaisso_capa_homeNo livro, Betty conta sua trajetória, da infância em Chicago, onde cresceu num mundo de bom gosto e elegância discretos, passando por sua chegada à Nova York, para onde se mudou depois do casamento com o bon-vivant Sonny Halbreich, que lhe apresentou a uma vida de ostentação e luxos que ela nunca imaginou existir. Depois do tumultuado divórcio e de uma tentativa de suicídio, Betty se viu pela primeira diante da necessidade real de ter um emprego. Sofisticada, sincera demais e com pouco talento para números, ela não se saiu muito bem como vendedora, mas em pouco tempo se tornaria responsável pelo serviço de compras personalizadas da “Meca do estilo”. Há quatro décadas atendendo celebridades e mulheres comuns (na medida em que podem ser comuns as mulheres que procuram seus serviços), Betty, que não gosta de ser chamada de personal shopper e, desconfio, também não deve gostar do termo fashionista, oferece a suas clientes bem mais do que roupas bonitas.

link-externoLeia um trecho de Um brinde a isso

Pois bem, eu estava saindo de férias e meu destino era Nova York. Seria minha segunda visita à cidade: eu tinha ido para lá em julho passado, no auge do verão americano, e agora voltaria no inverno. Minha animação para ver o Central Park coberto de neve era inversamente proporcional à minha vontade de gastar dinheiro em peças que, morando no Rio de Janeiro, seriam usadas uma vez na vida outra na morte, se tanto. Aproveitando-me da velha desculpa de que turistas precisam de conforto, tratei de arrumar um casaco quentinho numa boa liquidação, comprei as botas mais macias que pude encontrar e parti feliz para uma jornada de 15 dias em que saí nas fotos com o mesmo look.

O que eu tinha esquecido é que, tempos antes, empolgada com as descrições de Betty, com todo aquele glamour elegante de marcas, estilistas famosos, tecidos, cores etc., eu havia prometido para o pessoal da editora que daria “uma passadinha” na Bergdorf para ver esse mundo com meus próprios olhos (e quem sabe escrever um depoimento para o blog). Os dias foram passando e toda vez que eu estava por perto da loja arrumava uma desculpa para não entrar: está frio demais, estou com pressa, estou cheia de sacolas… A verdade é que no fundo eu sabia que não tinha roupa para aquele lugar! Tudo bem que era só uma olhadinha, mas, poxa, eu não queria me sentir um peixe fora d’água nas minhas férias!

Mas a viagem estava chegando ao fim. Todos os amigos que tinham ido comigo já haviam voltado para o Brasil e só me restavam mais dois dias na cidade. Então me enchi de coragem, coloquei a melhor roupa da mala (que ficou inteiramente coberta pelo casaco preto e pelas botas pretas) e parti para a Quinta Avenida. Sem respirar, empurrei uma das enormes portas de puxadores dourados e entrei na loja mais reluzente que já vi. Mal dei dois passos um vendedor simpático do departamento de sapatos perguntou se eu procurava alguma coisa em especial. Tive vontade de rir, mas na verdade só sorri enquanto respondia com o bom e velho “obrigada, estou só olhando”. Lojas são lojas em qualquer lugar do mundo.

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Obviamente, eu não estava vestida de acordo com aquele lugar. Obviamente, eu estava morrendo de medo de encontrar Betty Halbreich materializada na minha frente e ter de me desculpar por ter editado o livro dela vestindo roupas como aquelas. Mas depois pensei que eram só roupas, e que ninguém precisa se sentir mal por isso. Subi uma escada rolante (dourada, claro), parei diante dos manequins como quem para para observar quadros num museu. E, pouco tempo depois, enquanto eu e meu casaco de 50 dólares empurrávamos outro enorme puxador dourado para encontrar uma neve fina num fim de tarde, não pude deixar de pensar nas palavras de Betty: “Roupas não são uma razão e um fim em si mesmas. Elas podem ser divertidas, podem ser bonitas, você pode pô-las na cabeça ou usá-las do avesso, se quiser. Elas estão aí para você se sentir bem.”

 

link-externoLeia também: A história de Betty Halbreich será adaptada para a TV por Lena Dunham

Mariana Rimoli é editora de livros estrangeiros na Intrínseca e morre de medo de sair de casa com a roupa errada ou sem um livro na bolsa.

Comentários

7 Respostas para “São só roupas – Um brinde a isso!

  1. Adorei seu relato! Leve, divertido e muito sincero! Já fiquei com vontade de voltar a NY para conhecer essa loja incrível e, claro, ler o livro!

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