Particularidades do gênero

Por Miguel Sanches Neto

24 / abril / 2015

O romancista disseca as palavras-chaves de seu novo livro.         

Por Miguel Sanches Neto*

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Ficção extrema

A segunda pátria é um romance de história alternativa. Ou seja, funciona como uma espécie de ficção científica de natureza histórica. Neste tipo de livro, o que mais atrai é a possibilidade de localizar temas e personagens que não foram centrais e dar a eles um protagonismo. É uma forma de valorizar ideias e pessoas que não triunfaram. Eis um papel importante da ficção histórica: entender ficcionalmente o passado a partir do que ficou na sombra. No fundo, estas narrativas nascem de um posicionamento do presente que opera uma leitura a contrapelo de um período. No caso de A segunda pátria, toda a discussão do papel do negro na sociedade atual, uma contribuição hoje reconhecida como valiosa, serviu para criar o personagem Adolpho Ventura, um dos protagonistas do romance, um negro que teve acesso ao estudo, mas que perdeu o contato com os seus. Esta duplicidade de identidade vai ser resolvida de forma trágica.

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Base histórica

Trata-se, portanto, de uma invenção com base em pesquisas. Parti de relatórios policiais da época, publicados, alguns deles, em livros com teor jornalístico, e também de obras de ficção. Foram ainda fundamentais algumas teses de doutorado na área da história que começam a deslindar este período de sintonia com o nazismo.

Parábolas

É possível compreender um momento histórico de duas maneiras bastante diferentes. Se você se fixa só nos fatos, estuda os documentos, pode criar uma percepção bastante fiel e mais horizontal de um período. A outra forma de analisar acontecimentos históricos se dá por meio da ficção, quando um escritor colhe, nos documentos de uma época, percepções e as transforma em algo desobrigado da comprovação histórica para construir uma parábola, por assim dizer, sobre o período. Este é um método mais vertical.

Um grande exemplo disso é A revolução dos bichos, de George Orwell, livro lido como metáfora de um regime político. Há uma verdade ali, mas ela não cabe na história factual.

Ao escrever sobre um Brasil názi, eu me vali desta gramática criativa, que intensifica episódios que de fato se manifestaram no país, num estágio embrionário, mas não daquela forma e naquela proporção. O ficcionista convida o leitor a viver no plano da imaginação de desdobramentos um tanto absurdos de pequenos preconceitos que circulam em nossa sociedade. Diante desta “parábola” do nazismo que é A segunda pátria, espero que o leitor construa não um ódio étnico, mas uma maior tolerância com o outro.

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Amplificadores

O artista é uma espécie de caixa de ressonância. Coisas pequenas, que passam muitas vezes despercebidas para a maioria, ganham dimensões inusitadas para este criador. Ao escrever, ele amplia estes eventos que o machucaram, une-os a outros, de tal forma que reorganiza o mundo a partir de uma ficção que vê os fatos dentro de estruturas simbólicas. O Brasil nazista que criei é um pesadelo, mas que talvez aponte para a raiz de uma tendência preconceituosa que macula a identidade nacional.

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Miguel Sanches Neto nasceu em Bela Vista do Paraíso, no interior do Paraná. É autor de seis romances, além de livros infanto-juvenis, contos e ensaios. Seu novo romance, A Segunda Pátria, será publicado em 18 de março pela Intrínseca.

Miguel Sanches Neto nasceu em Bela Vista do Paraíso, no interior do Paraná. É autor de seis romances, além de livros infanto-juvenis, contos e ensaios. Seu romance A Segunda Pátria foi publicado em 2015 pela Intrínseca.

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Comentários

Uma resposta para “Particularidades do gênero

  1. Em tempos atuais,se não me engano,hà uns 4 anos atrás,foi descoberto uma célula nazista pela policia federal no Rio Grande do Sul muita bem organizada e com a intenção de tomar São Paulo e depois Minas Gerais.Outro detalhe é que não me lembro aonde li isto mas gostaria que alguém me respondesse “Se durante o governo de Getúlio,Hitler o presenteou com um carro oficial,isto procede,ou estou enganado?

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