Fui fazer um hemograma. Como é curioso fazer hemograma! Também é chato — na noite anterior, tinha ido ao belíssimo show do Jorge Drexler em Porto Alegre, de modo que dormi tarde, bebi um pouco, passei da hora do jantar e fui obrigada a fazer um jejum bastante longo. O show do Drexler, meus caros, faz muito bem à saúde — mas não elimina a necessidade de um eventual hemograma.
Do outro lado da sala do laboratório, alguém examinaria meu sangue recém-coletado, apontando valores de referência para isto e para aquilo — examinar meu sangue no microscópio é uma forma de me conhecer, entre tantas outras. Meus triglicerídios são baixíssimos, meu colesterol também. Não sofro destes problemas — sofro de outros. Como se mede a tristeza, a ansiedade, a insegurança de alguém? Como se mede a alegria, o medo, a coragem, a criatividade?
Não tenho pressão alta, meus exames são excelentes, corro, nado, pratico exercícios diários — o senhor que vende água de coco me vê correndo no parque, ele sabe que tenho um ritmo, sabe quantas voltas eu dou, mas o que ele sabe de mim? Das minhas angústias, dos meus pesadelos, dos meus sonhos? Somos tanta coisa ao mesmo tempo! O meu sangue diz muita coisa de mim. Esse sangue que reflui por todo o meu corpo, bombeado pelo meu coração — mas e quem conhece o meu coração? Bem poucas pessoas, eu diria… Os risos que já dei, as lágrimas que derramei dizem mais de mim do que este ácido úrico, a taxa de creatinina ou de colesterol.
E agora estou aqui, imprimindo o resultado do meu exame para levar ao médico. O meu médico conhece várias coisas de mim… Acho que, ao final da consulta, ele dirá: “Está tudo bem com você. Parabéns.” E então, eu sorrirei amavelmente, agradecendo. E depois partirei, pensando: mas o que ele sabe de mim? Nem eu mesma sei de mim — de todos os pedaços que eu sou. Mais do que a cronologia dos meus hemogramas e prontuários hospitalares, estou nos meus filhos, num certo jardim de rosas e nos meus romances, misturada aos personagens, às longas tardes silenciosas em frente ao computador. Sem chegar aos pés de Hamlet, aqui estou eu, dia a dia, página a página, pétala a pétala, tentando entender quem eu sou — e quem não sou.
Também estou por aqui tentando entender quem eu sou, acho tão complicada essa tarefa, mas também acho essencial para podermos viver!