Leticia Wierzchowski

A árvore generosa

24 / março / 2015

árvore

No fundo do meu prédio, tem uma figueira linda e bastante antiga. Certamente essa figueira viu brotar do chão esse bicho de concreto, suportando serenamente o seu nascer barulhento, a confusão das suas entranhas ao se materializarem, dia após dia, entre guinchos de serras e o alarido dos peões. A figueira, sábia, decerto previa que esse era o primeiro de muitos prédios — e hoje a nossa rua não tem mais casas…

Conheço gente que reclama da figueira. Que seus galhos roçam as varandas, que ela abriga formigueiros, bichos, até mesmo ratos que passeiam por suas folhas e entram pelas janelas abertas dos moradores desavisados. Vizinho mais doce do que essa figueira, eu nunca vi igual. Ela está sempre lá, encravada na sua pequena elevação de terreno, suportando o sol do verão, as chuvas no inverno, a gritaria das crianças e o alvoroço das construções no nosso entorno. Se existe alguma dignidade nesse nosso jardim meio abandonado, ela vem toda da plácida figueira cuja copa vislumbro do alto da minha janela.

Nem sei por que falei na figueira do meu jardim. Talvez porque hoje, andando pela rua, encontrei uma equipe da prefeitura decepando uma árvore enorme. Imagino que tal operação tenha sido realmente necessária — existe toda uma burocracia para a derrubada ou poda de árvores na cidade. Mas fiquei ali parada um tantinho, olhando os robustos galhos caírem, como quem assiste solenemente a um féretro a passar.

Somos bichos caprichosos: quando uma raiz ocupa espaço demais, vamos lá e derrubamos sua dona. Isso sem levar em conta que chegamos depois, chegamos sempre depois delas. Mas, enfim, lamentei a decapitação daquela velha senhora assim como lamento quando reclamam da nossa amável figueira. E fiquei pensando num livro lindo (um dos infantis prediletos do meu caçula, recentemente iniciado na leitura, e meu também!) que se chama A árvore generosa. Se você ainda não leu, leia. Um texto sagaz e delicado de Shel Silverstein, traduzido por Fernando Sabino. Leitura obrigatória para adultos e crianças, A árvore generosa mostra um pouquinho desse nosso egoísmo — nós, que cortamos galhos porque suas folhas sujam nosso quintal; nós, que cimentamos o mundo e andamos por aí cheios de regras e formulários, como num tribunal onde cada árvore é julgada antes de receber seu veredicto. Ah, se as árvores falassem! Lá no livro do Silverstein a árvore fala — fala pouco e diz tudo. E o leitor fica com vergonha de ver o desfecho daquela história de amor entre uma árvore generosa e um menino vaidoso.

 

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