Artigos

Em defesa das vilãs

26 / fevereiro / 2015

Por Vanessa Corrêa*

Flynn_Heidi_Jo_Brady_Photo

Nascida no meio-oeste dos Estados Unidos, filha de uma professora de interpretação de textos e de um professor de cinema, Gillian Flynn aprendeu a amar histórias de terror em casa. Após estudar inglês e jornalismo na Universidade do Kansas, mudou-se para Nova York, onde trabalhou durante anos em uma revista como crítica de televisão e cinema. Apaixonada por ficção, nas horas vagas começou a escrever seu primeiro livro.

A história de uma jovem repórter que investiga casos de assassinato, ao mesmo tempo em que tenta sobreviver a uma família completamente disfuncional, viria a ser Objetos cortantes, sua estreia literária. Publicado em 2006, o romance traz algumas das características pelas quais as obras de Flynn ficariam conhecidas: assassinatos e desaparecimentos como tema central, histórias cheias de reviravoltas, tramas que se passam no meio-oeste americano, personagens ambíguos e mulheres extremamente perturbadas.

untitledA crise do jornalismo nos Estados Unidos também permeia as duas obras de Gillian já publicadas no Brasil. Em Objetos cortantes, a repórter Camille Preaker, que se esforça para manter o emprego em um jornal secundário de Chicago, tem uma visão bastante desoladora da profissão. Já em Garota exemplar, Nick e Amy são jornalistas que perdem seus empregos em Nova York e acabam se mudando para a pequena North Carthage, cidade natal de Nick.

A reviravolta na vida do casal de Garota exemplar foi inspirada na experiência da própria autora, que, pouco antes do lançamento de seu segundo livro, Dark Places, foi demitida da revista Entertainment Weekly. A perda inesperada do emprego acabou tendo um lado positivo: com mais tempo livre, Flynn pôde dedicar-se totalmente a Garota exemplar, livro que já vendeu mais de 6 milhões de exemplares no mundo todo.

link-externoLeia também: Desconstruindo Amy

Se a frieza calculada de Amy Dunne assustou os leitores, o comportamento destrutivo de Camille Preaker e os jogos doentios de sua mãe e sua irmã em Objetos cortantes não ficam atrás. O thriller foi definido por Stephen King como a saga familiar mais aterrorizante lida por ele nos últimos 30 anos.

A atmosfera sombria das obras de Gillian Flynn reflete a paixão da autora pelo cinema de horror. Certa vez, ela contou em uma entrevista que assistiu a Psicose, de Alfred Hitchcock, “um milhão de vezes”. “Eu praticava obsessivamente no espelho a cena final de Anthony Perkins: o sorriso de Norman Bates diretamente para a câmera. Ainda consigo imitá-lo muito bem”, disse Flynn.

link-externoLeia também: Making of A cena do chuveiro de Psicose

Contudo, nas tramas criadas pela escritora, fantasmas e assassinos desconhecidos dão lugar a mulheres de personalidades extremamente doentias, que representam uma ameaça não só para as pessoas à sua volta, mas também para si mesmas.

Gone_Girl

Rosamund Pike e Ben Affleck em cena de “Garota exemplar” (2014)

Muitos leitores se perguntam se uma autora capaz de criar um casamento tão tóxico como o de Garota exemplar ou uma mãe tão desequilibrada quanto Adora Preaker, de Objetos cortantes, não teria uma vida tão assustadora quanto a dos personagens de seus livros. Mas Flynn nega que tenha se inspirado em qualquer aspecto de sua realidade para criar as histórias.

“O número de autores de mistério e horror que conheci e que são as pessoas mais sãs e gentis do mundo é uma loucura. Parece que quanto mais sombrios os livros, mais legais os autores são”, disse Gillian em uma entrevista ao jornal The Guardian.

Os retratos tão pouco lisonjeiros das personagens femininas de seus livros também renderam a Gillian Flynn acusações de misoginia. Em um texto publicado em seu site, a autora rebate as críticas dizendo que seu objetivo é dar voz à violência feminina, tão pouco retratada na história da literatura, e mostrar que mulheres também podem ser más. “Já me cansei das heroínas determinadas, das corajosas vítimas de estupro e das fashionistas à procura de autoconhecimento que aparecem em tantos livros. Lamento especialmente a falta de vilãs femininas — boas e potentes vilãs femininas”, explica.

“As mulheres passaram tantos anos lutando por direitos que não sobrou espaço para reconhecer nosso lado obscuro. Lados obscuros são importantes. Eles devem ser cultivados como repugnantes orquídeas negras. Por isso Objetos cortantes é meu pequeno e assustador buquê.”

Vanessa Corrêa da Silva é jornalista, já trabalhou na Folha de S.Paulo e no portal UOL e é apaixonada por livros, cinema e fotografia.

 

Tags , , , , .

Comentários

8 Respostas para “Em defesa das vilãs

  1. Gostaria de saber se a Intrínseca vai lançar a tradução de Dark Places esse ano? Porque vão laçar o filme e gostaria de ler antes da estréia. Não consigo comprar a versão em inglês em nenhum lugar e, acredito, que seria mais fácil de encontrar a tradução (se ela existisse).
    Obrigada pela atenção.

  2. Oi, Roberta! Sim, iremos lançar neste ano. Mas ainda não temos previsão. Assim que tivermos novidades, anunciaremos em nossas redes! 🙂

  3. Ótimo artigo! Descreve perfeitamente a literatura da grande Gillian Flynn! Já li todos os livros dela e espero muito por outro! Ela é perfeita.

  4. Gillian a cada segundo prova ser mais maravilhosa do que a gente imagina. Sou fã eternamente.

  5. Adorei o artigo! Eu me apaixonei completamente pela escritora quando li Garota Exemplar. Os persongens são muito bem construídos, a narrativa é, sem dúvida, maravilhosa! Estranhamente, em alguns momentos eu me indentifiquei com a Amy, e a sua inteligência me fascinou. Agora estou lendo Objetos Cortantes, e estou amando.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *