Biografia de um livro: os vários começos

Por Miguel Sanches Neto

23 / fevereiro / 2015

De como o romancista é contratado para escrever uma nova obra e isso faz com que ele interrompa o seu trabalho como colunista de um jornal.

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1º. de março de 2012 – quinta-feira
A editora Intrínseca me procurou. Quer me contratar para que eu escreva um romance que se passe na Era Vargas. Seria o começo de seu catálogo nacional.

7 de março de 2012 – quarta-feira
Estive hoje na Intrínseca, numa reunião que foi muito boa. Adiantamos bem a negociação do projeto.

17 de maio de 2012 – quinta-feira
O novo romance começa a andar. Lentamente ainda, embora eu goste de começos acelerados, com muito entusiasmo. Os compromissos consomem as minhas energias e eu tendo a me render às tarefas.

Um romance é sempre uma afronta ao mundo tributável. Impõe-se contra as obrigações.

28 de maio de 2012 – segunda-feira
Chegaram os primeiros documentos sobre os nazistas no sul do Brasil. Uma pressão a mais – ver os livros que devo ler para escrever o romance justo quando menos tempo tenho.

6 de junho de 2012 – quarta-feira
Dedico-me à leitura do material sobre os nazistas. Estes episódios reais conduzirão minha imaginação à história que quer ser escrita. Acredito que tudo que escrevemos já exista no campo das virtualidades. Desejo chegar logo a este romance que me espera. Tomo nota, listo cenas, imagino enredos.

Ler livros sobre um período é uma forma de se fazer pertencer a ele.

7 de junho de 2012 – quinta-feira
Terminei a tese de Ana Maria Dietrich sobre o Partido Nazista no Brasil. E comecei outro trabalho dela – Caça às suásticas. Também iniciei a leitura de Os diários de Victor Klemperer. Conhecer melhor o nazismo a partir de um observador culto e sensível que conviveu diretamente com os nazistas permite uma experiência profunda.

A escrita de um romance histórico é uma oportunidade de ler obras que não leríamos em outras circunstâncias.

11 de junho de 2012 – segunda-feira
Os diários de Klemperer são muito envolventes, pela dolorosa verdade que há neles. Sentimos os nazistas ao nosso lado. É necessária esta intimidade para não se escrever uma história que soe falsa.

13 de agosto de 2012 – segunda-feira
Tomei a decisão de parar de fazer crítica literária na Gazeta do Povo (Curitiba), depois de 19 anos de trabalho. Escrevi hoje a carta de despedida para a editora do jornal, explicando: “Desde a contratação do novo romance, passei a não ter mais tempo. Estou hoje numa situação difícil: ou faço a crítica semanal ou faço o romance.”  Fim de uma fase.

Miguel Sanches Neto nasceu em Bela Vista do Paraíso, no interior do Paraná. É autor de seis romances, além de livros infanto-juvenis, contos e ensaios. Seu romance A Segunda Pátria foi publicado em 2015 pela Intrínseca.

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Comentários

8 Respostas para “Biografia de um livro: os vários começos

  1. Tema atual,pelos acontecimentos que presenciamos mundo afora. Bem interessante poder participar da construção de seu novo romance.Gostei de saber as leituras que você está fazendo, no que se refere a questões históricas!!!! Só no aguardo do romance!!! Bom trabalho!!!

  2. Escrever é sempre um prazer. Imagino o caminho percorrido pelas pesquisas, as noites sem dormir, os momentos de desânimo e o entusiasmo resgatando o tempo. Certamente há de ser um grande romance. Que o processo criativo lhe encante. Sucesso.

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