Os trilhos, os trens e todos nós.

Por Clarice Freire

15 / janeiro / 2015

15.01 - coluna Clarice

Sempre senti um estranho carinho pelos trens. E pelos trilhos dos trens.

Estranho porque eles praticamente fazem parte da minha vida através dos filmes. E de algumas viagens.

A verdade é que não tenho dúvida de que existe algo raro neste meio de transporte. Um quê de magia, de sépia.

Sem falar nos trilhos do trem sem um trem. Estes guardam um ar de espera e perigo.

Quando menina, sempre passava apressada por cima deles e aqueles eram meus pequenos segundos de aventura, afinal, uma Maria-fumaça poderia surgir do nada e em alta velocidade, não me permitindo tempo para escapar. Mas até mesmo aqueles trilhos já não eram passeados há muitos anos e viraram apenas rastros de um passado que nunca vi.

E olhe que a minha avó sempre me mandou andar nos trilhos.

Uma estação de trem é como um aeroporto, só que muito mais charmoso, mais caloroso, mais devagar — como as coisas boas da vida deveriam ser e as duras insistem em se arrastar — e é nelas onde se pode observar os encontros, desencontros e reencontros. Todos carregando uma maleta, ou várias.

Algumas solidões olhando pela janela.

Umas despedidas constrangidas porque foram expostas ao público, tentam parecer comedidas.

Outras menos inibidas se agarram aos prantos.

E algumas se descobrem despedidas apenas na hora em que chegam as suas horas.

Antes, parecia fácil, parecia simples, coisa corriqueira; mas no momento de ir, os pés fincam no chão, as pernas ficam teimosas e a garganta aprende a dar nó de marinheiro. Pronto. Acaba de nascer nova despedida no mundo.

As expectativas que deixam as caras criativas gostam de viajar no corredor.

Os homens graves, as paixonites agudas, os tédios pescando sonolentos;

Todas as promessas de amor e os medos do esquecimento já andaram nos trilhos do trem.

Ah, o medo do esquecimento.

Na maioria das vezes ele é um tanto tolo. O esquecimento é péssimo viajante, só pega carona nos trens mais sucateados e em noites de inverno.

Para o esquecimento: aquecimento. Este pode vir em forma de carta ou outros aparatos tecnológicos, já que estamos no século vinte e um. Tudo bem.

Comprando a passagem, pagamos o preço, a meu ver, das coisas da vida. Para cada reencontro, é preciso nascer uma despedida.

Pensando no calor e nas cores quentes dos reencontros, eu acho que vale a pena.

E a hora de ir fica pequena.

E que bom. Os trilhos dos trens continuam irrigando o chão desse mundo imenso como as veias pelo braço – ou as artérias do coração, pra ser mais intenso -,  levando vida pra lá e pra cá.

Só que…mais pra cá do que pra lá. Por favor?

 

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Clarice Freire nasceu no Recife, em 1988, e desde muito cedo aprendeu a usar as palavras para acalmar suas inquietações. Cresceu admirando os desenhos em lápis de cor da mãe, Lúcia, e os versos do pai, Wilson. Uma noite, ouviu falar que a lua era bela porque, mesmo sendo só areia, deixava refletir a luz de outro, e por isso as noites não são escuras. Daí veio a inspiração para o nome de sua página no Facebook, Pó de Lua, criada em 2011.
Clarice escreve, quinzenalmente, às quintas.

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