“Mas não dá pra ouvir nada aos gritos, menina”, sempre dizia a minha mãe. E olhe que eu nunca fui de gritar em voz alta. Confesso que de alguma maneira me admirava bastante com essa capacidade que sempre tive em manter meus gritos — quase — bem caladinhos. Nem sempre são mantidos assim, claro. Alguns são rebeldes, fujões e espalhafatosos. Mais parecidos com uma outra parte minha, mais escondida, reservada apenas para aquelas companhias de longa data. Aquelas para as quais os nossos gritos mudos ou estridentes não têm a menor diferença. Às vezes me pergunto se elas são surdas ou possuem uma superaudição, essas companhias antigas. Mas não queria falar sobre os gritos, é sobre o silêncio esta coluna.
Você me perdoe, é que quando falo em um, penso de imediato no outro. Como irmãos gêmeos ou um casal inseparável, daqueles grudentos, que às vezes é até constrangedor dividir a mesma mesa do bar porque são quase uma criatura só. Pois. Não importa se são antagônicos ou aparentemente não possuem nada em comum, eles apenas não se separam. É o que penso sobre o grito e o silêncio.
Por estes dias decidi parar tudo, desligar a tomada, ir para um mosteiro e ficar em silêncio.
Estranho. Eu sei. Talvez ainda mais na minha idade, o que é uma pena. Muita gente me olha torto quando conto: “mas você foi fazer o que por lá?”
Nada. Não fui fazer nada.
Absurdo, talvez, porque não fazer nada hoje em dia pressupõe ao menos distrações como um computador, um celular, internet, muita internet e alguns passeios sem compromisso por aí. Sim, isso é bom, essa sou eu, mas queria “não fazer nada” sem distrações por meros e curtos – longos – três dias para, calando a voz de fora, quem sabe, escutar a voz de dentro. E aí é onde moram os gritos que nos ruídos de sempre são inaudíveis. O susto é ver o quanto o silêncio, a princípio, é barulhento. São milhares os meus moradores e eles adoram falar ao mesmo tempo, em voz alta, quase uma família italiana comendo macarrão. Ou a minha mesmo, no Natal.
Persistindo um bocado para não desistir, até entre esses moradores o assunto se acaba e a maioria das falações – se descobre – nem tem tanta importância. Pronto. Os sussurros, mais tímidos, começam desconcertados a soltar algumas palavras murchas. Com mais intimidade, aumentam o tom de voz e é como ouvir a noite, com todos os grilos que cantam despercebidos. E você mesma vira uma nova amiga a ser conhecida. Senta-se a mesa com ela, pede-se o café quente. Olha-se com intimidade (existe coisa mais atraente que olhos se olhando cúmplices?) e delicia-se com as novidades que os sussurros gostam de contar secretos.
Uma observação: não é porque são sussurros que são discretos.
O silêncio até parece gritar alto, mas não dói aos ouvidos.
O que dói, algumas vezes, são as verdades que ele diz. Ah, diz. E não é mesmo fácil, confesso.
Mas não existe nada que rime mais com liberdade
do que verdade.
Isso também é.
Sua coluna está linda clarice!!!
“…E você mesma vira uma nova amiga a ser conhecida…” Quando fico em silêncio, me surpreendo com o que minha voz interior diz .Incrível sua coluna Clarice !