Pedro Gabriel

[Esse tal de Natal…]

23 / dezembro / 2014

foto (2)

Eu sempre odiei o Natal.

Ok, admito, a palavra ódio é forte demais para ser usada em um texto que fale de uma data tão importante na vida de tantas e tantas famílias.

Recomeço.

Eu nunca gostei do Natal.

Melhor?

O Natal, em si, não tem culpa de eu não gostar dele. O fato é que o espírito natalino nunca encarnou no meu corpo. Sem me aprofundar muito em questões psicanalíticas, mas todo ódio nasce de um trauma, todo trauma nasce de uma situação e, no meu caso, toda situação nasce do seguinte:

1988, N´Djamena – capital do Chade, na África. Sala  três, segundo andar do prédio do Liceu Francês. Eu com quatro anos. Quatro anos, cinco meses e 28 dias. Essa precisão de um relógio suíço ao memorizar o tempo não é por acaso, eu contava nos dedinhos os dias que separavam o dia do meu nascimento, 26 de junho, do dia do nascimento do menino Jesus, 24 de dezembro (ou seria dia 25? Nunca sei). Naquela manhã, seria a visita do Papai Noel à escola. As crianças uivavam de alegria. Afinal, todo mundo – fosse um bom menino ou não, tivesse comido os vegetais antes da sobremesa ou não, tivesse escovado os dentes ou não, todos, sem exceção, sairiam dali com um presente. E criança até esquece que vai se tornar adulto quando recebe um presente. Ai, ai, o Futuro é logo ali, moçada. Eu uivava de agonia. Só pensava em colocar a capa invisível do meu herói preferido e sumir até o ano-novo. Apesar do meu cérebro em formação ainda não ter toda a sua capacidade de registrar memórias, lembro claramente daquela cena: um senhor barbudo (quase gritei – vô! Mas ainda sem saber o que era se conter, me contive), vestido de vermelho e arrastando uma imensa sacola cheia de presentes. Isso é tão filosófico. Analisem: aquele senhor tem o poder de carregar nosso presente. Que peso!

Volta a cena:

A professora foi bem clara: “O Papai Noel chamará um por um pelo nomezinho. Quem ouvir o seu nomezinho, se levanta e anda (sobre as águas?) até o Papai Noel para receber uma linda surpresa. Entenderam?”

Margot, sempre corajosa, foi a primeira a encarar o velhinho e saiu toda serelepe com sua boneca de vestido rosa e bolinhas azuis. Maxime, que sempre enterrava os vegetais da sua merenda na areia do pátio na hora do recreio e não era digno de receber a benção do Senhor dos Presentes, foi o próximo a ser chamado. Ao ver seu mais novo caminhão de bombeiros, pulou, mas pulou tanto que , hoje, 16 anos após o ocorrido, aposto que ainda deve sentir nos joelhos as consequências dessa alegria espontânea. Pedro? Pedro? Pedro Antônio? Esse nome não me é estranho. Pedro? Escuto vozes. Pedrinho? Não é possível que eu seja o único Pedro nesse ambiente, Jesus. Pois é, no meio da África não existem mil Pedros. Mil Margôs caíram ao meu lado, dez mil Maximes à minha direita, e eu – droga! – eu fui atingido. Era eu. Era eu. Me levantei em câmera lenta, me arrastei como quem carrega o passado (não o presente, senhor barbudo! Esse fardo é todo seu!), olhei firme nos olhos enrugados daquele homem e abri o berreiro. Chorei tanto que até hoje não sei se aquela mancha na minha bermudinha era um afluente das minhas lágrimas ou da minha urina. As crianças que uivavam, agora riam. Os pais, os meus pelo menos, acharam fofo.

Eu não lembro qual foi o conteúdo daquela caixa toda embrulhada. Será que foi a tão sonhada capa invisível? Isso não importa mais. Minha mãe me falou um montão coisas bonitas. Meu pai me pegou no colo até eu sossegar o pranto. Desse dia, guardei uma coisa: não importa o presente quando se tem alguém para carregar por todo o futuro.

Comentários

5 Respostas para “[Esse tal de Natal…]

  1. Adoro sua frases seus guardanapos seus livros rssss. Também não gosto do Natal, mas diferente de vc não sei qual meu trauma. Só sei q não gosto. Acho uma chatice toda a correria e preparativos. Por mim eu dormiria e só acordaria no ano novo. Bjos

  2. Uaw! Não sou fã do natal, o espírito natalino tbm não encarna em mim, mas não havia ouvido algo tão inteligente e verdadeiro sobre isso até agora! Antonio é o magico das palavras, simplesmente amo!

  3. Verdadeiramente esse é o mago das palavras! Uma delícia ler o que ele escreve e ficamos ávidos para saber como termina e como há tantas palavras rápidas, mágicas e ao mesmo tempo engraçadas na cabeça de uma pessoa. Simplesmente genial. Espero que depois desse trauma infantil e seu desabafo através das palavras você possa realmente ter encontrado uma forma de receber o Papai Noel. Feliz Natal.

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