Crédito: Andress Ribeiro
Curiosamente, tenho visto muitos casamentos. Vejo-os da janela da sala, que dá para um clube. A média é de um casamento a cada quinze dias, ufa! No último sábado, outro casamento chegou até mim ecoando pela noite nublada. Ouvi até mesmo o sermão do padre, sentada no sofá, terminando um livro da Alice Munro. E pensei: Alice Munro é que sabe desta vida! Mas eu, que pouco sei, sei ao menos quanta alegria e quanto sofrimento vêm num casamento ─ como não existe dia sem noite, assim é o amor nas suas rotações.
Fiquei ali no sofá pensando, o livro de Munro de lado por um instante ─ ela mesma, no conto que eu lia, era uma noiva jovem e assustada, prestes a embarcar num casamento que acabou naufragando. Sejamos sinceros, manter uma união é uma tarefa árdua. Muita gente boa desiste no meio do caminho. Manter um casamento, quando ele vale a pena, é um feito lindo. (E quando vale a pena? Quando estar junto em todos os altos e baixos for melhor do que estar sozinho.) É uma aventura transformadora, enlouquecedora e emocionante. Às vezes, é preciso suportar uma ou outra noite de trevas, à espera do sol. Um período nublado pode se prolongar por um longo tempo, e isso exige perseverança ─ casamento é para os perseverantes.
Dito isso, e misturando Alice Munro com Fabricio Carpinejar, uma frase dele me veio à mente, enquanto os noivos se casavam lá no clube. O amor é esperar quando já desistimos. É preciso esperar ─ o casamento é uma eterna gestação do futuro. Tive vontade de correr à janela e me intrometer no sermão do padre: o que um celibatário, afinal de contas, sabe sobre o casamento? Não é uma tarefa para os deuses, só os homens obram essa aventura, só eles, na sua imperfeição, conseguem lidar com a imperfeição do outro.
Voltaria eu no tempo, até aquela noite de setembro, quando era eu a mulher de branco no altar? Por um instante pensei em rebobinar a minha vida inteira, pensei mesmo. Mas depois, muito decidida, emocionada pelos noivos lá embaixo, e por mim, por todos nós, loucos o suficiente para embarcar numa aventura dessas, eu concluí que sim. Casaria de novo com o mesmo homem, do mesmo jeito. Afinal de contas, o que são alguns pratos quebrados, alguns temporais? Só com amor é que esta vida vale a pena. Na contracapa do livro sobre o sofá, tenho certeza de que Alice Munro, a velha dama, sorriu pra mim.
LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.
Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
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