Meu filho come luas.
Explico-me: numa viagem que fizemos, meu menininho provou de uns cereais integrais coloridos em vários formatos, um deles muito parecido com uma minúscula meia-lua amarela. Apaixonou-se com um ardor digno dos seus dois aninhos, o que me obrigou a voltar com várias caixas do dito cereal na mala, e agora ele come luas diariamente. Anda atrás da gente pedindo luas com uma urgência que nos faz rir. De fato, enluarou-se ainda há pouco e agora está saciado, brincando calmamente com seus carrinhos. Olhando-o na sua plenitude, ajoelhado no chão da sala, penso em como é mais bonito enluarar-se do que simplesmente fartar-se de alguma coisa!
Convenhamos: crianças são a coisa mais poética do mundo. Também me inspiro com o pôr do sol, mas crianças são de fato bastante mais animadas, além de imprevisíveis. Ademais, caso a alegria infantil esteja semiescondida por alguma nuvem escura, o mau tempo é sempre passageiro. A gente está lá no maior tédio, olhando os dias como se eles realmente fossem um apanhado de compromissos, faturas, consultas médicas e reuniões, quando de repente surge uma criança e faz baixar a cortina de fumaça que nós adultos estendemos por sobre a nossa vida cotidiana. Você imerso na sua fantasia em preto e branco, e lá vem a criança com um choque de realidade colorida.
Vejo meu pequeno Saturno andante com seu potinho cheio de luas e seu sorriso mais luminoso do que um sol e fico com o peito aquecido pela felicidade. Difícil esquecê-lo e escrever sobre outros assuntos, então aqui estou, rascunhando, sorridente, estas linhazinhas. Terças e quartas-feiras e todo o resto da minha sequência de dias deixam de ser horas disso e daquilo e ganham a verdadeira dimensão da sua grandeza: um milhão de minutos, centenas de horas inteiras para ouvir esse riso borbulhante, beijar esse pescoço perfumado, abraçar esse corpinho inquieto e fazer coro às suas músicas prediletas — enfim, ver a vida desabrochando nele por todos os poros.
Leticia Wierzchowski é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.
Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia!
Maravilho ler este seu texto. Crianças são mais que um presente dos Céus, eles vem para iluminar e mudar a vida de muitos adultos. Atualmente trabalho com crianças e livros, sou “encantador” de histórias numa escola, imagina livros e criança, a combinação perfeita. Mas volta e meia acontece o mesmo que acabou de descrever, chego cheio de preocupações na mente, regrado pelo mundo ai fora, que muitas vezes os pequenos acabam comigo, com o jeito magico deles, que me toca de um modo especial. Foram muitos os momentos, mas teve uma vez que tinha que revolver uns problemas para um evento literário, estava a mil na minha sala, uma turma entrou e eu respondendo um e-mail. Sei que quando vi, tinha uma pequeno de 3 anos ao meu lado, puxando o meu rosto para me forçar a olhar no olhos dele e me disse: “Sor Zéh! Não vai me receber com um abraço?” – Pronto, aquilo acabou com o meu dia, deixando tudo para trás, sem medo nem um e indo aproveitar aquele momento único e especial com as crianças. Onde em meio a risos e abraços ouvimos uma linda história e viajamos entre muitos livros. Fico feliz de mais em ver que consegue permitir ser tocada pelos encanto dos pequenos, pois não é qualquer coração crescido que lembra da antiga infância.