Leticia Wierzchowski apresenta alguns dos personagens de Sal, seu novo romance.
Preto safado. Desde o começo, eu sempre soube. Não queria o Ernest lá. Sempre atrás do Evandro para cima e para baixo, era sim senhor, não senhor, mas ele tinha um jeito de olhar, um jeito! Tinha uns olhos desrespeitosos, escrutinadores, brilhantes. Era como se o Ernest levasse o farol dentro dos olhos!
Depois que o meu filho cresceu, vivia atrás daquele preto. Não sei o que o Ivan via nele. Eu reclamava, mas o marido dizia, Deixa eles. Ernest foi uma má influência para o meu Ivan, foi ele quem meteu na cabeça do menino aquela história de amar a Cecília. Lá na praia, eles falavam por horas e horas. Decerto o Ernest contava histórias de amor pro meu filho, aquelas histórias que ele lia nos livros — porque o Ernest lia, lia muito! Passava pela varanda aos domingos com um livro embaixo do braço, e então me olhava de esguelha, muito metido, muito airoso. Que diacho de homem aquele! E olha que deve ter tido um único par de sapatos na vida, era mais pobre do que Jesus na manjedoura.
Eu sempre detestei o Ernest, sempre. Depois que o Evandro morreu, deixando tudo de pernas pro ar, e o meu filho casou com a Cecília, aquele maldito preto continuou por lá, se espalhando feito água, dando conselhos para o Ivan, emprestando livros para a Cecília. Se eu não tomasse cuidado, o Ernest acabaria sentado à nossa mesa fatiando o pão dos domingos.
E então, quando as coisas pareciam ter chegado ao fundo do poço e a Cecília empinava aquela barriga de grávida pelos corredores de La Duiva, eu fiquei doente, muito doente. Foi praga do Ernest, Deus me valha. Foi praga daquele preto comedor de papel. Mas eu dei um jeito, ah se dei… Eu morri, mas acabei levando o Ernest comigo.
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