Bastidores

Uma pitada sobre Lionel Shriver

16 / julho / 2011

Por Juliana Cirne*

“Invejo você por estar em Paraty!”, disse-me Lionel Shriver na semana passada, quando eu estava na Festa Literária Internacional de Paraty e a contatei por ocasião do lançamento de seu novo livro, Dupla falta. É parte da minha rotina trocar e-mails com os nossos escritores, geralmente sob demanda de entrevistas jornalísticas. Recebê-los também está entre minhas incumbências: quando um deles vem ao Brasil, fica aos meus cuidados — é aí que sabemos com quem realmente estamos lidando. Há surpresas, boas e más. Lionel Shriver foi um presente. Acabamos de publicar seu novo livro; precisamos falar sobre ela.

Ano passado, acompanhei Lionel e o marido, o músico boa-praça Jeff, na FLIP e por alguns dias no Rio. Breve descrição (para lá de conhecida) de seu currículo: escritora norte-americana radicada em Londres, cujo sétimo romance, Precisamos falar sobre o Kevin, valeu a ela o prestigioso prêmio Orange em 2005, é considerada a nova Virgínia Woolf pela crítica literária internacional. Tem 54 anos e desde os 15 deixou de atender pelo delicado nome de Margaret Ann Shriver, registrado pelos pais religiosos. Formada e pós-graduada pela Universidade de Columbia, viveu em Nairóbi, Bangcoc e Belfast, e é colunista do jornal britânico The Guardian.

Imagine a figura: 1,60m de altura, 50kg, loura, olhos verdes e feições finas… Pensou numa pessoa fofa, coberta de joias e toda trabalhada no cor-de-rosa? Errou feio! Seu acessório mais engraçadinho é uma luva preta com setas brancas nos dedos indicadores. Lionel é austera (principalmente consigo) e simples (quase espartana). Nas primeiras horas após conhecê-la, no almoço de boas-vindas à FLIP, ouvi reclamação até sobre o fato de meu telefone não parar de tocar. Pensei que viveria um pesadelo…

Até que nos sentamos para almoçar e, sem exagero, observei-a dissecar, usando apenas o paladar, um bobó de camarão, ingrediente a ingrediente, modo de preparo, tudo. Acontece que Lionel Shriver é cozinheira de forno e fogão! O fato talvez não seja tão novo para quem leu atentamente O mundo pós-aniversário, em que a protagonista, Irina, tem o hábito de cozinhar para o marido. Bem, o livro é ficção, mas muito inspirado na vida da autora. Ela aliás já declarou que escreve para refletir sobre suas questões — Kevin trata de seus fantasmas sobre a maternidade; Dupla falta, de sua imensa competitividade; o próximo, que ainda está escrevendo, reflete sobre a obesidade, problema de saúde que matou seu irmão mais querido no final de 2009.

Reconhecida por desnudar seus personagens diante dos leitores com incursões psicológicas que revelam sentimentos inconfessáveis, Lionel esmiuçou e acertou os ingredientes de todas as comidas brasileiras que provou: bobó, moqueca, pão de queijo, farofa — apelidada carinhosamente de eatable sand. O fascínio da escritora por comida é tamanho que ela carrega o próprio pote de pimenta-calabresa na bolsa! Por isso, presenteamos o casal com comestíveis, desde vários tipos de pimentas (sua fixação) até camarão defumado e muitos sacos de farinha de mandioca, que ela sabiamente deduziu ser a base da nossa alimentação, tal qual o milho é nos Estados Unidos.

Entre um compromisso e outro, conversamos sobre literatura, educação, história e política. Ficamos amigas. Ela me deixou uma lembrança: um pingente de pimenta-malagueta, que ostento orgulhosamente. Dei a ela um livro — nunca vi ninguém tão feliz ao receber de presente um livro de receitas.

 

* Gerente de Comunicação da Intrínseca.

Comentários

10 Respostas para “Uma pitada sobre Lionel Shriver

  1. Eu simplesmente adoro essa autora, o primeiro livro que li foi “Precisamos falar sobre o Kevin” e pra mim foi uma surpresa maravilhosa. Me entreguei por completo a essa história, e hoje sou fã dessa autora. Meus parabéns por chegar tão pertinho dela, fico contente por você! Espero um dia ter a mesma chance. =)

    Beijinhos e ótima matéria!

    Priscilla Paiva

  2. Vou ler Precisamos falar sobre o Kevin.

  3. Precisava comentar aqui o quanto gostei dessa matéria, Juliana. Vi há pouco tempo no site do The Guardian, senão me engano, uma foto de Lionel na cozinha, com vários temperos atrás dela e todas aquelas especiarias picantes que nós, pessoas de bom garfo, gostamos tanto. Também quero um pingente de pimenta-malagueta, preciso ficar amigo dela. haha 🙂

    Lionel parece realmente extraordinária, espero que a Intrínseca lance toda a sua obra no Brasil. “Dupla Falta” está aqui nas minhas mãos, será um prazer quase gastronômico resenhá-lo.

    Um abraço!

  4. Olá,
    Dizer que gostei muito, muito, mesmo, dos livros que já li — Precisamos Falar Sobre o Kevin e O mundo pós aniversario — é pouco. Já comprei Dupla Falta e aproveito para pedir encarecidamente que traduzam e publiquem os demais livros de Lionel, com certeza serei a primeira a adquiri-los.
    Obrigada! Estou esperando aqui no Rio Grande do Sul!

  5. Sou leitora ávida de todos os livros lançados por essa autora brilhante. Já estou devorando Tempo é Dinheiro. Muito bom, como sempre.

  6. Gosto muito dessa autora, seu estilo, sua precisão avaliativa – e vemos isso nos seus livros. Enfim, uma pessoa genial.

  7. Essa escritora é fantástica! Espero que a intrínseca tenha mais projeto dela para ser lançado! Fico na torcida!

  8. Coloco Lionel Shriver como uma das maiores autores nos dias de hoje ao lado de Khaled Hosseini e Xinran.

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