Operação Impensável

Vanessa Barbara

Operação Impensável foi o nome de um plano de ataque à União Soviética liderado pelo então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, logo após a Segunda Guerra Mundial. Segundo a historiadora Lia, essa foi a manobra que deu início à Guerra Fria, conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética que durou 45 anos. Operação Impensável é também um plano de Lia para descobrir definitivamente o que há de errado em seu casamento com Tito. Para ela, o conflito dura 43 dias angustiantes.

Durante cinco anos, o casal viveu o que parecia ser uma história de amor, pontuada por e-mails espirituosos, muitos filmes comentados a dois e inúmeras partidas de jogos de tabuleiro. Mas aos poucos a paz conjugal é substituída por um clima de tensão em que as relações de poder são permeadas de ameaças implícitas. Como na Guerra Fria, não há um confronto bélico declarado. Algo parece prestes a explodir. E, no caso de Lia e Tito, a explosão realmente acontece.

Vanessa Barbara nasceu em São Paulo em 1982, é jornalista e escritora, colunista dos jornais The International New York Times e O Estado de S. Paulo. Traduzida para seis idiomas, recebeu o Prêmio Jabuti de Reportagem em 2009 e foi escolhida pela revista Granta como um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros. Operação Impensável é seu sexto livro.

Programação

“Hoje compramos um sofá novo e começamos a redigir um guia de filmes chamado O grande livro do cinema, que se presta a registrar nossas longas incursões cinematográficas por todos os gêneros do cinema mundial. A lista conta com a data da sessão, uma ficha técnica e rigorosa sinopse das obras citadas, além de observações como: ‘Esta data marca a primeira demonstração de descaso com o aparelho novo de DVD’ ou ‘A primeira queda do controle remoto’, assinalando exatamente de quem foi a culpa. É claro que aproveitamos para nos provocar, dando a entender que alguém ali não captou o filme, errou a identidade do assassino ou roncou no meio da projeção.

O grande livro do cinema notabilizou‑se por sua irrelevância ímpar, sendo para muitos críticos um verdadeiro compêndio de eventos despidos de interesse histórico, foco, congruência, graça — em suma, um documento digno de ser compartilhado.

6 de abril de 2007

Guerra e paz II

(Vo yna i Mir II: Na Polina Rostova, 1966, Sergei Bondarchuk)

Demonstra a força do personagem Pierre como mola mestra da trama, o bonacho mais amado do cinema russo. Moral: nunca peça um galo para depois negá‑lo.

Seu casamento pode virar canja. Épico vermelho!

16 de abril de 2007

A batalha do Chile II: o golpe militar

(La Batalla de Chile: la lucha de un pueblo sin armas — Segunda parte: el golpe de estado, 1977, Patricio Guzmán)

O Tito quis pegar em armas durante a sessão. Já a Lia, adepta de soluções pacíficas, tentou parar o vídeo e evitar a “assunção” do general Pinochet. O ovo cozido, entretanto, foi covardemente comido. Um dos destaques deste documentário são as suíças dos revolucionários e os bigodes dos democrata‑cristãos. Durante esta sessão, nasceu a metralhadora de pernas.

18 de junho de 2007

Cidade dos sonhos

(Mulholland Drive, 2001, David Lynch)

Onde está a tia Ruth? O que é dito no clube Silencio? Qual é o nome do filme de Adam Kesher? A resposta para essas questões não faz a menor diferença para a compreensão do filme, que foi escrito e dirigido por David Lynch sob o efeito de cogumelos. Naomi Watts é Laura Harring, que por sua vez age como Adam Kesher e compra um chapéu de caubói. Aliás, o caubói não tem sobrancelhas. Preste atenção. Isso pode ou não se tornar relevante para o espectador. Os amantes de lustres vermelhos irão se rejubilar com o filme. Após a sessão, a plateia foi ler spoilers e xingar a moral proba e ilibada da sra. Lynch.

22 de junho de 2007

O homem duplo

(A Scanner Darkly, 2006, Richard Linklater)

Um livro de Philip K. Dick adaptado para a rotoscopia digital (animação sobre filme) com Rory Cochrane totalmente paranoico e Keanu Reeves investigando a si mesmo. Enfim, um grande filme. Todos os personagens são viciados em uma droga esquisita e há uma roupa de múltiplas identidades que transforma Reeves em negro, anão e velhinha. O Tito assistiu ao filme dezessete vezes e teve que deixar os sapatos na videolocadora por ter permanecido com a fita por exatos três meses.

28 de junho de 2008

Godzilla: batalha final

(Gojira: Fainaru Uôzu, 2004, Ryuhei Kitamura)

Mais um filme que faz o espectador refletir. No caso: o que fiz para merecer isso? Por que continuo assistindo? Qual o sentido do sofrimento? Um deus benevolente permitiria tamanha atrocidade?

A primeira hora de filme é suportável em um dia especialmente tolerante. Depois, só miséria e dor. Não sabemos explicar por que continuamos acompanhando esta obra-prima do horror, mas os vinte minutos finais (ou quarenta? ou dois dias?) foram abreviados pelo controle remoto — mesmo assim, o Tito se emocionou com o abraço entre o monstrinho e o papai Zilla.

Destaque especial para o poderoso Stálin japonês que, cofiando seus bigodes rigorosamente soviéticos, derrotou monstros voadores e terrestres, embora tenha permitido que o roteirista fugisse com vida, enquanto as demais criaturas oriundas dos experimentos da Segunda Guerra o perseguiam pelas supracitadas atrocidades cometidas contra o espectador e o contribuinte.

Março de 2009

Testemunha de acusação

(Witness for the Prosecution, 1957, Billy Wilder)

De início, a Lia declarou culpado o ajudante do advogado principal, depois desviou as suspeitas para um transeunte que notou aos 24’44”, então aderiu à teoria da prima — lamentavelmente apresentada pelo Tito, que sempre bota a culpa nos parentes distantes do protagonista —, até que por fim adivinhou a identidade do assassino.

Pena que era do assassino do filme ao lado.

15 de maio de 2009

Filhos da esperança

(Children of Men, 2006, Alfonso Cuarón)

Tema: infertilidade.

Trata‑se de um filme leve, do mesmo diretor de Ursinhos carinhosos e Adoradores do demônio. Michael Caine faz um papel 50% Morgan Freeman branco, 50% John Lennon. A Lia ficou triste quando mataram o Caine. E agora, quem vai dar comida para a mulher dele?

A referida historiadora consumiu todo o estoque de Chamette de morango (nove potes) e mais dois litros de leite com biscoitos. É uma arma de destruição em massa. (Ela come para esquecer as agruras da vida.).

22 de abril de 2011, sexta‑feira

Inferno nº 17

(Stalag 17, 1953, Billy Wilder)

Prisioneiro recebe uma carta da mulher.

“Eu acredito, eu acredito! Minha esposa disse: ‘Querido, você não vai acreditar, mas encontrei um lindo bebê na nossa porta e resolvi que será nosso filho. Agora você não vai acreditar, mas ele tem os meus olhos e o meu nariz.’ Por que ela fica repetindo que eu não vou acreditar? Eu acredito! Eu acredito. [Pausa] Eu acredito.”