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A batalha entre Davi e Golias

8 / março / 2016

Senadora democrata por Massachusetts, Elizabeth Warren mescla em livro dilemas da vida pessoal à emaranhada batalha que decidiu travar contra Wall Street por uma Lei de Falências justa

Por Marsílea Gombata*

A senadora americana Elizabeth Warren

A senadora americana Elizabeth Warren (Fonte: Vogue)

A falência pessoal não é fruto do fracasso de um indivíduo, mas culpa de um sistema que se aproveita da ignorância e da dificuldade de muitas pessoas. Agentes de uma das crises financeiras mundiais mais catastróficas da história, os bancos foram em 2008 os grandes vilões, responsáveis — somente nos Estados Unidos — por mais de cinco milhões de americanos terem perdido suas casas, nove milhões terem ficado sem emprego e quase 13 trilhões de dólares de economias familiares terem ido para o ralo.

chancedelutargrandeÉ à luta contra esse monstro encarnado nas grandes instituições financeiras que a senadora americana Elizabeth Warren dedicou mais de vinte anos de sua vida. Antes mesmo de os jovens ouvirem Bernie Sanders vociferar contra Wall Street nas primárias da eleição americana, Elizabeth já empunhava a bandeira contra privilégios que as organizações financeiras mantêm sobre os cidadãos comuns. Apesar de não ser candidata à corrida democrata para disputar a Casa Branca neste ano, Elizabeth, há quem diga, tem influenciado o pensamento e o discurso de Hillary Clinton, que dentro do Partido Democrata dispõe de mais recursos.

Especialista na Lei de Falências americana, Elizabeth se projetou nos círculos acadêmico e político comprovando através de pesquisas qualitativas e outros dados que a falência não é fruto exclusivamente das escolhas erradas daqueles que estão endividados, mas também é culpa dos abusos cometidos pelas instituições financeiras. Sua trajetória pode ser encarada por muitos como uma verdadeira ousadia: na terra do capitalismo selvagem, a luta de um indivíduo contra todo o sistema, ou a batalha entre Davi e Golias — imagem que ela própria gosta de resgatar ao dimensionar a “encrenca” na qual resolveu se meter desde os tempos em que dava aulas de direito na Universidade do Texas.

De lá para cá, o envolvimento com a situação dos endividados só cresceu: além de atuar como professora entusiasmada em ensinar a questão da falência, ela passou a integrar o grupo de trabalho responsável por supervisionar as atividades do Congresso na área, o Congressional Oversight Panel (COP, ironicamente a mesma palavra usada para se referir a “policial” em inglês). Depois, tornou-se professora em Harvard e foi chamada pela Casa Branca para atuar como consultora do Congresso e assistente do presidente Barack Obama na implantação da Agência de Proteção Financeira ao Consumidor, órgão com autoridade e poder para garantir que regulamentações de proteção ao consumidor fossem elaboradas de maneira justa e fiscalizadas com rigor. Em 2012, aos 62 anos, elegeu-se senadora pelo estado de Massachusetts.

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Em seu Uma chance de lutar, a senadora mescla vida pessoal (com direito a trechos detalhados sobre, por exemplo, o ataque cardíaco que fez com que seu pai descesse na hierarquia da empresa em que trabalhava e levou a família à derrocada econômica) com trajetória profissional para dar corpo a uma obra na qual se retrata como a perfeita realização do sonho americano: filha de um zelador e uma dona de casa que se viu obrigada a trabalhar fora como telefonista, Elizabeth venceu as limitações financeiras da família e desafiou padrões de uma época em que o principal objetivo da maioria das mulheres era conseguir um bom casamento. “Eu queria ser uma boa esposa e uma boa mãe, mas também desejava fazer algo mais. Sentia-me profundamente envergonhada por não querer ficar em casa o dia inteiro com minha alegre e adorável filha”, conta no livro.

É, portanto, ao fazer um retrospecto do passado meritocrático, mas também de uma vida virtuosa embalada por um tipo de proteção social que o Estado americano se preocupava em ofertar outrora, que Elizabeth é taxativa: “Hoje o jogo está viciado — viciado para beneficiar quem tem dinheiro e poder. Grandes empresas contratam exércitos de lobistas para obter brechas de bilhões de dólares no sistema fiscal e convencer seus amigos no Congresso a apoiar leis que mantenham o jogo vantajoso para elas”, alerta. “A classe média americana está sob ataque. E, o que é pior, não está sendo atacada por uma força incontrolável da natureza. Ela se encontra em apuros porque o jogo está sendo deliberadamente fraudado.”

A grande briga da senadora democrata, no entanto, não é apenas contra os bancos, mas contra o fato de eles terem carta branca para destruir a vida de milhões de cidadãos ao destilar fraudes e mentiras (vide os títulos podres na crise das hipotecas subprime) e levar o país e boa parte do mundo para o buraco. A guerra pelo retorno a um contexto no qual os banqueiros passavam por muitas salvaguardas para que não emprestassem dinheiro a quem não pudesse devolver, dinâmica que ficou em vigor até o fim dos anos 1980, quando a usura e a falta de regulamentação voltaram a imperar, levando instituições a terem como público-alvo indivíduos que mal se sustentavam. Essa situação já pavimentava a crise de 2008, quando milhares de americanos se afundaram em financiamentos de hipotecas de alto risco, o que culminou no estouro da bolha imobiliária.

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Recentemente, em discurso no Senado em 21 de janeiro, Elizabeth Warren fez um apelo pela erradicação da influência do dinheiro na política. “Temos um problema: o dinheiro. O dinheiro inunda o nosso sistema político, o dinheiro que permite que um punhado de bilionários decida quem entra no Congresso, e talvez decida quem se senta na Casa Branca”, afirmou ao acusar o Congresso de favorecer os bilionários em vez de escutar as necessidades do povo americano. Em 29 de janeiro, voltou a polemizar ao publicar um artigo no The New York Times no qual lembrava falhas do governo federal, como a falta de punição adequada a grandes corporações e executivos quando infringem a lei: “Justiça não pode significar uma sentença de prisão para um adolescente que rouba um carro e simplesmente nada para um CEO que na surdina arquiteta o roubo de bilhões de dólares.”

O recado de Elizabeth é claro e parece fazer eco em uma das atuais bandeiras da legenda democrata. Além de Sanders, que fala em quebrar os grandes bancos, Hillary também quer maior controle sobre as grandes instituições financeiras.  “Meu plano propõe uma legislação que imponha uma nova taxa de risco em dezenas dos maiores bancos — aqueles com mais de 50 bilhões de dólares em ativos — e outras instituições financeiras sistemicamente importantes para desencorajar o tipo de comportamento perigoso que poderia induzir a uma nova crise”, escreveu em dezembro no The New York Times.

O artigo lhe rendeu o apoio de Elizabeth, que, no Facebook, disse concordar com o seu plano. O objetivo, afinal, parece retomar aquilo que norteia a senadora e é exposto em Uma chance de lutar: “Nós, o povo, precisamos de um governo que trabalhe para as pessoas. Não estou falando da diferença entre um governo centralizador, intervencionista, e outro liberal, pouco regulador. Estou falando da diferença entre um governo que só trabalhe para os ricos e poderosos e outro que trabalhe para todos.”

 

*Marsílea Gombata é jornalista e doutoranda em ciências políticas na USP, onde estuda política social como instrumento de política externa na América Latina. Foi chefe de reportagem no jornal O Estado de S. Paulo e editora no Jornal do Brasil. Atualmente edita o Carta Educação, site de CartaCapital dirigido a educadores, estudantes e interessados no tema.


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