Entrevistas

Cozinhar é o que nos torna humanos

19 / fevereiro / 2016

michael-pollan

Do costume de uma tribo australiana de cozinhar lagartos direto no fogo ao tradicional churrasco de porco inteiro no Sul dos Estados Unidos, Michael Pollan busca em Cozinhar a essência de nossa identidade como seres humanos. Baseada no livro homônimo, a série documental Cooked estreia mundialmente hoje na Netflix.

Dividida em quatro episódios focados nos elementos primordiais — fogo, água, terra e ar —, a produção introduz alguns dos princípios defendidos pelo celebrado jornalista, autor de obras de referência como O dilema do onívoro e Em defesa da comida. Para ele, retornar à cozinha é hoje um ato político um protesto contra uma economia de consumo altamente especializada e alienante e uma das atividades mais recompensadoras e prazerosas que podemos exercer.

cozinhar211x319Pollan reforça que a ascensão do fast-food e o declínio da comida caseira causam impactos que vão além dos males à nossa saúde. Porque cozinhar é o que nos torna humanos, tanto cultural como biologicamente: ao passar a ingerir alimentos cozidos, o Homo erectus mudou o destino da nossa espécie. Enquanto primatas dispõem de sistemas digestivos enormes e passam até metade do tempo acordados mastigando alimentos crus, especialistas defendem que a nova dieta (com maior densidade energética e de mais fácil digestão) fez com que nossos cérebros aumentassem de tamanho e nossos intestinos encolhessem — além de nos propiciar muitas horas livres para atividades mais interessantes do que mastigar.

“Cozinhar é uma atividade primordial, profundamente enraizada em nossa mente”, defende o autor em entrevista ao blog da Intrínseca, e essa prática faz parte hoje de um intrigante paradoxo. Passamos cada vez menos tempo preparando nossa comida e mais tempo assistindo a programas de culinária na televisão o tempo médio gasto com o preparo das refeições nos Estados Unidos é de 27 minutos por dia, muito menos do que o necessário para assistir a um único episódio da franquia MasterChef.

Na entrevista a seguir, Michael Pollan reflete sobre nosso fascínio por programas de culinária na TV, o processo de adaptação de seu livro e como, ao deixarmos de cozinhar, perdemos a conexão com o mundo e com o que faz de nós humanos.

 

Como o ato de cozinhar pode ser um convite para repensar nosso papel em uma economia de consumo altamente especializada, dependente e alienante?
Michael Pollan: Numa época em que o mercado quer que você apenas consuma passivamente a comida preparada pela indústria, cozinhar é um ato político porque torna-se uma espécie de protesto, uma afirmação da sua identidade como produtor e não mero consumidor. Quando cozinhamos, defendemos nossas cozinhas e nossos jantares em família dos esforços da indústria em comercializá-los.

Como foi o processo de adaptação do livro para uma série de TV?
MP: É sempre fascinante observar o processo de adaptação de um livro, já que o que funciona em um meio nem sempre funciona em outro. Enquanto o livro enfatiza informações de caráter histórico, científico e antropológico, a série destaca personagens, locais e histórias. Também queríamos realçar na série o fato de que cozinhar faz parte de uma história universal, global. Assim, cada episódio dedica tempo considerável a outros países: Austrália, Índia, Marrocos e Peru. Cozinhar diz respeito a nossa humanidade, e, embora cozinhemos de maneiras diferentes em lugares diferentes, certos elementos nunca mudam — incluindo o uso do fogo, da água, do ar e da terra (com os micróbios) para transformar a matéria natural em cultura.

Quais são as novidades que os leitores encontrarão na série em relação ao livro?
MP: Para quem leu o livro, a série oferece uma perspectiva mais global e apresenta algumas práticas culinárias surpreendentes, como mulheres que mastigam raízes ricas em amido para produzir cerveja com a própria saliva, uma tribo de caçadores que cozinha lagartos diretamente sobre o fogo e famílias marroquinas que fazem pão todos os dias assando a massa em um forno comunitário.

Em Cozinhar você ressalta o Paradoxo do Cozinhar: passamos cada vez menos tempo preparando nossas refeições e mais tempo assistindo a programas de culinária na TV. Como você explicaria nosso fascínio em ver outras pessoas cozinhando fora de nossas casas, na TV?
MP: Acredito que somos atraídos por imagens e histórias envolvendo culinária, quer na TV ou em outros lugares, porque cozinhar é uma atividade primordial, profundamente enraizada em nossa mente. Quando assistimos a outra pessoa cozinhando, antecipamos o prazer de comer e trazemos à memória nossos familiares preparando alimentos para nós. Cozinhar é a essência de nossa identidade como seres humanos, então não é de se admirar que sejamos sempre atraídos para as chamas de um fogão, não importa onde ele esteja — mesmo na TV!

Leia um trecho de Cozinhar: uma história nacional da transformação

Comentários

4 Respostas para “Cozinhar é o que nos torna humanos

  1. Realmente cozinhar, é fantástico, muito melhor q assistir alguém cozinhando…?

  2. Cozinhar com amor é o q nos torná tbm mais humanos

  3. Cozinhar revigora a alma e as raízes humanas

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