testeA vida não é filme

Por Elisa Menezes*


Devemos tomar o cuidado de não julgar nossos relacionamentos pelas expectativas que nos foram impostas por um veículo estético que costuma estar equivocado. A culpa é da arte, e não da vida.

Essa é uma das ideias centrais do novo livro do escritor e filósofo Alain de Botton. Em O curso do amor, ele é o primeiro a reconhecer que não se trata de tarefa fácil, dado o bombardeio romântico a que somos submetidos há gerações. Não são poucas as histórias que terminam com a celebração de um casamento, seja nos contos de fada — “e viveram felizes para sempre” —, seja nas novelas da TV. É como se a humanidade inteira fosse embalada por Fábio Jr., que dia após dia repete em nossos ouvidos: “Carne e unha, alma gêmea, bate coração. As metades da laranja, dois amantes, dois irmãos. Duas forças que se atraem, sonho lindo de viver.”

Para dar conta da complexidade do relacionamento amoroso, Botton faz uso da mesma arma com que Shakespeare disseminou o ideal do amor romântico: a ficção. Romeu e Julieta saem de cena e entram Rabih e Kirsten. A tragédia dos jovens amantes que pertencem a famílias inimigas dá lugar aos desafios da convivência cotidiana entre duas pessoas que decidiram viver juntas a grande, difícil, surpreendente, tediosa e por vezes insana experiência do casamento.

Um casamento não começa com o pedido, nem no primeiro encontro. Começa muito antes, com o nascimento da ideia de amor, e, sendo mais exato, com o sonho de uma alma gêmea.

É por isso que o autor inicia sua história com a primeira paixão de Rabih, aos 15 anos, aquela que moldará sua compreensão do amor por décadas. O sentimento não revelado (nem correspondido), alimentado por poucos elementos concretos e muita idealização, deixará uma marca permanente em Rabih, que “continuará acreditando na possibilidade de dois seres humanos se entenderem e sentirem empatia de forma rápida e incondicional, e na chance de um fim definitivo para a solidão”.

Como nem toda produção artística é romântica, vale lembrar que nos anos 1980 os Paralamas do Sucesso já alertavam, em vão: “A vida não é filme, você não entendeu, de todos os seus sonhos não sobrou nenhum. Ninguém foi ao seu quarto quando escureceu, e só você não viu, não era filme algum.”

É justamente aquilo que costuma ficar de fora dos filmes — e que constitui a essência do casamento — que Botton está interessado em mostrar. Trata-se da versão estendida da história de Rabih e Kirsten, na qual assistimos a expectativas e desentendimentos, fantasias e frustrações, solidão e companheirismo, infantilidade e amadurecimento.

São os episódios mais corriqueiros que geram identificação imediata, como o sentimento de injustiça diante da divisão de tarefas domésticas e a mágoa acumulada pelo cônjuge não ser capaz de ler todos os nossos sinais (para nós, evidentes; para eles, dúbios). Compartilhamos as angústias do casal fictício, pois são universais.

Ao esmiuçar o casamento de Rabih e Kirsten, Botton demonstra como as experiências pessoais, a infância e a relação com os pais estão na essência de muitas atitudes que tomamos em nossos relacionamentos amorosos. Transferimos aos parceiros as expectativas que tínhamos em relação aos nossos progenitores, aqueles seres que por anos se dedicaram a cuidar, limpar, alimentar, ensinar e (tentar) compreender cada desejo dos filhos. “Aceitar os riscos dessa transferência”, diz Botton, “significa dar prioridade à empatia e à compreensão em detrimento da irritação e do julgamento”. E completa: “Duas pessoas podem vir a entender que os súbitos acessos de ansiedade ou hostilidade podem nem sempre ter sido causados diretamente por elas — e, portanto, nem sempre deveriam suscitar fúria ou orgulho ferido.”

O autor entremeia a história do casal com comentários e reflexões — como os trechos em itálico deste texto e as aspas do parágrafo anterior — pautados na psicologia, na filosofia e na história, criando assim uma narrativa que mescla ensaio e ficção.

O nascimento dos filhos é terreno fértil para o surgimento de novos desafios, e é alvo também da franqueza certeira de Botton, que aponta os sentimentos ambíguos que podemos nutrir em relação àqueles que mais amamos. “Tudo é incrível — da primeira vez”, diz o autor, referindo-se ao deleite do casal diante da novidade de cada ínfima ação de seus filhos, como engolir um pedaço de banana ou segurar um copo. “Nem Kirsten nem Rabih jamais conheceram essa mistura de amor e tédio”, conclui.

A chegada das crianças não apenas modifica a dinâmica do casal como impõe a Kirsten e Rabih papéis até então desconhecidos: mãe e pai. Naturalmente, a intimidade entre os dois é afetada, o desejo muitas vezes fica soterrado pelas novas responsabilidades; a culpa passa a ser uma espécie de bumerangue que marido e mulher jogam um para o outro. Novamente, a crença no amor incondicional nos leva a ter os piores tipos de comportamento justamente com quem amamos.

O nível de exigência que infligimos ao parceiro e a busca fantasiosa por um casamento perfeito — em vez de satisfatório — são mais uma cortesia do ideal do amor romântico. E não adianta pensar que o problema está no outro: a perfeição simplesmente não existe, é difícil que uma paixão resista ao cotidiano de louça suja, estresse no trabalho ou aperto financeiro. Mesmo a pessoa mais interessante, autêntica, compreensiva e gentil é incapaz de passar no teste da vida a dois sem revelar manias irritantes, fetiches esquisitos ou falhas de caráter. Já dizia Caetano Veloso: “De perto, ninguém é normal.”

Mais do que somente narrar os altos e baixos de uma relação, O curso do amor oferece um olhar empático a cada um dos cônjuges. Ao investigar as motivações, anseios e inseguranças por trás de atitudes que soam incompreensíveis no dia a dia, o autor nos convida a refletir e a perdoar — a nós mesmos e ao outro. Apesar de todos os efeitos físicos e emocionais que provoca, o amor, afinal, não é mágica, e sim mais uma habilidade que podemos (e devemos) desenvolver. Ao final, Kirsten e Rabih aprendem a apreciar as pequenas doses de felicidade e sentem que juntos são muito mais fortes e capazes de enfrentar qualquer desafio.

 

Elisa Menezes é jornalista, editora e curadora do Garimpo Clube do Livro.

testeAmigos, amigos, livros à parte

Por Nina Lopes*

Duas mulheres fortes, inteligentes, bem-sucedidas, felizes no casamento, amigas e confidentes a vida inteira. Nada como ter uma melhor amiga, certo? Errado. A amizade de Erika e Clementine não passa de uma ilusão. As duas não poderiam ser mais diferentes: uma é obsessivo-compulsiva, certinha e organizada. A outra é mãe de duas meninas, destemida e bagunceira.

Ainda na infância, a mãe de Clementine (uma pessoa que acredita piamente na importância de atos de bondade, afinal não poderíamos esperar coisa diferente de uma assistente social) incentiva a filha a fazer amizade com a menininha esquisita da escola, a que brincava sozinha com formigas no pátio, tinha cabelo oleoso e picadas de pulga na pele. Traduzindo: o fim da sua reputação escolar. E essa linda (só que não) amizade continua firme com o passar dos anos, até quando as duas já estão adultas e construindo a própria família.

Por falar em família, Clementine é mãe de duas meninas fofas, mas Erika não tem filhos. Na verdade, sempre disse que não queria ser mãe. Até que tudo mudou. Depois de passar por onze tentativas fracassadas de fertilização in vitro, sua única chance é encontrar uma doadora de óvulos. E nada mais óbvio do que pedir isso à sua melhor amiga da vida toda, certo? Opa, espera aí, amizades de fachada são fortes o suficiente para não se abalarem com um pedido polêmico desses? Com os ânimos alterados, um acidente acontece nesse mesmo dia, e a culpa de Clementine pode influenciar sua decisão e seu futuro.

Esse é o mote para Até que a culpa nos separe, novo livro de Liane Moriarty, autora do maravilhoso Pequenas grandes mentiras, que virou série na HBO com ninguém menos que Nicole Kidman e Reese Witherspoon. Nicole e Reese, ou melhor, Celeste e Madeline também são melhores amigas (mas juro que essa é uma amizade genuína). Inclusive, elas abraçam Jane, uma jovem mãe que chega sem conhecer ninguém na cidade e precisa lidar com a acusação de que seu filho está praticando bullying na escola. Juntas, elas ficam mais fortes para enfrentar escândalos familiares e a crescente tensão entre o grupo de mães do colégio. Esse clima pesado acaba causando a morte misteriosa e contraditória de um dos personagens principais. Afinal, as três amigas foram as responsáveis ou as vítimas?

Sentindo-se culpadas pelo desfecho trágico, descobrimos que mesmo sendo tão próximas, elas nem sempre foram totalmente sinceras e preferem contar pequenas mentiras em vez de encarar de frente as dolorosas verdades que cada uma carrega.

Olha aí a semelhança entre as amizades a princípio tão diferentes dos dois livros de Liane Moriarty!

Amigas por afinidade ou por comodidade, as mulheres, em geral, têm dificuldade de expor suas dores e alegrias, mas sempre se apoiam quando a situação complica e descobrem que juntas fica mais fácil enfrentar qualquer embate.

Relacionamentos fortes ou frágeis, duradouros ou recentes, de fachada ou genuínos: existem vários tipos de amizade e todos ajudam a colorir nossa vida de uma maneira única. Como diz a própria autora, amizades podem durar a vida inteira. As estatísticas são melhores do que para relacionamentos amorosos. Antes de um amor, tenha um amigo. Vale o investimento.

*Nina Lopes é editora assistente no setor de ficção da Editora Intrínseca e é dessas que se apaixonam pelos personagens dos livros que lê.

testeLançamentos de Setembro

Confira as sinopses dos lançamentos do mês:

Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano, de John Douglas e Mark OlshakerDurante as mais de duas décadas em que atuou no FBI, o agente especial John Douglas tornou-se uma figura lendária. Em uma época em que a expressão “serial killer” nem existia, ele foi um oficial exemplar na aplicação da lei e na perseguição aos mais conhecidos e sádicos homicidas de nosso tempo. Douglas confrontou, entrevistou e estudou dezenas de serial killers e assassinos, incluindo Charles Manson, Ted Bundy e Ed Gein. Com a força de um thriller, ainda que terrivelmente verdadeiro, o livro é um fascinante relato da vida de um agente especial do FBI e da mente dos mais perturbados assassinos em série que ele perseguiu. A história de Douglas serviu de inspiração para a série homônima da Netflix, que conta com a direção de David Fincher (Garota Exemplar e Clube da Luta) e Jonathan Groff, Holt McCallany e Anna Torv. [Leia +]

Box da trilogia Para todos os garotos que já amei, de Jenny HanPara todos os garotos que já ameiP.S.: Ainda amo você e Agora e para sempre, Lara Jean são os três volumes de uma trilogia apaixonante que acompanha os altos e baixos da vida de Lara Jean Song, uma menina descendente de coreanos que guarda suas cartas de amor em uma caixa de chapéu que ganhou da mãe. [Leia +]

Os piores pirralhos do mundo, de David Walliams Nestas dez histórias tão divertidas quanto horripilantes, tão criativas quanto nojentas, David Walliams faz os pequenos leitores morrerem de rir com os pirralhos mais malcriados, mais bagunceiros e mais adoráveis do mundo. [Leia +]

O ego é seu inimigo: como dominar seu pior adversário, de Ryan Holiday — Ele arruinou a carreira de gênios promissores. Mandou pelos ares grandes fortunas e destruiu empresas. Tornou as adversidades insuportáveis e transformou esforço em vergonha. Seu nome? Ego. Em O ego é seu inimigo, Ryan Holiday apresenta exemplos reais e inspiradores de pessoas comuns que dominaram o ego, chegaram aos mais altos níveis de poder e sucesso e se tornaram lendas — não pela fama, mas pelo trabalho e legado. 

A vida que enterramos, de Allen EskensA única coisa que Joe Talbert deseja é terminar o trabalho da faculdade: entrevistar um estranho e escrever uma breve biografia. Com os prazos se aproximando, o garoto decide ir a um asilo para encontrar o tão desejado objeto de trabalho. Lá ele conhece Carl Iverson e logo a vida de Joe vai ter mudado para sempre.

A casa das marés, de Jojo Moyes Uma história que atravessa décadas e gerações para mostrar que nunca é tarde demais para nos descobrirmos e corrermos atrás dos nossos sonhos. Repleto de encontros emocionantes e segredos revelados, A casa das marés é uma leitura deliciosa e romântica que explora as dinâmicas familiares, antigos amores e traições. [Leia +]

Frantumaglia: os caminhos de uma escritora, de Elena Ferrante Cartas, bilhetes, entrevistas, ensaios e trechos não publicados compõem um autorretrato vibrante e íntimo de uma escritora que personifica a paixão pela literatura. Em páginas reveladoras, Frantumaglia traça, de maneira inédita, os vívidos caminhos percorridos por Elena Ferrante na construção de sua força narrativa. [Leia +]

Por uma Europa democrática, de Stéphanie Hennette, Thomas Piketty, Guillaume Sacriste e Antoine Vauchez — Proeminentes acadêmicos propõem um contundente tratado em defesa da real democratização da Europa. Uma obra que extrapola o projeto europeu e apresenta, de modo promissor, uma nova direção para as políticas democráticas mundiais. 

testeO que esperamos de Tartarugas até lá embaixo?

Por Iris Figueiredo*

Foto: Ana Franco

John Green é um dos meus autores favoritos, não apenas pelo jeito que escreve, mas pelo que transmite. Há pouco mais de dois anos, eu me desmontei em lágrimas quando tive a chance de conhecê-lo pessoalmente e dizer um pouquinho do que ele representava para mim. É muito louco (e bom!) o quanto livros conectam pessoas. As histórias do John não me apresentaram apenas personagens incríveis como também me deram amigos, parte de uma comunidade maravilhosa construída através do trabalho criativo dos irmãos Green.

John (sou íntima, ele me pediu um abraço!) vai publicar seu novo livro no dia 10 de outubro — que terá lançamento simultâneo no Brasil. Minhas expectativas para Tartarugas até lá embaixo são muito altas, não apenas porque é o primeiro livro dele depois do best-seller A culpa é das estrelas, que o elevou a um novo patamar de reconhecimento, mas também porque dessa vez ele conta uma história bem mais pessoal.

Depois de passar alguns anos sem conseguir escrever por causa da pressão e da ansiedade para entregar algo que correspondesse às expectativas do público, John finalmente conseguiu concluir seu projeto. Ao longo dos anos, eu o acompanhei em seu canal no YouTube, e até mesmo no Twitter, sobre a dificuldade que estava enfrentando para encontrar a história. Não consigo imaginar quão louco deve ser ter o mundo de olho no que você está fazendo, mas sei que do John Green sempre posso esperar algo apaixonante.

Ame ou odeie, não dá para negar que John sempre cria histórias para lá de originais. Narrados por adolescentes nerds que pensam demais sobre a vida, cada livro segue um caminho diferente e todos eles são ótimos — cada um a seu modo. Quem diz que John Green é autor de uma “história única” com certeza não leu os livros dele.

Em Quem é você, Alasca? aprendi que algumas pessoas podem mexer com a gente a ponto de nos ajudar a encontrar o caminho para fora do labirinto de sofrimento (mesmo que elas estejam presas nele). Com O teorema Katherine descobri que por mais que a matemática seja exata, os relacionamentos não são. Em Cidades de papel entendi que não podemos ficar depositando todos os nossos sonhos e expectativas em uma pessoa. E com A culpa é das estrelas me dei conta de que nada está garantido, que o amanhã é uma dádiva e que cada dia deve ser vivido da melhor forma possível.

Tartarugas até lá embaixo é o primeiro livro em que o John vai falar sobre um transtorno que afetou sua vida assim como a da protagonista da história, Aza Holmes. Isso mexe comigo porque também sei como é ser enganada pelo próprio cérebro às vezes e acho que só quem passa por isso consegue transportar bem a sensação para as páginas.

Sinto que Tartarugas até lá embaixo vai ter um lugar especial no meu coração, não apenas por ser um livro do John Green, mas porque sei que essa é uma história mais pessoal para o John e provavelmente vai falar comigo de forma ainda mais próxima que os outros. Mal posso esperar para ter o livro em minhas mãos e devorar todas as páginas em apenas um dia, só para morrer mais alguns anos esperando pelo próximo.

Eu quero é tartaruga pra dedéu — como dizem os nerdfighters — e espero que, mais uma vez, John Green me toque com suas palavras incríveis, personagens adoravelmente esquisitos e uma história que vai permanecer comigo anos depois de virar a última página.


 

Iris Figueiredo é escritora, tradutora e revisora. Sua paixão são os livros para jovens adultos, histórias que falam sobre crescer e amadurecer no mundo real e imaginário. Quando não está com a cara enfiada nos livros, está debatendo cultura pop por aí.

testeComo rir (sem culpa) de uma neurótica

Cheio de referências pop e eruditas, novo romance da roteirista americana Maria Semple acompanha o dia de uma animadora frustrada que decide mudar a maneira de conduzir a própria vida.

Por Mariana Filgueiras*

Ilustração: Ana Franco

“Uma mãe gambá com sua fileira de filhotes chafurda em uma lixeira, mete a cabeça pontuda em uma embalagem de creme de leite, baixa sua cauda e não se deixa assustar”, diz um trecho do poema “A hora do gambá”, que Robert Lowell, um dos mais importantes poetas norte-americanos do século XX, escreveu para Elizabeth Bishop.

Numa das cenas do romance Hoje vai ser diferente, da escritora Maria Semple (roteirista de sucessos da televisão americana, como Saturday Night Live, Mad About You e Arrested Development), a narradora, Eleanor Flood, está em um café tendo aula particular de poesia. É uma estratégia para aprender a escrever de forma mais concisa, já que ela tem o desafio de colocar no papel uma graphic novel sobre a própria vida. Naquela manhã, entre frutas e torradas com bacon, o professor analisa os melancólicos versos de Lowell, que Eleanor não faz ideia que dizem tanto sobre si mesma.

É uma personagem que chafurda na lixeira dos problemas da classe média americana: animadora de sucesso em Nova York e Seattle, onde mora com o marido, Joe, um cirurgião bem-sucedido que guarda um segredo durante boa parte da trama, e o filho, Timby, de oito anos, que muitas vezes parece mais adulto do que ela, Eleanor vive atarantada por milhões de tarefas. Ora se sente culpada por não dar atenção ao menino, que começa a inventar doenças para chamar sua atenção; ora ao marido, com quem já não leva uma vida sexual muito animada há tempos. Culpa que a deixa irritadiça até com uma das únicas amigas que têm:

Faz dez anos que não consigo me livrar dela. É a amiga de quem não gosto, é a amiga que não sei o que faz da vida porque eu estava entorpecida demais para perguntar da primeira vez e, a essa altura, seria grosseiro perguntar, a amiga com quem não sei ser má para fazê-la entender o recado, a amiga para quem vivo dizendo não, não, não, mas que ainda assim me persegue. Ela parece o mal de Parkinson: não tem cura, só dá para controlar os sintomas.

Eleanor se inscreve em cursos de meditação e falta as aulas, compra roupas escondida e não usa, sente falta da atmosfera “interessante” de Nova York, mas não consegue sustentar um compromisso social em Seattle sem deixar escapar comentários preconceituosos.  

Apesar disso, reage a muitas frustrações como uma boa personagem de sitcom dessas que Semple está habituada a criar: com tiradas tão neuróticas quanto bem-humoradas. Seu livro anterior, o elogiado Cadê você, Bernadette?, tem a protagonista construída sobre as mesmas bases tragicômicas — uma mistura de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, com Bridget Jones, de Helen Fielding.

Crédito: Ana Franco

Numa das passagens mais engraçadas do romance, Eleanor cita as “toalhas molhadas na cama” deixadas pelo marido e seu hábito peculiar de guardar os pãezinhos que sobram do couvert dos restaurantes dentro da própria meia, levá-los para casa “para não desperdiçar” e esquecê-los dentro da peça de roupa por dias. E enumera também suas manias que mais irritam Joe, como o hábito de passar fio dental deitada na cama, o de entrar no chuveiro com o cachorro para dar banho nele, e o mais curioso: o de não pegar a pipoca do pacote com as mãos, mas “encostando com a ponta da língua e pegando as que grudam”.

Como a gambá do poema, Eleanor chafurda, mas sai da lixeira com a cara enfiada na lata de creme de leite.

“Se eu for obrigada a ser sincera, foi assim que deixei o mundo na semana passada: pior, pior, melhor, pior, igual, pior, igual”, lista ela, antes de tomar a decisão que dispara o gatilho da trama, fazendo todos os acontecimentos se desenrolarem.

É quando Eleanor decide que não dá mais para levar a vida do mesmo jeito. Se fosse brasileira, poderia cantarolar um Roberto Carlos: “Daqui pra frente, tudo vai ser diferente…” Mas acaba fazendo o statement que dá título ao livro:

Hoje vai ser diferente. Hoje estarei presente. Hoje vou olhar no fundo dos olhos de todas as pessoas com quem conversar e vou ouvir com atenção. Hoje vou brincar com Timby. (…) Não vou falar sobre dinheiro. Hoje vou buscar a simplicidade. Vou exibir uma expressão relaxada e um sorriso. Hoje vou irradiar calma. Hoje vou dar o melhor de mim, vou ser a pessoa que sou capaz de ser.

É uma virada que aconteceu na própria vida da autora, que não esconde a proximidade entre suas protagonistas e si mesma. Maria Semple já disse em entrevistas que, se em Cadê você, Bernadette? ela trabalhou com uma versão idealizada de si, em Hoje vai ser diferente quis explorar a versão realista. “Eu carrego muita culpa por ter sido neurótica na frente da minha filha. Metade das falas de Timby são frases que minha filha disse para mim. A personagem não é má ou sarcástica, ela apenas é verdadeira”, disse a autora ao jornal The Guardian, quando o livro foi lançado nos Estados Unidos.

Para contar a história da animadora de meia-idade Eleanor Flood — que será vivida por Julia Roberts na série da HBO inspirada no livro —, a autora usa um recurso clássico de narrativa: a ação toda se passa em apenas um dia. Assim como acontece em Ulisses, de James Joyce, e na já citada Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.

No caso de Hoje vai ser diferente, no entanto, a solução de contar as 24 horas na vida de uma personagem do universo pop americano ajuda a acomodar, sem muitos sobressaltos, a colagem de referências que  enriquecem a  trama. E que vão muito além da poesia moderna de Lowell e Bishop, incluindo outros clássicos como as canções do Radiohead, os bordões dos Simpsons, o traço de Robert Crumb ou o clima indie de Daniel Clowes.

 

Mariana Filgueiras é jornalista cultural e mestranda em Literatura na Universidade Federal Fluminense (UFF).

testeVocê realmente conhece o universo dos peculiares? Faça o teste!

As aventuras fantásticas da série O lar da srta. Peregrine para crianças peculiares já encantaram muitos leitores e foram até parar nas telas de cinemas! Cheio de termos e elementos exclusivos do universo criado por Ransom Riggs, desafiamos os leitores a testar os seus conhecimentos sobre a trilogia.

Faça o teste e descubra se você está por dentro da história:

[viralQuiz id=4]

testeDe homofobia à gordofobia, Becky Albertalli conquista leitores e Hollywood

Por Pedro Martins*

Depois de conquistar leitores em mais de trinta países com o bem-humorado e poético Simon vs. a agenda Homo Sapiens, Becky Albertalli volta às prateleiras de lançamentos com Os 27 crushes de Molly.

Poxa, crush! Por que não me notas?

Enquanto o maior conflito de Simon era o medo de que descobrissem sua homossexualidade, a questão de Molly é impossível de esconder: ela é gorda. Aos 17 anos, Molly já viveu 26 paixões, mas todas dentro de sua cabeça. Isso porque, temendo a rejeição, ela nunca sequer tentou se declarar para os crushes. No entanto, quando sua irmã começa a namorar, Molly se vê ainda mais solitária. Por sorte, um dos melhores amigos da cunhada é um garoto hipster, fofo e lindo: perfeito para o seu primeiro beijo. Só tem um problema, que atende pelo nome de Reid. Fã de Tolkien, colega de trabalho e meio esquisito, Molly nunca se apaixonaria por ele, não é mesmo?

“Esse segundo livro foi muito mais difícil. Precisei reescrevê-lo sete vezes”, revela Becky ao blog da Intrínseca. “Ao contrário de Simon, Molly me trouxe questões que eu ainda não superei por completo, e escrever sobre essas coisas que me incomodam fez parte de um contínuo processo de superação.”

Quando viu a capa brasileira de Os 27 crushes de Molly pela primeira vez, Becky conta que não conseguia parar de admirá-la. “Além de ser bonita e de combinar com a capa de Simon, esta é a primeira vez que vejo uma garota parecida comigo numa capa de livro. Pode parecer bobo, mas capas como essa teriam me ajudado de verdade na adolescência”, diz a autora, elogiando o trabalho da designer Aline Ribeiro. “Leitores de outros cantos do mundo, que nem sabem português, estão encomendando a edição brasileira por se sentirem representados.”

Para a autora, a importância da representatividade está na reflexão não distorcida da realidade. “Eu quero ter certeza de que meus livros são lugares seguros e inclusivos para os meus leitores, muitos dos quais pertencem a grupos marginalizados pela sociedade”, explica. “É claro que no mundo existem problemas maiores do que um garoto enfrentando dificuldades com sua sexualidade ou do que uma garota que quer arranjar um namorado e não consegue, mas para mim era muito mais do que isso. Era desesperador me sentir excluída daquele jeito”, relembra a escritora, que antes de se dedicar à escrita trabalhava como psicóloga.

Pelo caminho da representatividade, Becky conquistou leitores como nunca havia imaginado. Publicada em dezenas de idiomas, a autora, que também é fangirl e já escreveu muita fanfic, hoje lida com histórias inspiradas em seus próprios livros. “Eu comecei a ler as fanfics assim que terminei meu último livro do universo de Simon, Leah on the Offbeat, porque agora não tenho mais medo de esbarrar em histórias que pudessem me influenciar”, conta. “Sempre me pedem para escrever um livro do ponto de vista de Blue, mas não é algo válido. Já sabemos de tudo que acontece; não teria suspense algum. Também não tenho interesse em continuar a história de Simon, pois o que me motiva a escrever é a ideia de formar casais. Mas é muito divertido revisitar esses personagens sob a visão dos leitores. Algumas cenas são escritas exatamente como eu as imaginava.”

Em 2016, como recordação de sua visita à Bienal do Livro de São Paulo, a autora levou para casa um exemplar de Simon autografado por seus leitores.

Em paralelo às fanfics, este ano Becky revisitou Simon de outra maneira ainda mais inesperada: nos sets de filmagem. Formalmente, a autora não tem nenhum cargo na produção, mas, à convite da direção, opinou em (quase) tudo: do roteiro à escolha do elenco. “Eles me mantiveram ciente de tudo e, para minha alegria, estávamos em sintonia. Também tive sorte de filmarem na cidade onde moro, Atlanta. Eu estava no set praticamente dia sim, dia não. Nunca me cansava.”

“Para respeitá-los, eu não quis dar dicas aos atores sobre seus personagens, mas todos foram maravilhosos”, acrescenta, orgulhosa. “Nick Robinson (Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros) se transformou em Simon de corpo e alma, e Katherine Langford (13 Reasons Why), por exemplo, já era fã do livro, então a gente conversava muito no set.”

Becky com figurantes no set do filme: “Os estudantes mais legais da Creekwood!”

As filmagens terminaram em abril e, mesmo não tendo assistido ao filme finalizado, Becky já tem uma cena favorita, que, inclusive, não está no livro. Trata-se de quando Simon revela a sexualidade para sua mãe. “Eu nunca me esquecerei daquele momento. Dos produtores aos jornalistas que estavam nos visitando, ninguém conseguia parar de chorar”, relembra, emocionada. “Eu estou tão ansiosa para assistir ao filme que a primeira coisa que faço assim que acordo é checar no meu e-mail se o convite chegou!”

Produzido pela mesma equipe que levou A culpa é das estrelas para os cinemas, Simon Vs. A Agenda Homo Sapiens deve chegar às telonas em março de 2018. Por enquanto, se você se apaixonou por Simon, conheça Molly, já nas livrarias!

 

*Pedro Martins descobriu a magia da leitura aos oito anos por meio dos livros de J.K. Rowling. Essa paixão o levou a ser gerente de conteúdo do Potterish.com e o empurrou em direção ao jornalismo, possibilitando-o escrever sobre literatura para diversos portais, do britânico The Guardian ao brasileiro Omelete.

testeSorteio Instagram – Destaques Bienal do Livro Rio

Vamos sortear 3 exemplares dos nossos destaques da Bienal do Livro Rio! Para participar, poste essa imagem em seu Instagram PUBLICAMENTE e preencha o formulário abaixo!

Atenção:
– Caso a mesma pessoa se inscreva mais de uma vez ela será desclassificada. Atenção: ao terminar de preencher o formulário aparece a mensagem “agradecemos a inscrição”. Espere a página carregar até o final para confirmar a inscrição
– Se você já ganhou um sorteio nos últimos 7 dias no INSTAGRAM, você não poderá participar deste sorteio.
– O resultado será anunciado no dia 04 de Setembro, Segunda-feira, em nosso perfil no Facebook. Boa sorte! ?

Confira os vencedores abaixo: 

testeSorteio Facebook – Destaques Bienal do Livro Rio

Vamos sortear 3 exemplares dos nossos destaques da Bienal do Livro Rio! Para participar, compartilhe essa imagem em seu Facebook PUBLICAMENTE e preencha o formulário abaixo!

Atenção:
– Caso a mesma pessoa se inscreva mais de uma vez ela será desclassificada. Atenção: ao terminar de preencher o formulário aparece a mensagem “agradecemos a inscrição”. Espere a página carregar até o final para confirmar a inscrição
– Se você já ganhou um sorteio nos últimos 7 dias no FACEBOOK, você não poderá participar deste sorteio.
– O resultado será anunciado no dia 4 de setembro, Segunda-feira, em nosso perfil no Facebook. Boa sorte! ?