Notícias

Leia trecho de Hoje vai ser diferente, novo livro de Maria Semple que inspirou série com Julia Roberts

11 / agosto / 2017

Eleanor Flood está cansada de acordar e já dar o dia como encerrado. Está cansada das horas que passa na cama prometendo a si mesma que vai mudar. Não que ela pretenda se esforçar para transformar o mundo num lugar melhor: não torná-lo pior já seria ótimo.

A verdade é que a vida de Eleanor anda uma bagunça e a culpa é toda dela. Às vésperas de completar cinquenta anos, ela mora em Seattle com o marido e o filho Timby e, após uma carreira de sucesso trabalhando com animações para a tevê, os dias gloriosos ficaram para trás. Mas Eleanor decidiu que hoje vai ser diferente. Vai transbordar simpatia e autocontrole, vai ser menos distraída e mal-humorada, vai dar atenção ao filho, vai se vestir melhor e vai até transar com o marido. Mas logo ela se dá conta de que a vida costuma pregar peças na gente e ser um tanto indiferente com os nossos objetivos, mesmo com os mais modestos e risíveis.

Neurótica, impulsiva e dona de tiradas hilárias e escandalosamente incorretas, Eleanor é a protagonista de Hoje vai ser diferente, novo romance de Maria Semple. Autora de Cadê você, Bernadette?, Semple é roteirista de sucessos da televisão americana, como o semanal Saturday Night Live e os seriados Mad About You e Arrested Development.

O dia de Eleanor, repleto de confusões e de encontros imprevisíveis, inspirou a nova série da HBO, que será protagonizada pela atriz Julia Roberts e terá roteiro da própria Semple. A atração está em produção e ainda não tem data de estreia, mas os leitores brasileiros poderão conhecer a memorável Eleanor Flood a partir de 28 de agosto e rir com e às custas de uma mulher que, como muitos de nós, só quer ser uma melhor versão de si mesma.

 

 

Confira um trecho de Hoje vou ser diferente:

Hoje vai ser diferente. Hoje estarei presente. Hoje vou olhar no fundo dos olhos de todas as pessoas com quem conversar e vou ouvir com atenção. Hoje vou brincar com Timby. Vou tomar a iniciativa de transar com Joe. Hoje vou sentir orgulho da minha aparência. Vou tomar banho, me vestir bem e só vou usar roupas de ioga para ir à aula de ioga, à qual não vou faltar. Hoje não vou falar palavrão. Não vou falar sobre dinheiro. Hoje vou buscar a simplicidade. Vou exibir uma expressão relaxada e um sorriso. Hoje vou irradiar calma. Bondade e autocontrole abundantes. Hoje vou prestigiar os comerciantes locais. Hoje vou dar o melhor de mim, vou ser a pessoa que sou capaz de ser. Hoje vai ser diferente.

 

O TRUQUE

Porque do outro jeito não estava dando certo. Acordar e dar o dia por terminado só na hora de ir para a cama. Enfrentá-lo era uma desgraça, uma afronta à honra e ao privilégio de estar viva. Andar por aí como um fantasma, mal-humorada e distraída, anuviada e apressada. (Tudo isso é só suposição, porque não faço ideia de como as pessoas me veem. Minha consciência é inepta a este ponto e passa longe da superfície, feito uma rã hibernando no inverno). Tornar o mundo um lugar pior só por estar presente. Ser cega para a destruição ao meu redor. O Mr. Magoo.

Se eu for obrigada a ser sincera, foi assim que deixei o mundo na semana passada: pior, pior, melhor, pior, igual, pior, igual. Nada do que se orgulhar. Não que eu necessariamente precise tornar o mundo melhor, veja bem. Mas hoje vou seguir o juramento de Hipócrates: primeiro, não faça mal a ninguém.

Não pode ser tão difícil. Levar Timby ao colégio, ter aula de poesia (o que mais gosto de fazer na vida!), ir à ioga, almoçar com Sydney Madsen, a quem não suporto, mas pelo menos posso tirar isso da lista (mais sobre isso a seguir), buscar Timby e deixá-lo com Joe, o agente de seguros de toda essa louca abundância.

Você deve estar tentando entender por que tanto drama em torno de um dia normal com problemas de gente branca. Porque existe eu e existe a fera dentro de mim. Seria genial se a fera dentro de mim aparecesse num quadro gigante, chocando e impressionando os espectadores, causando uma destruição catastrófi­ca que seria lembrada para sempre. Se eu fosse dessas, talvez ­fizesse algo assim: uma gloriosa automutilação pelo bem da arte performática. A triste verdade? A fera dentro de mim funciona numa escala dolorosamente pequena: microtransações lamentáveis que costumam envolver Timby, meus amigos ou Joe. Quando estou com eles, ­fico irritadiça e morro de ansiedade; sem, fi­co toda sentimental e delirante. Rá! Não parece bom estar a uma distância segura de mim, com as portas trancadas e as janelas fechadas? Ah, que isso! Sou legal. Estou exagerando. Também não é assim…

Então, no minuto em que saí dos lençóis, o dia começou. O tap-tap-tap das unhas de Ioiô na madeira, parando diante do quarto. Por que, quando Joe sai da cama, Ioiô não trota-trota-trota e o aguarda com sua esperança servil? Como é que Ioiô, do outro lado da porta fechada, sabe que sou eu e não Joe? Certa vez um treinador de cães me deu uma explicação deprimente: foi com o meu cheiro que Ioiô se identi­ficou. Ao lembrar que o nirvana dele é uma foca morta na praia, me pergunto se já está na hora de voltar para a cama. Não, não vou fazer isso. Hoje, não.

[Leia mais]

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *