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Laços que não se desfazem

4 / agosto / 2017

Complicadas relações entre mãe e filha costuram a trama de Em busca de abrigo, romance de Jojo Moyes com diversos elementos autobiográficos

Por Vanessa Corrêa*

 

A delicada e difícil relação entre mãe e filha é o tema central de Em busca de abrigo, livro de estreia de Jojo Moyes relançado agora pela Intrínseca. Dez anos antes de se tornar mundialmente conhecida com o best-seller Como eu era antes de você, a escritora já dava pistas do estilo que a tornaria um sucesso mundial.

Acompanhando a trajetória de quatro gerações de mulheres da mesma família, Em busca de abrigo  traz elementos que mais tarde ficaram recorrentes nas tramas de Moyes: personagens femininas fortes, heroínas que se sentem fora dos padrões, amores difíceis de serem concretizados e segredos que podem transformar vidas.

Em Hong Kong, então colônia do Império Britânico, Joy e Edward se conhecem durante uma festa em comemoração à coroação da jovem rainha Elizabeth II, em 1953. Envolvido por uma paixão fulminante, para ficar junto, o casal enfrenta a resistência da mãe de Joy, Alice, e a distância imposta pela carreira militar de Edward. Vistos com admiração por todos devido à relação duradoura, os dois escondem uma trajetória difícil e um doloroso segredo.

 

O sofrimento e a mágoa impostos pelas constantes reprovações de Alice não fizeram com que Joy virasse uma mãe mais amorosa e compreensiva. Sua filha, Kate, prefere manter-se a distância em outro país a ter que lidar com a frieza da mãe e a sensação de que foi uma decepção para a família. Para piorar as coisas, Kate coleciona uma série de fracassos amorosos e encontra pouquíssimo consolo na relação com a própria filha, a adolescente Sabine, que trata a mãe com uma dureza semelhante àquela da avó.

Moyes lançou mão de muitos elementos autobiográficos para escrever Em busca de abrigo. A história de amor de Joy e Edward foi inspirada no romance dos avós da escritora, Betty e Eric McKee, que ela define como “extraordinário” nos agradecimentos do livro. A escolha de Hong Kong como um dos principais cenários da trama também não foi aleatória: a escritora passou um ano na cidade em meados da década de 1990, trabalhando como repórter do jornal South China Morning Post.

“Morar em Hong Kong me deu acesso a um mundo totalmente diferente e uma perspectiva mais ampla, que só adquirimos quando vivemos em uma cultura que não se assemelha em nada com a nossa”, disse Moyes em uma entrevista concedida ao seu antigo jornal muitos anos depois.

“Eu amava tudo em Hong Kong”, continuou Moyes. Para ela, a comida e a “busca descarada pelo sucesso, que pode ser desaprovada no Reino Unido”, seu país natal, eram duas das coisas que mais a agradavam na cidade. “A energia de Hong Kong ficou impressa em mim”, declarou.

As “coincidências” com a vida real não param aí. Sabine cresceu em Hackney, bairro de Londres em que Moyes passou a infância e a adolescência, e o amor por cavalos também foi transportado da vida da escritora para a ficção.

Quando tinha 14 anos, Moyes usou o dinheiro que economizou trabalhando como ajudante de limpeza na empresa do pai para comprar um pônei, batizado de Bombardier. “Cheguei em casa e avisei minha mãe de que havia comprado o Bombardier. Quando ela finalmente se deu conta de que era verdade, mandou na mesma hora que eu o devolvesse, mas teimosamente me recusei”, contou a escritora ao jornal britânico Telegraph. “Muito tempo depois, ela disse que no fundo ficou orgulhosa da minha determinação em manter o cavalo”, continuou.

 

Para escrever a história de Joy, Kate e Sabine, Jojo Moyes consultou diversas vezes seu passado, mas é possível também que tenha sem querer previsto parte de seu futuro. Assim como Joy deixou a cosmopolita Hong Kong e escolheu uma propriedade no interior da Irlanda para viver com Edward e criar seus animais, anos depois da publicação do livro, Moyes deixaria Londres para morar com o marido e os três filhos em uma fazenda em Essex, no interior da Inglaterra.

A publicação de Em busca de abrigo foi um momento decisivo na vida de Moyes. Entre 1995 e 2000, ela escreveu três romances, todos recusados por editoras. Na época, ela trabalhava como jornalista na publicação britânica The Independent e recorda como foi difícil ver uma colega do jornal passar de colunista a escritora de sucesso, enquanto suas obras eram ignoradas.

“Ainda me lembro da noite em que um dos editores circulou pela redação dizendo que queria uma coluna bem-humorada sobre a vida de uma jovem. Não me ofereci a tempo e, quando percebi, Helen Fielding estava fazendo o trabalho de forma brilhante. Tentei não me castigar muito por isso depois”, lembrou Moyes em entrevista ao Telegraph, citando a criadora de Bridget Jones.

Mas Jojo persistiu, e, na quarta tentativa, a história teve um fim diferente. Os primeiros capítulos de Em busca de abrigo provocaram uma acirrada disputa entre nada menos que seis editoras, e o contrato fechado por Moyes permitiu que ela abandonasse o jornalismo para dedicar-se exclusivamente à literatura.

Desde então, a escritora publicou outros 13 livros e teve suas obras traduzidas para 30 idiomas. Como eu era antes de você  já vendeu mais de 8 milhões de cópias em todo o mundo e teve sua história transformada em filme. O romance entre Will e Lou deu origem ainda à sequência Depois de você, publicada em 2016, e um terceiro livro já está confirmado para fevereiro de 2018.

Uma história de superação com final feliz, digno de um romance de Jojo Moyes.

*Vanessa Corrêa é jornalista, já trabalhou na Folha de S.Paulo e no portal UOL e é apaixonada por livros, cinema e fotografia.

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