Matheus Leitão Netto

Garimpando o passado remoto

6 / julho / 2017

 

Num livro, tudo pode parecer rápido, uma página pode contar uma longa espera, mas viver cada minuto de Em nome dos pais foi uma aventura difícil de descrever. Imagine o que foi, por exemplo, a busca pelo delator dos meus pais, que os entregou às mazelas da tortura na ditadura? Eu tinha apenas um nome, precisava saber se estava vivo e onde morava, porque ele sumira havia mais de quarenta anos.

Depois de localizado, o que não foi nem um pouco fácil, aconteceu a viagem até o sítio de sua família, no interior do Espírito Santo. E eu queria que o leitor fosse comigo. Não bastava investigar, mas contar como investiguei. Queria que o leitor tivesse noção de como pode ser demorado mergulhar no passado.

Houve esse momento, depois de muito esforço, em que tudo começou a dar certo. Seguiu-se a viagem até o sítio, que foi realizada durante o dia. Só que, quanto mais eu me aproximava do endereço, mais o sol desaparecia no horizonte. Depois de uma curva numa estrada de terra, vimos um incêndio na mata e o ambiente ganhou cores dramáticas e ares de um livro do J.R.R Tolkien ou de O senhor dos anéis

Já era noite quando, enfim, bati na porta do delator que fora chefe do grupo de estudantes, delatara todos e sumira. O que fazer? Como começar essa conversa perdida no tempo com perguntas nada fáceis, mais de quatro décadas depois? O leitor poderá conferir o resultado no livro.

Em outros momentos a procura era por um papel. Tive de ler e reler cinco volumes e um apenso, o processo que meus pais e seus companheiros responderam na Justiça Militar, até ver o nome que procurava: o do capitão que comandara o departamento de repressão do Exército em Vitória. O nome foi um grande achado, mas havia homônimos, e uma nova barreira se impôs à minha frente.

Por falar em homônimos, um dos militares que teve atuação fundamental no inquérito policial militar tinha 182 deles — uma montanha de pessoas com o mesmo nome do Brasil. Por esse motivo, tive de descartar 181, num longo e desgastante processo de apuração.

Minha busca passou por tentar ouvir os militantes de movimentos contrários à ditadura que atuaram junto com meus pais, passando pelo líder que virou delator, mas também os militares que atuaram na produção do IPM, na repressão e até na tortura aos meus parentes. O livro revela o nome de uma dezena desses militares e um dos capítulos é justamente “Frente a frente com o torturador”.

Foi assim que se construiu Em Nome dos Pais. Estou acostumado a fazer jornalismo investigativo como repórter em Brasília. No livro, porém, eu buscava um passado remoto, o que me fez ter a sensação de procurar agulhas num palheiro.

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