Monica de Bolle

Morcegos ressuscitam borboletas?

17 / fevereiro / 2017

Esse é o título do último capítulo de Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma. O livro narra, passo a passo, como o Brasil chegou à gravíssima crise econômica dos últimos dois anos valendo-se da dramática história do inseto do sul da Inglaterra como metáfora para o crescimento brasileiro. Nos anos 1970, a borboleta-azul desapareceu de seu habitat natural devido a uma série de intervenções do governo britânico para proteger as lavouras de uma infestação de coelhos. Tais medidas bagunçaram o frágil e complexo ecossistema, levando à extinção do animal. Entre 2011 e 2014, as ações econômicas promovidas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff desordenaram o frágil ecossistema econômico brasileiro, levando à extinção o crescimento. A obra analisa de que maneira foram sendo destruídos os pilares da economia brasileira, traçando como chegamos à atual situação de completo desarranjo.

Embora o livro trate dos anos Dilma, o último capítulo aborda o afastamento da presidente, a crise política e as chances de que os morcegos liderados por Michel Temer — os homens brancos de ternos pretos de Brasília — fossem capazes de estancar a terrível recessão e a alta do desemprego que tomaram conta do país. O desafio não era pequeno. Eis um trecho do livro:

Economistas valem-se de artifícios diversos para medir o bem-estar de diferentes sociedades: do PIB à distribuição de renda, dos subjetivos “índices de felicidade” ao concreto índice de desenvolvimento humano. Do mesmo modo, há formas de medir o mal-estar, a malaise que assolava (e continua a assolar) toda a população brasileira, principalmente a classe média vulnerável […]. O índice de mal-estar, ou Misery Index, foi criado pelo economista americano Arthur Okun com o intuito de medir a qualidade de vida do cidadão médio de um país. Trata-se de um indicador simples, da soma entre a taxa média de inflação de determinado período com a taxa de desemprego do mesmo período.

Em 2015, o índice de mal-estar no Brasil chegara a 19,7, quase o dobro do que se viu em 2014, sobretudo por causa da alta inflacionária. Hoje, o índice de mal-estar soma 17,3 — a queda reflete a forte redução da inflação. A taxa de desemprego, contudo, subiu dos 9% para os 12%, e nesse nível permanece. Eis, portanto, a falácia do índice de mal-estar: o poder de compra pode ter melhorado com a redução da inflação de 10,7% para 5,3% entre 2015 e o início de 2017. Se a pessoa está desempregada, porém, de nada adianta a melhora do poder de compra.

Outro dia me disseram: “As pessoas vão sentir a melhora da economia brasileira quando a taxa de desemprego parar de subir.” Ao ouvir isso, pensei: “Quer dizer que se meu interlocutor perdesse o emprego e assim permanecesse ficaria satisfeito porque, mesmo estando desempregado, não há número crescente de desempregados à sua volta?” É evidente que tal colocação não faz o menor sentido. A melhora da economia será percebida pela população não quando a taxa de desemprego parar de subir, mas quando começar a cair, isto é, quando meu suposto interlocutor desempregado finalmente conseguir trabalho. Mas os morcegos enturvecem a visão. Querem inventar borboletas-azuis de suas negras asas, como alquimistas da realidade. A realidade está difícil.

Até o momento, não há resposta para o título do capítulo e da coluna.

Comentários

5 Respostas para “Morcegos ressuscitam borboletas?

  1. Perfeito! Análise fria dos fatos observáveis, desapaixonada e realista! Como, aliás, deve ser a análise de um cientista!?

  2. Prezada Monica,
    Olá, tenho acompanhado seu trabalho ao longo de 2016, sou um emergente, faço parte da nova, classe média, não sou especialista em economia, gostaria muito de acreditar que você está errada, porém os argumentos que você vem apresentando são muito fortes, quando ouço ou leio o próprio Andre Perfeito, ou leio relatório da Verde, vocês podem estar certo, infelizmente vejo a degradação da nossa comunidade, moro em Vitória – ES, e fora o mar de lama que vivemos por conta da situação da segurança, o que posso notar foi o empobrecimento da população, a marquise de uma loja perto de casa não tem mais espaço para a quantidade de sem tetos, quando vejo tomadas de decisões imediatista em nossa frágil economia fica em alerta, e não gostaria de dizer bem que a Monica avisou, parabéns pelo seu trabalho, está muito bom, até eu que sou ignorante no assunto, estou conseguindo compreender, mas tenho criticas a ele, o nome do livro é horrível.

  3. Parabéns pelo texto, depois que vi sua entrevista no roda viva passei a seguir seus texto que são execelentes. V

  4. Mônica é excelente e didática. Gosto muito do Economia de Quarta com o Sardemberg na DBM. Parabéns por nos esclarecer e mostrar o bom caminho econômico.

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