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Recomeçar é preciso

2 / dezembro / 2016

Por Fabiane Pereira*

Não dá para começar a falar de O som do amor sem citar sua autora, Jojo Moyes. Responsável pelo best-seller — e sucesso cinematográfico — Como eu era antes de você e pela impressionante marca de 1,5 milhão de exemplares vendidos no Brasil, a jornalista inglesa se dedica integralmente à carreira de escritora desde 2002. Jojo é uma das poucas autoras que já ganhou por duas vezes o Prêmio Romance do Ano, atribuído pela Associação de Romancistas, já viu suas histórias serem traduzidas para onze idiomas e é uma das poucas escritoras no mundo a ter emplacado três livros ao mesmo tempo na lista de mais vendidos do The New York Times.

Dito isso, é fácil já sentir-se atraído por seu novo livro, O som do amor, publicado originalmente em 2008 e que acaba de chegar ao Brasil pela Intrínseca. Porém não se deixe enganar pela capa romântica porque definitivamente não é um romance tradicional. Arrisco-me a dizer que, em O som do amor, a autora visita outro gênero literário: o folhetim. Apesar da escrita envolvente e da química viciante presente em todos os seus livros, Jojo deixa de lado seus habituais romances contemporâneos e embarca numa história mais complexa, com vilões e mocinhos bem definidos e se apropria de ingredientes que prendem o leitor: luto, amor, intrigas, recomeço e amizade.

capa_osomdoamor_mainResumidamente: Matt e Laura McCarthy são obcecados pela ideia de herdar a Casa Espanhola — uma construção quase em ruínas no condado de Norfolk, interior da Inglaterra, que tem um valor simbólico para os moradores locais. Para conquistar o que deseja, Laura, a mando do marido, Matt, faz todas as vontades do Sr. Samuel Pottisworth, proprietário do casarão e criatura de difícil trato. Já com a idade avançada, o Sr. Pottisworth, apesar de dizer que mostraria sua gratidão a Laura quando morresse, não deixa nada documentado e quem herda a Casa Espanhola é Isabel Delancey, uma parente distante, apaixonada por música.

Primeira violinista na Orquestra Sinfônica Municipal, em Londres, Isabel tinha uma vida pacata com o marido e os dois filhos, mas tudo muda quando ela fica viúva e herda uma grande dívida do marido falecido. A vida lhe oferece uma oportunidade de recomeço através da Casa Espanhola, mas o casal McCarthy tenta impedi-la a qualquer custo. E é em torno dessa disputa que se desenrola toda a trama.

 O som do amor tem uma narrativa um pouco mais lenta do que os outros livros da autora e, às vezes, um leitor mais desatento pode demorar mais para se apegar aos personagens. À medida que a história avança, descobrimos que cada um guarda algum segredo e isso estimula o leitor. Sentimentos perturbadores como obsessão, persuasão e manipulação são molas propulsoras da história e, já que todos os (bons) personagens com mau caráter são providos de grande carisma, aqui eles também são capazes de tudo para cumprir seus objetivos: são maquiavélicos e justificam suas ações duvidosas — sexo e mentiras — em prol de uma conquista a qualquer preço.

 Mas O som do amor também fala sobre recomeço. A violinista Isabel, sobrinha distante do Sr. Pottisworth, após perder o marido num acidente e herdar o casarão, decide se mudar com os filhos e dar uma nova chance à vida. O que Isabel não podia supor é que a mudança de cidade lhe causaria muitos problemas, a começar pela grande diferença entre uma metrópole como Londres e um pequeno condado de Norfolk, um local repleto de intrigas.

Todos que já sentiram a dor de uma grande perda podem se identificar com a história. Quando alguém que amamos morre, vivemos o luto; quando um relacionamento afetivo termina, fica um vazio e uma dor profunda; quando alguém é demitido de um emprego que se identifica muito, sofre uma grande instabilidade emocional. Esses sentimentos não são negativos tampouco errados, são humanos e é necessário vivê-los para que passem e abram espaço para novas oportunidades.

Durante a leitura, percebe-se que muitas “pontas” ficam propositalmente soltas durante a narrativa, mas, brilhantemente, Jojo as amarra nos últimos capítulos. Nessa contradição de sentimentos, O som do amor fala de nós, seres humanos. Da quantidade de vezes que começamos e recomeçamos sonhos, ciclos e projetos. Fala das vezes que achamos que o barco da vida está navegando em mares calmos e um maremoto inesperado muda toda nossa existência. Enfim, fala do caminho entre o desejo e a realização.

 

*Fabiane Pereira é jornalista, pós-graduada em Jornalismo Cultural pela ESPM e em Formação do Escritor pela PUC-Rio. É mestranda em Comunicação, Cultura e Tecnologia da Informação no Instituto Universitário de Lisboa. É curadora do projeto literário Som & Pausa e toca vários outros projetos pela sua empresa, a Valentina Comunicação. Foi apresentadora do programa Faro MPB, na MPB FM, e atualmente comanda o boletim Faro Pelo Mundo, na mesma emissora.

 

 

 

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