Pedro Gabriel

Escrever é mandar nudes para a página em branco

13 / dezembro / 2016

nudescoluna

A página em branco nunca me assustou. Sempre respeitei a ausência de ideias, de temas, de caminhos criativos. Sempre fiquei sereno à espera daquele estalo sensível, daquela luz no fim da inspiração, daquele momento potente que antecede à chegada de alguma palavra útil. Acredito que a escrita não possa nos desesperar. Pelo contrário, deve nos despertar. A inquietude já é um órgão nato no corpo do poeta, como um coração, um fígado, um rim, um pulmão. Ele não precisa de mais um obstáculo para exercer seu ofício, de mais algemas para libertar sua poesia.

A página em branco sempre me acalmou. Nunca entendi a frustração diante da coisa que não acontece, da sílaba que não se desenvolve, do silêncio que não se resolve. Encaro sua presença com normalidade. É como se ela quisesse nos alertar que, em algum lugar dentro de sua fina espessura, nossas futuras palavras estão à procura da melhor forma de ganhar forma. É como se ela quisesse nos certificar que, em algum lugar dentro da sua pele tão delicada, nossas futuras palavras estão à espera do tempo exato para romper essa gramatura frágil de papel para poder, enfim, emergir — com toda a força que elas têm — na cara, no corpo e na alma do poeta.

Escrever é mandar nudes para a página em branco. Quem escreve está totalmente despido. O poeta está nu quando constrói seus versos. A contista está nua quando imagina seus desfechos. O romancista está nu quando estrutura suas tramas. A cronista está nua quando cria suas realidades. Escrever é expor sua intimidade, mesmo que disfarçada de personagens distantes, de sentimentos incompletos, de diálogos efêmeros. A folha virgem é um imenso véu que cobre nossas futuras palavras. Escrever é descobri-las, é descobrir-se.

Comentários

2 Respostas para “Escrever é mandar nudes para a página em branco

  1. Escrever é deixar transbordar a alma,descobri o significado do sentimento,em verso por que a sensibilidade da palavra escrita não se restringe só aos poetas,ela se encontra na na liberdade do ato de criar.

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