testeA boa mesa carioca

O restaurante La Fiorentina (Fonte)

A geografia carioca que percorre as páginas de Enquanto houver champanhe, há esperança já se foi quase toda, infelizmente. A cidade onde Zózimo Barrozo do Amaral nasceu continua linda, embora com as praias mais poluídas e as matas invadidas pelo crescimento das favelas. Mas, os endereços que foram construídos e ajudaram a aumentar o glamour do Rio de Janeiro, esses vão desaparecendo aos poucos.

Num dos capítulos do livro, Zózimo circula por quase três dezenas de restaurantes estrelados na segunda metade da década de 1970. Letreiros de referência da vida noturna, estão todos desaparecidos, caso de Le Bec Fin, Flag, Chiko’s Bar, Nino, Michel, Open, Le Bistrô, Antonino, Concorde, Balaio, Máfia. Sobreviveram monumentos da gastronomia, como La Fiorentina e o Café Lamas, mas é muita perda patrimonial em tão pouco tempo.

Zózimo, um homem cultivado pelas boas mesas internacionais, foi um dos responsáveis, através de suas notas positivas, pela afirmação no Rio de assinaturas nobres, como a de Bocuse, que chegou aqui no final dos anos 1970 e se instalou no antigo hotel Le Méridien. As notas negativas, críticas, ajudaram a antiga capital do país a se civilizar. Zózimo debochava, por exemplo, da mania jeca de o carioca gostar de sobremesas flambadas e criticava esses mesmos restaurantes por não oferecerem em seus cardápios frutas da estação ou, debaixo da canícula insuportável dos trópicos, sorvetes com essas mesmas frutas, tão deliciosas quanto baratas.

Fala-se agora na reabertura do Hippopotamus, um dos ícones da cidade entre as décadas de 1970 e 80, pelos empresários Ricardo Amaral e Omar Catito Peres. Em tempos de crise, quando só se ouvem notícias sobre casas que fecham, seria a confirmação de que estava certa a frase que Zózimo colocou na parede de sua sala, na redação, e que acabou no título de sua biografia: “Enquanto houver champanhe, há esperança.”

testeUma estrada chamada 2017

Queridos leitores, queridas leitoras, tudo em paz com vocês? Aproveitei estas últimas semanas de 2016 para fazer alguns testes nas minhas redes sociais, principalmente no Instagram e no Facebook. Por isso, muitas publicações ficaram sem ordem, meio desorganizadas — uma verdadeira bagunça, admito. Mas uma bagunça necessária. Precisei pisar em vários atalhos até encontrar o caminho que mais me agradava. Acho que finalmente encontrei uma trilha bacana para me renovar sem perder minha essência. Acho que finalmente consegui programar meu GPS criativo para essa nova estrada que começará a ser percorrida em 2017.

Eu me chamo Antônio é uma história que teve início no balcão de um bar e, logo depois, foi parar na internet. Mais adiante, continuou nas prateleiras das livrarias. Mas ela é, essencialmente, uma ideia que escapou do meu peito e encontrou o coração das pessoas que se dedicam a querer enxergar a beleza dos versos e dos traços além do limite do guardanapo; uma ideia que encantou a alma das pessoas que entendem que cada criação é infinita; uma ideia que condensa em si a coragem de quem contempla o mundo com os olhos da imaginação.

Todos os meus guardanapos, sem exceção, foram criados no Café Lamas, um tradicional bar do Rio de Janeiro. Hoje, são mais de 2 mil criações guardadas com muito carinho em álbuns de fotografia, como se cada guardanapo fosse, de fato, uma retratação do meu mundo interior. Muitas delas foram impressas nas páginas dos meus três livros publicados pela Intrínseca. Livros que me fizeram acreditar que era possível viver daquilo que amo: desenhar e escrever. Cada livro retrata um momento. O primeiro Eu me chamo Antônio (2013) foi marcado pela minha insegurança, um medo danado de não dar certo. O Segundo (2014) já demonstrava uma vontade — mesmo que tímida — de libertar as palavras para além das fronteiras dos guardanapos. Ilustre Poesia (2016) fecha um ciclo que começou a ser desenhado no fim de 2012. Agora, com esta terceira publicação, dou mais um passo em direção à promessa do romance, como anuncia a descrição dessa ideia desde que foi criada: “Antônio é o personagem de um romance que está sendo escrito, vivido.” Pois bem, acho que chegou a hora de começar a estruturar essa promessa, e isso exige ainda mais tempo e dedicação de minha parte. Até então eu vinha vivenciando esse romance. Agora, quero escrevê-lo. E ele será escrito.

Como alguns de vocês sabem, este ano me mudei para São Paulo. Meu ritmo de criação naturalmente diminuiu. Não seria sincero dar vida aos guardanapos em outro lugar que não fosse no Lamas. Por isso, só tenho criado coisas novas quando visito minha família na Cidade Maravilhosa. A vinda para a Terra da Garoa veio no momento certo. Eu precisava buscar novas motivações, novas inspirações, novas técnicas, novas histórias, novas plataformas e novas formas de contar essas tramas. Aqui senti novamente aquele frio na barriga antes de encarar uma página (um guardanapo?) em branco. É como se a vida quisesse me tirar da zona de conforto e me obrigasse a pensar além dos versos curtos, além dos traços confusos. E isso é ótimo! Quem vive de criatividade não pode se acomodar jamais. Quem vive de criatividade também não pode repetir as fórmulas que deram certo. Para um ser criativo, repetir o sucesso é fracasso. Quero ousar mais. Experimentar mais. Experimentar e falhar. Experimentar e acertar. Mas, acima de tudo, experimentar e manter uma linha coerente com aquilo em que acredito. Medo de fracassar? Muito. Mas preciso ser honesto com minha voz interior, com meu feeling. Até escrevi num guardanapo antigo: “Siga sua intuição. Ela é a sua mãe invisível.” Em outro, mais recente, desenhei com minha caligrafia: “Sem esforço, o que é DOM dura pouco.”

Os guardanapos, inconscientemente, me orientaram e ajudaram a tomar algumas decisões. Espero contar com vocês em cada etapa dos meus futuros projetos. Se vão vingar ou morrer na beira da estrada, não sei. Mas podem ter certeza de que, em todas as plataformas que for explorar — música, desenho, palavra —, serei o mais transparente possível com minha sensibilidade. Não posso fugir de quem sou.

O caminho será longo, mas também muito bonito. Minhas pegadas têm muito mais fôlego quando são seguidas pelos passos que vocês dão.

Com amor e poesia,

testeGarra: como despertar a vontade de vencer?

Por Letícia Calhau*

Aos 27 anos, Angela Duckworth deixou um emprego conceituado para ser professora de matemática em uma escola pública. A transição, porém, não foi simples. Sua vida financeira mudou de maneira drástica; os almoços com executivos foram substituídos por lanches rápidos durante exaustivas jornadas de trabalho e suas roupas passaram a ser as mais confortáveis possíveis, já que agora ela passava muitas horas em pé dando aulas para alunos do 7º ano.

No livro Garra, Angela divide suas experiências com o leitor a fim de explicar que a garra (e não apenas o talento ou a genialidade) pode ser um diferencial para a conquista de objetivos pessoais, e que essa habilidade pode ser aprendida e desenvolvida. Seu interesse por saber como se dá o processo de aprendizagem, e por que algumas pessoas perseveram em uma meta, enquanto outras não obtêm bons resultados ou abandonam projetos, orienta uma pesquisa promissora no campo da aprendizagem.

Sua teoria de que a garra é mais eficaz que o talento na busca pelo sucesso joga por terra a tão difundida ideia de que esforço e empenho são importantes. Por meio de estudos, a autora demonstra como perseverança e paixão podem ser os principais combustíveis na corrida por resultados. Duckworth usou em suas pesquisas a rotina alunos, militares e funcionários de grandes empresas, aplicando questionários a aspirantes a cargos e vagas disputadas, avaliando quais deles teriam mais chance de conseguir o posto e mais tarde comparando suas análises com o resultado final da seleção.

Por conta própria, você pode aumentar sua garra “de dentro para fora”: pode cultivar seus interesses; pode adquirir o hábito de praticar todos os dias a superação de dificuldades; pode ligar seu trabalho a um objetivo que vá além de si mesmo; e pode aprender a manter a esperança quando tudo parecer perdido.

Com tantas diferenças entre os estudantes, tantas carências materiais, tantas crenças sobre quem é capaz ou quem está destinado ao fracasso, entender um pouco mais sobre como contribuir para que os jovens tenham chances mais igualitárias de sucesso em seus estudos se torna de grande ajuda para quem atua diretamente com educação. Por mais que saibamos que não existem fórmulas perfeitas sobre como ensinar, é possível aproveitar ideias e resultados das pesquisas que Angela Duckworth mostra em Garra.

Por que os outros são tão importantes? Em primeiro lugar, eles nos dão estímulo e informação essenciais para que gostemos de alguma coisa cada vez mais. E também porque — de maneira mais evidente — o retorno positivo nos faz sentir felizes, competentes e seguros.

O livro é dividido em três partes. A primeira nos ajuda a entender o que a pesquisadora chama de garra e sua relação com o tão idealizado talento. Ela explica que a garra pode ser desenvolvida, diferente do que imaginamos sobre talento, e que para isso bastam investimentos pessoais. Na segunda parte, aprendemos como cultivar a garra internamente. Angela usa vários exemplos de pessoas que desenvolveram a garra, com algumas ideias de trabalho como a prática disciplinada. A autora faz referência a Carol Dweck, que desenvolveu uma teoria muito interessante que talvez seja um dos caminhos de resposta para os questionamentos que Angela coloca. Carol trabalha com a mentalidade de crescimento.

1. Sua inteligência é um elemento básico, e você pouco pode fazer para alterá-la.
2. Você pode aprender coisas novas, mas não pode aumentar sua inteligência.
3. Seja qual for o nível de sua inteligência, você sempre pode modificá-la um pouco.
4. Você sempre pode modificar substancialmente sua inteligência.
Se você concordou com as duas primeiras afirmações e negou as duas últimas, Carol diria que você tem uma mentalidade mais rígida.

No último capítulo, Angela aborda o papel dos educadores para a conquista da garra e dá dicas de como cultivar a garra de fora para dentro. É uma das partes mais impactantes para pessoas que atuam no ensino e na educação.

O que posso fazer para despertar a garra nas pessoas que são importantes para mim? Ouço essa pergunta ao menos uma vez por dia. Às vezes, quem pergunta é um treinador esportivo; outras vezes, é um empreendedor ou o CEO de uma empresa.

Neste capítulo, a autora desenvolve uma teoria bem interessante sobre os perfis de pessoas que têm mais chance de desenvolver ou contribuir para o desenvolvimento de garra. Entre pais e educadores, é comum a dúvida sobre qual é a melhor atitude no momento de orientar jovens em sua jornada de crescimento. Qual seria o melhor perfil, o compassivo ou o exigente? O que vale mais: a cobrança contínua por padrões mais altos após um bom resultado ou um abraço carinhoso depois de uma derrota?

Em Garra, Angela Duckworth foi capaz de reunir histórias, referências e ideias provocadoras sobre tudo o que ouvimos sobre educação, trabalho e realização pessoal. Sua linguagem extremamente didática é capaz de alcançar qualquer pessoa que tenha interesse por conhecimento e aprendizagem. Seu livro não é do tipo que dá as respostas prontas, mas certamente nos incentiva a pensar diferente sobre como aprendemos e como estamos educando.

>> Leia um trecho

 

* Letícia Calhau é professora da área de educação, mestranda e pesquisadora na área de inclusão em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Carioca, nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, blogueira e criadora de hortas caseiras.

testeUm convite para a Nova York de A grana

Por João Lourenço*

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capa_agrana_pQuando começo a leitura de um livro, espaço e tempo são os elementos da narrativa que costumam me seduzir primeiro. Personagens e trama vêm depois. Gosto de ler sobre lugares que conheço e que tenho vontade de conhecer — e também sobre lugares imaginários que nos fazem sonhar.

Em A grana, somos transportados para um lugar muito real: a Nova York atual, caótica, multifacetada, onde a ganância é algo quase palpável. A autora, Cynthia D’Aprix Sweeney, por meio de ricas descrições, revela em detalhes os muitos segredos da Big Apple. Se você já desembarcou na cidade que nunca dorme ou está planejando viajar para lá, A grana pode ser a sua leitura de bordo. Anote tudo e embarque nessa viagem. 

 

Oyster Bar 

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Nova York é a cidade do novo, do moderno, do rápido. Yes! Mas também há espaço para a tradição. É o caso do Oyster Bar, um restaurante de frutos do mar fundado em 1913. Localizado no nível inferior da Grand Central Station, o espaço tem 440 lugares disputados diariamente por pessoas de várias partes do mundo. Tamanho sucesso se deve aos produtos frescos que podem ser apreciados em um menu que se reinventa constantemente. Mas se frutos do mar não agradam o seu paladar, não se acanhe: o Oyster Bar também é um ótimo lugar para “ver e ser visto”, saboreando um drinque antes de pegar o trem para a próxima aventura. 

 

West Village

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Ruas largas, sossegadas e arborizadas. Cafés com mesas na calçada, lojas de grifes locais e independentes e uma grande variedade de restaurantes e bares que ficam movimentados até o amanhecer. West Village também é conhecido como Little Bohemia, devido à predileção noturna de seus moradores. O bairro é um dos poucos lugares em Nova York onde ainda prevalece aquela sensação de estar em uma cidade pequena. Por lá, todo mundo parece se conhecer. Moderno e agitado, não é movido à pressa insana que vemos no centro de Manhattan. Um dos diferenciais do bairro são as famosas feiras de garagem e mercados de pulga, onde é possível garimpar relíquias e antiguidades que você nem sabia que existiam.  

 

Museu de História Natural

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Programa clássico na lista de todos que visitam Nova York, recebe em média 4 milhões de visitantes por ano — cerca de 10 mil por dia! O museu tem cinco andares e narra a história da humanidade, além de ter o maior acervo de fósseis de dinossauro do planeta. Embora seja um museu antigo, o que lhe dá um aspecto um tanto antiquado, o espaço tem a maior tela de cinema de Nova York, que apresenta filmes e documentários sobre história natural. Falando em cinema, o museu já apareceu em diversos sucessos de bilheteria, como A Lula e a Baleia e Uma Noite no Museu. Desde 2014, lá acontece a noite do pijama: uma espécie de festa noturna com visita guiada, banda ao vivo e apresentações especiais — além de uma chance incrível de dormir rodeado de esqueletos de baleias gigantes e animais raros. Para geek nenhum botar defeito. 

 

Dumbo

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Abreviação de “Down Under Manhattan Bridge Overpass”, a região fica debaixo do viaduto da ponte de Manhattan, no Brooklyn. Antes, Dumbo era uma área de fábricas e prédios industriais. Devido ao aluguel barato, o lugar costumava ser habitado por universitários e jovens artistas em ascensão. Mas, nos últimos 15 anos, Dumbo começou a ganhar novo status com a chegada de grandes empresas de tecnologia e multimarcas internacionais. Hoje, a região é uma das que mais crescem em Nova York. Jovens, artistas e universitários ainda circulam por lá, mas já não podem se dar ao luxo de morar nos prédios industriais que hoje funcionam como playgrounds para diretores e funcionários das maiores start-ups da Costa Leste. O pequeno bairro ainda tem uma vista sensacional de Manhattan. Dumbo também é o lugar perfeito para quem é fã de papelaria e livros “diferentes”. Por lá, as livrarias parecem parque de diversões para adultos. Destaque para The Penthouse Arenna, mistura de livraria, boutique, papelaria e galeria de arte e fotografia. 

 

Píer 45

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Em Nova York, assim como em qualquer grande metrópole, os lugares públicos são bastante disputados. Nos meses quentes, todo mundo procura um cantinho distante do barulho do dia a dia. Além da vista privilegiada do rio Hudson, no Píer 45 há opções de lazer para todos os gostos. Entre a primavera e o verão, o parque que rodeia o píer recebe festivais de música e gastronomia. Um ótimo lugar para caminhar, refletir, encontrar os amigos e apreciar a vista de New Jersey e do skyline de Manhattan. 

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

testeExiste amor em Cabul

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Cabul nos anos 1960. (Fonte)

Parece um tempo muito distante, mítico, irreal. Às vezes penso que o inventei. Mas não. Eu, Miriam, vivi numa era de minissaias e vestidos tubinho, cabelos bem arrumados e brincos, homens e mulheres sentados lado a lado nos ônibus sempre apinhados de Cabul. Uma cópia contrabandeada de Dr. Strangelove (Dr. Fantástico) de Kubrick, com um dos rolos faltando, para ser exibida em um cineclube. O homem que se apaixonou pela bomba. Era 1969. As possibilidades pareciam infinitas, mas não demoraria muito para que o Afeganistão logo vivesse seu próprio caso de amor com as bombas.

Pinto meu cabelo de vermelho desde que me lembro. Foi uma tradição que comecei e nunca mais larguei. Primeiro por gosto, depois como sinal de resistência. Era como se essa decisão tão trivial, tomada em 1967 — a de usar a hena com a qual os homens tingiam a barba para mudar meu cabelo e realçar o meu rosto —, fosse uma forma de me segurar ao passado. Hoje, com as  pernas cheias de varizes, reflexo de anos de trabalho em pé nessas joalherias de Manhattan, decidi voltar às origens.

Quando disseram que eu poderia mudar de nome, logo que cheguei, pedi algumas sugestões e decidi por Jones — afinal, Jennifer Jones era minha atriz favorita quando eu era menina. Tinha um fogo que as outras estrelas de cinema não conseguiam forjar, nem Grace Kelly nem Marilyn Monroe. Mas estou perdendo o fio da meada. Vou voltar para a minha terra. Quando disse ao rapaz da agência de viagens que queria comprar uma passagem para Cabul, ele não conseguiu esconder o espanto. “Por quê?”, perguntou. “Porque nasci lá.”

Não tenham pena de mim, juro que não foi nada mau. Sim, todos os problemas estavam lá. Mas havia rios e montanhas e também esperança. Um Parlamento que funcionava. Mulheres que votavam e que, justamente no ano em que completei 13 anos, ganharam direitos idênticos aos dos homens. Eu poderia ser o que quisesse: médica, advogada, deputada e até dona de casa. Pai e mãe sorriam. Como não tiveram filhos homens, estavam resolutos a dar tudo o que estivesse disponível no mundo para mim e para a pessoa mais linda que jamais vi, minha irmã Soraya.

Um jornalista britânico veio certa vez à nossa escola secundária para nos entrevistar, falar sobre o futuro do país. O Afeganistão, com uma boa dose de licença poética, foi descrito na revista como a “Paris do Oriente”. Dois anos depois, ingressei na Universidade de Cabul. Queria ser jornalista. A imprensa ainda não era exatamente livre, mas tudo indicava que um dia seria. Na loja de discos, as músicas que anunciavam um novo tempo chegavam com um pouco de atraso, de dois ou três anos. Foi lá que conheci Abbas. Ele me disse que essa espera era boa. Depurava o que era ruim. Assim, só precisávamos gastar nosso dinheiro com o que realmente viera para ficar.

À medida que os anos 1970 avançavam, no entanto, o nosso mundo andava para trás, no lugar de seguir adiante. Acho que nós, jovens e descuidados, fomos longe demais e despertamos a ira dos fundamentalistas. Eu trabalhava como fotógrafa e Abbas editava um jornal escrito em inglês. Reuniões políticas, bebida alcoólica e saias acima do joelho. Tudo o que antes estava às claras passou a ficar escondido, cada vez mais escondido, sem que nos déssemos conta. Envoltos pelo cotidiano, aceitamos quase tudo como normal. Abbas, Soraya e eu. De repente, tínhamos os três uma opção ou outra: ficar ou sair. Abbas decidira-se por Cabul, eu fui obrigada a deixar o país. Não digo que não tive alternativa, pesei todas as variáveis — medo, amor e compaixão, por Soraya e por meus pais — e segui o meu caminho.

Era 1978. De repente, vestidos curtos e cabelos vermelhos eram um pecado passível de punição máxima. Revoluções internas, intervenções externas. Tudo rápido demais, não havia mais tempo para observar a placidez do rio. Tudo era desespero, era preciso agir, fazer escolhas. Decisões de vida e morte em um só minuto, sem tempo de preparação. Sim e não. Casamento, filhos, pedras preciosas, viuvez, netos. Passou tanto tempo e só uma coisa não mudou: comprei a passagem ainda pensando em Abbas. Sei que é insano, mas é essa busca que me move. A procura por uma época em que existiu amor em Cabul.

testeAs entranhas do populismo econômico

Quando comecei a escrever Como matar a borboleta-azul, não imaginava que o livro e as reflexões que lá estão serviriam como referência para entender a onda de populismo que se alastra mundo afora. A era Dilma ficará para sempre marcada como mais uma tentativa fracassada do “populismo econômico” na América Latina, mas não apenas isso. Servirá, por exemplo, para compreender as consequências e alertar para os perigos do populismo econômico que pode vir a ser característica da era Trump. Populismo econômico, afinal, não é invencionice latino-americana, tampouco está restrito a “de esquerda” ou “de direita”.

Em livro clássico publicado em 1991, os renomados economistas Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards desenvolveram o conceito do populismo econômico baseado nas experiências latino-americanas dos anos 1980. O livro, intitulado The Macroeconomics of Populism in Latin America, é uma coletânea de artigos que retratam casos de diversos países, porém conta com uma apresentação primorosa dos autores, em que definem com clareza os princípios das políticas populistas.

 

Características:

  1. Condições iniciais – O populismo econômico surge de insatisfação generalizada da população com os rumos da economia. Na raiz desse sentimento está a desigualdade da distribuição de renda, que cria atritos políticos e socioeconômicos, induzindo à ideia de que é possível fazer melhor com medidas radicalmente diferentes.
  2. Sem amarras – No populismo econômico não há restrições: o governo pode gastar o que for preciso para melhorar a vida das pessoas. O argumento é que, ao induzir o crescimento, não há o que temer. Déficits não explodirão, a inflação não sairá do controle e o governo não haverá de quebrar.
  3. Políticas econômicas – Todas têm por objetivo reativar a economia, reestruturá-la e distribuir renda. Tudo pelo emprego, tudo pelos salários, ainda que se tenha de intervir no funcionamento dos mercados — essa é a reestruturação resultante.

 

Fases:

  1. Glória e reivindicação – Uma vez posto em prática, o populismo econômico gera crescimento, empregos e renda, glorificando seus proponentes e destituindo seus opositores.
  2. Sinais de alerta – As políticas começam a dar sinais de desgaste. O crescimento cai, a inflação sobe, a população começa a ficar inquieta com os efeitos percebidos no cotidiano: a queda na qualidade de vida. Nessa fase, o governo normalmente redobra a aposta no populismo econômico.
  3. Desarranjo – Os desarranjos da segunda fase ficam mais evidentes. Déficits fora de controle e a alta contínua da inflação levam o governo a adotar medidas cada vez mais disparatadas, piorando os desequilíbrios.
  4. Colapso – A economia entra em recessão, o emprego encolhe, os salários caem, déficits e dívidas explodem. Aumenta a turbulência política, muitas vezes resultando na queda de governos.
  5. Ajuste – O colapso requer doloroso processo de ajuste, em que as perdas ficam evidentes, a desigualdade de renda aumenta devido aos desarranjos anteriores e a insatisfação popular cresce continuamente. O agravamento das tensões políticas e sociais pode desaguar no recrudescimento das condições que levaram ao populismo econômico. Ou seja, é comum que o populismo econômico clame por mais populismo econômico, reiniciando o ciclo.

 

Como matar a borboleta-azul está estruturado exatamente dessa forma, e não por acaso. A lição é que a redistribuição de renda populista se dá mais para aqueles que têm poder político e econômico do que para os realmente necessitados. Foi assim no Brasil, poderá vir a ser assim nos Estados Unidos de Trump.

testeDicas de livros para presentear no Natal

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Qualquer leitor apaixonado concorda que livros são um dos melhores presentes de Natal. Para ajudar aqueles que resolvem tudo em cima da hora, preparamos uma lista com dicas de presentes para diferentes gostos e idades.

Confira a lista:

Para os que gostam de histórias emocionantes sobre amizade:

Extraordinário: O livro conta a história de Auggie Pullman, um garoto que tem uma deformidade facial e que vai frequentar escola pela primeira vez. Com momentos ora comoventes, ora descontraídos, a obra retrata o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos à sua volta, desde a família, os amigos e até a comunidade.

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Para o presente ficar ainda mais completo, sugerimos também Diário extraordinário, um lindo caderno ilustrado que traz frases inspiradoras de pessoas célebres e de personagens de Extraordinário

O livro está sendo adaptado para os cinemas e terá Julia Roberts, Jacob Tremblay, Owen Wilson e Sonia Braga no elenco.

Para os que curtem biografia:

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 Enquanto houver champanhe, há esperança: Escrito pelo jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, o livro narra a vida do jornalista Zózimo Barrozo do Amaral, que trabalhou entre 1969 e 1997 nos dois principais jornais cariocas da época, Jornal do Brasil e O Globo, e mudou a forma de fazer colunismo social, usando notas curtas e incluindo a política, entre outros temas, como conteúdo.

Para os românticos:

Os românticos têm o que comemorar: esse ano só deu Jojo Moyes! Acompanhamos a estreia da adaptação de Como eu era antes de você nos cinemas e publicamos mais cinco livros da autora. O som do amor, o mais recente, acompanha o casal Matt e Laura McCarthy, que estão obcecados em herdar a Casa Espanhola – uma construção malcuidada e quase em ruínas, propriedade do Sr. Pottisworth. Entretanto, quem acaba herdando a casa é uma parente distante, Isabel Delancey.

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Primeiro violino na Orquestra Sinfônica de Londres, Isabel tinha uma vida tranquila com seus dois filhos e o marido, mas tudo virou de cabeça para baixo quando ele morreu em um acidente de carro e deixou uma grande dívida. Sua única oportunidade de recomeço é fincar moradia na Casa Espanhola — algo que o casal McCarthy vai tentar impedir a qualquer custo.

Para os que vivem enrolados com algum relacionamento:

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Não se enrola, não: Na sequência de Não se iluda, não, Isabela dá os primeiros passos na vida adulta, muda-se para São Paulo, consegue um emprego e começa um relacionamento sem nome definido com Pedro Miller. 

Para os que curtem thrillers:

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Depois de seis anos sem lançar nenhum livro inédito, A química marca o retorno de Stephenie Meyer. A obra conta a história de uma ex-agente especial do governo que vive fugindo de seus antigos empregadores e agora precisa aceitar um novo trabalho para limpar seu nome e salvar a própria vida.

Para os que gostam de HQ:

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Nimona é uma graphic novel divertida e fora dos padrões. É protagonizada pela anti-heroína mais surpreendente, uma metamorfa sem limites nem papas na língua, cujo maior sonho é ser comparsa de Lorde Ballister Coração-Negro, o maior vilão que já existiu.

Para os que adoram registrar memórias:

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Uma pergunta por dia: Um ótimo presente para fim de ano!  Lindo, para ficar do lado da cabeceira da cama ou destacado na estante! Em cada página há espaço para cinco respostas, uma por ano, ao longo de cinco anos. Com o passar do tempo, quando voltar a um dia já anotado, o dono do diário poderá encontrar seus pensamentos anteriores, num exercício divertido e construtivo de recordar e refletir.

Para os que gostam de vinho:

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O guia essencial do vinho: Wine Folly é um ótimo presente para os amantes da bebida ou para aqueles que querem conhecer melhor o universo do vinho. O livro reúne explicações claras e acessíveis sobre os diferentes tipos de uva, harmonização e muito mais!

Para os que curtem ficção científica:

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História da sua vida e outros contos: A coletânea, que inclui o conto que inspirou o filme A Chegada, é a primeira obra de Ted Chiang publicada no Brasil. Considerado um ícone da ficção científica, Chiang aborda nos oito textos reunidos na obra como as relações humanas são afetadas pela ciência.

testeTony & Susan: o clássico perdido

Por João Lourenço*

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Amy Adams em Animais Noturnos

No mundo da ficção, nada me dá mais prazer do que desvendar a obra de um autor desconhecido. O sentimento de descoberta é contagiante: atire a primeira pedra quem nunca se apaixonou por um autor de quem ninguém (ou quase ninguém) ouviu falar e, em seguida, saiu recomendando a obra para os amigos. 

Em um tempo em que todos parecem consumir as mesmas informações, nada supera a sensação de encontrar um clássico perdido — um livro para chamar de seu. E foi essa a experiência que tive com Austin Wright, autor de Tony & Susan.

Há alguns anos, uma amiga me deu de presente o livro. O título chamou atenção, mas foi o retrato do autor na orelha que me fisgou. Curioso em saber quem era aquele homem de aparência séria e olhar distante, fui atrás de mais informações antes de começar a leitura. Para minha decepção, não encontrei nada muito interessante ao digitar Austin Wright nos sites de pesquisa. Nenhuma aparição na TV ou perfil nas redes sociais —  nem entrevista em revistas literárias. Aceitei que a melhor forma de tentar desvendar o mistério em volta do autor seria por meio da leitura de Tony & Susan, e é desafiador explicar a trama de um livro cheio de reviravoltas sem estragar o elemento surpresa. Mas vamos lá. 

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Antes de mais nada, Tony & Susan é um livro dentro de outro livro. Após mais de 20 anos sem comunicação, Susan recebe um pacote misterioso do ex-marido. Trata-se de Animais noturnos, manuscrito do primeiro romance de Edward. Ele deseja a sincera opinião de Susan, que sempre fora a sua melhor crítica.

Conduzidos por Susan, somos convidados a ler o manuscrito. Já nas primeiras páginas, ela é atraída pela vida de Tony Hastings, professor de matemática que atravessa o país de carro com a mulher e a filha. Seguindo para a casa de verão, Tony cai em uma armadilha e é obrigado a parar o carro em uma estrada escura e deserta. Ao acompanhar o terror vivido por Tony e sua família, Susan (e nós, leitores) mergulha em uma história de violência, vingança e redenção.

A leitura de Animais noturnos obriga Susan a encarar o passado obscuro que deixou para trás. Tony & Susan é um constante lembrete de que a vida que conhecemos pode desaparecer em um piscar de olhos. 

Estruturado com maestria, a obra intercala os capítulos entre a vida pacata e suburbana de Susan e a sombria trajetória de Tony. Além de nos fazer percorrer as dúvidas e arrependimentos do seu passado, Susan também é uma “guia de leitura”. É por meio da visão dela que o leitor embarca na narrativa de Animais noturnos, mas o mais legal é que as observações de Susan não influenciam a nossa própria leitura. Ao contrário: apenas nos deixam mais atentos e curiosos. Em Tony & Susan, até os personagens secundários possuem ricos detalhes, e cada um deles poderia render outro livro. É uma obra que mistura gêneros e emoções distintas. 

Tony & Susan se destaca por apresentar pessoas, medos e situações próximos da realidade — o que torna tudo ainda mais assustador.

imagem-cena-copiaCena de Animais Noturnos

Ao terminar a leitura, fiquei ainda mais curioso sobre a vida do autor. Elena Ferrante que me perdoe, mas preciso de certa proximidade com os autores que admiro. Mas, novamente, não obtive muito sucesso. Tudo que há sobre Austin Wright são suposições e pequenos dados biográficos.

Wright nasceu em 1922 e se dedicou à carreira acadêmica. Por mais de 20 anos, foi professor de literatura americana na Universidade de Cincinnatti — sua especialidade era William Faulkner. Tony & Susan é o quarto livro de Austin. Ele escreveu sete romances, além de diversos artigos de crítica literária. Foi reverenciado por pessoas como George Plimpton (fundador e editor da revista Paris Review), e, devido aos quebra-cabeças da narrativa e invenções linguísticas do autor, alguns críticos americanos o comparavam à James Joyce. 

Na época do lançamento de Tony & Susan, em 1993, o escritor Saul Bellow disse: “Brilhantemente escrito. A última coisa que você espera em uma história de sangue e vingança.” Embora sejam admirados por crítica e público, os livros de Austin Wright ficaram perdidos no tempo. Ele recebeu propostas de grandes editoras, mas optou em publicar por editoras pequenas.

Até recentemente era raro encontrar um exemplar de Tony & Susan. O título ganhou reedição americana e inglesa em 2010, vendeu bem e atraiu novos leitores, como o estilista e diretor Tom Ford. Os direitos para a adaptação cinematográfica de Tony & Susan foram adquiridos em um leilão por 20 milhões de dólares. O longa, intitulado Animais Noturnos, tem estreia no Brasil em 29 de dezembro. No elenco, os atores Jake Gyllenhaal e Amy Adams interpretam Tony e Susan. O filme já está fazendo sucesso: levou o prêmio da crítica em Veneza e foi comparado aos thrillers de Alfred Hitchcock.  

Às vésperas da estreia do filme, Tony & Susan está sendo reeditado ao redor do mundo — e, em alguns lugares, lançado pela primeira vez. Mas Austin Wright não vai ter a chance de presenciar o seu sucesso. O autor morreu em 2003 de causa desconhecida. 

Austin Wright sempre foi obcecado pela conexão entre o real e o fictício, e nada melhor do que Tony & Susan para nos ensinar que nós somos coautores dos livros que lemos.

  

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

testeDicas para harmonizar diferentes tipos de vinhos com pratos especiais

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O mundo dos vinhos parece complicado, mas algumas noções básicas podem deixar a experiência muito mais saborosa e divertida. Aprender como combinar as características do vinho com as dos alimentos, conhecer a região produtora ou saber o melhor jeito de servir são algumas das informações que facilitam a nossa vida.

O guia essencial do vinho: Wine Folly é um bom caminho para aqueles que querem encarar o desafio de entrar nesse universo. Com gráficos e explicações simples, o livro reúne informações que farão até o mais perdido saber escolher um bom vinho na prateleira do supermercado ou em um restaurante.

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Confira algumas informações selecionadas no livro:

Cabernet Sauvignon — Originária da região de Bordeaux, na França, é a uva mais cultivada no mundo. Além da França, é também produzida em países como Chile, Estados Unidos, Austrália, Espanha, China, Argentina, Itália e África do Sul. O aroma típico lembra cereja-negra, cassis, pimentão, especiarias e cedro.

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É um tipo de vinho tinto encorpado, que combina com carne vermelha, brusquetas, molho madeira, risotos e pratos com molho à bolonhesa.  No Brasil, o preço médio das garrafas fica entre R$ 60 e R$ 100.

Malbec — É uma uva original do sudoeste da França, mas é a Argentina que produz os melhores vinhos. A altitude é um indicador-chave para a qualidade do Malbec, por isso a maioria vem da província de Mendoza. Os aromas dominantes são ameixa, mirtilo, baunilha e cacau. Combina com um bom churrasco no estilo argentino!

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Champagne — Símbolo de celebrações de fim de ano e de ocasiões importantes, o Champagne é o tipo de vinho mais famoso entre os espumantes. Harmoniza bem com frutos do mar, salmão, lagosta, camarão, carnes brancas, canapés e até rabanadas!

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Merlot — Em testes cegos, os vinhos Merlot são confudidos muitas vezes com Cabernet Sauvignon. Apesar de terem uvas parecidas, o Merlot é suave e tem uma característica mais macia no paladar. Seus aromas lembram framboesa, cereja-negra, fruta cristalizada, chocolate e cedro.

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É cultivada em países como França, Estados Unidos, Espanha, Itália, Romênia, Bulgária, Chile, Austrália e em outros lugares.

Rosé — Leve e com sabor agradável, o vinho rosé é produzido, principalmente, na França, na Itália, nos Estados Unidos e na Espanha. Perfeito para os dias de verão, o vinho deve ser servido em uma temperatura entre 8º e 11ºC.

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Os aromas dominantes são morango, melão, pétala de rosa, aipo e casca de laranja. Ideal para comer com queijos delicados, peixes, frutos do mar, comida japonesa e paellas. Um dado curioso: o rosé representa 9% de toda a produção mundial de vinho.

testeQuando o Rio era uma festa

Alain Delon

O ator francês Alain Delon na boate Regine’s (Fonte)

Zózimo Barrozo do Amaral gostava de música, com exceção da lambada (“já dançou?”, perguntou alguém numa nota, enquanto o outro respondia, “só na horizontal”). A minha biografia sobre ele, Enquanto houver champanhe, há esperança, está recheada de referências musicais.

A primeira de todas é “Cadê Zazá”, sucesso do Carnaval dos anos 1940, mas que na história de Zózimo não vem carregada de humor e alegria, como seria de supor pela letra divertida — ela aparece para ilustrar um dos dramas da família Barrozo do Amaral, um clã de muitos sucessos, mas também algumas decepções. Na adolescência, nos anos 1950, Zózimo ouvia canções francesas dramáticas. Quando passou por uma desilusão amorosa, ficou dias seguidos ouvindo Charles Trenet cantando “Que reste-t-il de nos amours”. Na virada para a década de 1960, durante uma temporada em Paris, aprendeu, antes dos brasileiros, a dançar o twist — e quando voltou ao país tornou-se um campeão no ritmo, ganhando até mesmo um concurso de dança no programa “Hoje é dia de rock”, da TV Rio.

A partir dos anos 1970, vamos encontrar Zózimo e a sociedade carioca festejando a vida sob os globos de espelhos das discotecas. Primeiro foi a Hippopotamus, depois a Regine’s — e Zózimo costumava ser um dos primeiros a entrar na pista. Ele também frequentou a cena disco internacional. Ia ao Studio 54, a célebre casa de Nova York que, entre tantos escândalos, nem reparou quando o produtor de discos Ezequiel Neves, futuro namorado de Cazuza, cheirou uma carreira de cocaína nas costas do vestido decotado de Liz Taylor.

Sobre esse período, de muito sexo, drogas e rock and roll, preparei uma trilha sonora com os hits que Zózimo e sua turma dançavam nas noites do Rio. Os DJs eram pioneiros, como Ademir, Monsieur Limá, Big Boy, Pelé e Amândio. As casas eram, além de Hippopotamus e Regine’s, templos da diversão, como New York City Discotheque, Le Bateau, Sótão e Papagaio. Zózimo passava por todas. Em algumas podia até buscar notícia, mas, homem da noite, de espírito livre, estava sempre atrás de diversão. A música não só balançava o corpo, como era de ótima qualidade. Ouve só.