Por Nina Lopes*
Vinte e quatro horas de viagem. Três escalas. Um enorme formulário on-line para tirar o visto. Vacina para febre amarela. Tubarões, água-viva com ferrão e aranhas venenosas por toda parte. Não é fácil viajar para a Austrália. Mas eu fui, cheguei no dia mais quente do século e quase não consegui respirar na rua. Superado esse momento, finalmente comecei a aproveitar minhas férias. Depois das atrações turísticas tradicionais, que incluem Sydney Harbour, Opera House e Praia de Bondi, chegou a hora de partir para as verdadeiras aventuras e também visitar a Nova Zelândia, afinal não é sempre que estamos na Oceania.
O que eu não sabia na época era que essa viagem estava me apresentando um cenário que eu reencontraria mais tarde em alguns dos melhores livros em que trabalhei na Intrínseca: Baía da Esperança, de Jojo Moyes, e Pequenas grandes mentiras, da australiana Liane Moriarty. São duas histórias emocionantes que se passam na Austrália, sobre famílias fortes que guardam segredos, enfrentam obstáculos e sofrem reviravoltas, mas que conseguem vencer as dificuldades enquanto comem belas fatias de pavlova, porque ninguém é de ferro.
Para quem não sabe o que é pavlova, eu explico: é uma sobremesa tradicional desses países, que as famílias preparam em datas importantes como aniversário e Natal. Eu comi numa fazenda no interior da Nova Zelândia e só depois descobri sua popularidade. Esse doce está sempre presente nas histórias da Liane Moriarty, que retratam tão bem as rotinas das famílias australianas a ponto de dar ao leitor a impressão de fazer parte de uma. O único problema é que sempre acabo lendo essas cenas na hora do lanche da tarde e fico com uma vontade tremenda de comer aquela casquinha crocante, com frutas, creme e merengue. (Alô, vovó, que tal fazer uma pavlova no próximo Natal? Obrigada.)
E não dá para falar de comida típica sem esquecer o tradicional Vegemite, que também costuma ser muito citado nas histórias que se passam na Austrália. Lembro que uma colega de trabalho, ao ler a prova de um desses livros, falou: “O que é Vegemite? Acho melhor inserirmos uma explicação.” Mas seria o equivalente a perguntar a um brasileiro o que é requeijão. Vegemite é uma pasta de levedura, muito (mas muito) salgada, escura feito graxa, que os australianos e neozelandeses amam. E só eles, porque esse negócio é muito esquisito. (Quem sabe fique mais popular e dispense explicações agora que Miley Cyrus fez uma tatuagem de Vegemite no braço.) E para finalizar a parte gastronômica do texto não dá para deixar de lado a carne de canguru. Esse animal não tem predador na Austrália, então o próprio governo estimula o consumo da carne. Mas recomendo que comam antes de interagir com algum canguru ou vão ficar com pena e desistir de provar essa iguaria.
Não vi nenhum tubarão, água-viva ou aranha, mas essa viagem oferece a oportunidade de interagir com outros animais exóticos. Por exemplo, preste atenção em qualquer pedra perto do mar na Nova Zelândia porque certamente terá um leão-marinho tomando sol. Se alguma foca resolver te dar um beijo, prepare-se para sentir cosquinha com aqueles bigodões. E uma verdade talvez um pouco chocante: coalas fedem. São muito fofos, muito lindos, mas têm um cheiro característico nada agradável. Por isso não repare se o sorriso dos turistas nas fotos sair meio amarelo: eles estão prendendo a respiração nesse momento, pode acreditar.
Mas voltando aos livros, em Baía da Esperança, a personagem principal da história, Liza McCullen, ganha a vida levando os turistas da região fictícia de Silver Bay, na Austrália, para observar golfinhos e baleias. E a filha dela, Hannah, é apaixonada pelos animais e sonha em interagir mais de perto com eles. Silver Bay me lembrou muito de Kaikoura, na Nova Zelândia, uma pequena cidade na ilha sul que também tem como principal atividade o passeio de barcos para observar golfinhos, focas e baleias. E como os turistas não são bobos e têm o mesmo desejo da Hannah, também é possível mergulhar com os golfinhos selvagens. Então lá fomos nós entrar num barquinho que não parava de balançar enquanto enfrentava as ondas e seguia para alto-mar. Mergulhamos numa água congelante e logo fomos rodeados por inúmeros golfinhos que nadavam, brincavam e pulavam. E ainda era preciso fazer barulhos, porque isso atrai os animais na sua direção. Pelo menos era embaixo d’água e ninguém nos via pagando esse mico.
Saí da Nova Zelândia e fui direto para Cairns, no norte da Austrália, conhecer a tão sonhada Grande Barreira de Corais (afinal, quem viu Procurando Nemo e não sonha em ir lá?), mas São Pedro não quis colaborar e eu cheguei bem no início da temporada de tempestades. Como deu tudo errado, decidi voltar para Sydney e dirigir até Coffs Harbour (um grande destino de férias no país, segundo Jojo Moyes), onde mergulhei com golfinhos resgatados para curar minha tristeza por não ter conhecido Dory e seus amigos. Mas a estrada até lá não era permeada por lanchonetes e postos de gasolina como no Brasil, só havia floresta em volta e algumas placas com desenhos de bichinhos, que eu considerava um detalhe fofo até entender que nesses locais era preciso reduzir a velocidade, pois as placas demarcavam os habitats dos animais. E eu só descobri isso quando de repente, numa estrada vazia no meio da noite, dois cangurus gigantescos passaram tranquilamente bem na frente do nosso carro. Então, dica valiosa: placas com desenhos bonitinhos significam “diminua a velocidade e não morra atropelado pelos bichos”.
Colecionei inúmeros momentos inesquecíveis nessa viagem e é justamente isso que os livros proporcionam: conhecimento, cultura e histórias memoráveis. Viajar é uma das melhores coisas da vida. Ler também. E depois de ir até o outro lado do mundo e voltar, de uma coisa eu tenho certeza: Jojo Moyes e Liane Moriarty são duas das melhores autoras da atualidade, que ambientam suas histórias num dos lugares mais fantásticos do planeta, nos permitem descobrir um novo mundo e, o melhor, nos identificar com ele. E ainda nos proporcionam a chance de vivenciar tudo isso sem ter que entrar no mar gelado para ver golfinhos ou correr o risco de ser atropelado por cangurus selvagens. Só vi vantagens.
*Nina Lopes é editora assistente no setor de ficção da Editora Intrínseca e é dessas que se apaixonam pelos personagens dos livros que lê.
Muito bom.