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Mais estranho que a ficção ou a inverossímil Chicago do século XIX

10 / agosto / 2016

Por Bernardo Barbosa*

Panorama da feira mundial de Chicago de 1893

Panorama da feira mundial de Chicago de 1893 (Fonte: Library of Congress, Washington, D.C.)

Esta é a história de uma cidade que, em busca de afirmação diante do resto do mundo, assume a responsabilidade de fazer um evento internacional de proporções gigantescas, correndo contra o tempo e gastando caminhões de dinheiro. Poderia ser o Rio de Janeiro de 2016, mas é a Chicago do fim do século XIX. Tal saga é só parte do viciante O demônio na Cidade Branca, livro de Erik Larson que a Intrínseca relança no Brasil.

frente_Devil white city.inddOs paralelos com o Rio olímpico param por aí, mas nem por isso estamos falando de uma trama que, mesmo distante no tempo e no espaço, está longe de nós. Afinal, trata-se de uma obra sobre sonhos, ambições, loucuras, crueldades; coisas que mexem com a cabeça das pessoas desde que o mundo é mundo, e que foram o combustível dos casos apresentados no livro. Para balançar ainda mais o leitor, são todas incrivelmente reais.

A história de O demônio na Cidade Branca, na verdade, são duas. Uma é a construção da grande feira mundial de Chicago de 1893, idealizada para comemorar os 400 anos da chegada de Cristóvão Colombo à América; a outra é a de H. H. Holmes, talvez um dos maiores e mais violentos assassinos que o mundo já conheceu. Juntas, elas mostram do que o ser humano é capaz, para o mal e para o bem.

Começando pela parte boa: a Chicago que hoje é conhecida por seus arranha-céus e parques tem origem, sobretudo, nas mesmas mentes que imaginaram a feira mundial de 1893. Alguns de seus criadores, como Louis Sullivan e Daniel Burnham, entraram para a história da arquitetura em grande parte devido ao que fizeram pelo evento. E esses caras não pensavam pequeno.

predio do governo

Prédio do governo dos Estados Unidos na feira mundial de Chicago (Fonte: Library of Congress, Washington, D.C.)

É preciso lembrar que, naquele momento, os Estados Unidos viviam a chamada Era Dourada. Após saírem vencedores da Guerra de Secessão, os norte-americanos viviam um ambiente de prosperidade e otimismo, com dinheiro correndo solto e avanços culturais, tecnológicos e sociais sendo estimulados.

Do outro lado do Atlântico, em clima parecido, a França fervia com sua Belle Époque. Em 1889, Paris sediou a Exposição Universal, “uma feira mundial tão grande, glamourosa e exótica que os visitantes iam embora achando que nenhuma outra jamais seria capaz de superá-la”, escreve Larson. Para o evento, foi erguida nada menos que a torre Eiffel.

Os americanos não queriam tardar em sua resposta, e Chicago viu na feira mundial uma chance não só de se reerguer após o grande incêndio de 1871, como de esfregar na cara dos pedantes nova-iorquinos que poderia, sim, fazer uma exposição bem-sucedida e sem precedentes.

roda gigante

Roda-gigante, projetada por George Washington Gale Ferris (Fonte: Library of Congress, Washington, D.C.)

Aos trancos e barrancos, Chicago ergueu a sua “Cidade Branca”, assim chamada por causa da cor de seus imensos pavilhões. Lá, fez o mundo caber em 2,4 km², uma área equivalente ao dobro do Aterro do Flamengo, na zona sul carioca. Ao longo de seis meses, foram 27,5 milhões de visitas, numa época em que os Estados Unidos tinham 65 milhões de habitantes. Para fazer frente à torre Eiffel, a feira de 1893 mostrou ao mundo a inédita roda-gigante, com 76 metros de diâmetro e capacidade para mais de 2 mil pessoas.

Gigantes eram a roda, o público, a feira; gigantes também eram a frieza, a loucura e a crueldade de Herman Webster Mudgett — ou, como ficou conhecido, Henry Howard Holmes. Ele se formou médico e foi homem de negócios, mas usou seus conhecimentos nos dois ramos para se tornar um assassino e um golpista como poucos.

O que Holmes executou na vida real faria corar vilões da ficção. Sua sede de sangue o fez chegar ao ponto de, aproveitando o fluxo imenso de pessoas para a feira mundial, manter um hotel nas redondezas da Cidade Branca apenas para atrair vítimas. Com todos os olhos voltados para o evento, apenas tardiamente a polícia de Chicago se deu conta do que estava acontecendo sob seu nariz. Holmes confessou 27 assassinatos, mas até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas ele matou — há quem diga que o número seja muito maior, chegando na casa de 200 mortos.

Dr._Henry_Howard_Holmes_(Herman_Webster_Mudgett)H. Holmes (Fonte: Wikipedia)

Em O demônio na Cidade Branca, toda essa impressionante história real é fartamente documentada e anda em ritmo de thriller, numa prova da habilidade de Erik Larson como escritor e pesquisador. As notas sobre fontes e a bibliografia são testemunho do seu empenho, e os cinco anos nas listas de mais vendidos do jornal The New York Times são indicador da excelência do resultado.

Com a tradução do livro, deve crescer a expectativa no Brasil para a adaptação da obra para o cinema. Leonardo DiCaprio detém os direitos desde 2010, e voltou a se unir com Martin Scorsese para o projeto. Empacado há alguns anos, o filme agora é esperado para o ano que vem.

exibição de Circo

Exibição de circo durante a feira mundial de Chicago (Fonte: Library of Congress, Washington, D.C.)

 

>> Leia um trecho de O demônio na Cidade Branca

 

Bernardo Barbosa é jornalista, com passagens por O Globo e Agência Efe. Gostaria de ver o Aterro do Flamengo tomado por qualquer feira que tenha o maior número de barracas de comida por país.

Comentários

Uma resposta para “Mais estranho que a ficção ou a inverossímil Chicago do século XIX

  1. Fiquei encantada com a reportagem me ganhou como leitora, vou comprar o livro e esperarei o filme com entusiasmo.

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