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Impactante conto de Gillian Flynn, O adulto chega às livrarias em 18 de julho!

8 / julho / 2016

O adulto img

Famosa por suas personagens femininas fortes, Gillian Flynn homenageia as clássicas histórias de terror em um conto premiado com o Edgar Award: O adulto.

Escrito a pedido de George R. R. Martin e publicado pela primeira vez em uma antologia organizada pelo autor, O adulto conta a história de uma jovem que ganha a vida praticando pequenas fraudes.

Seu principal talento é a capacidade de dizer às pessoas exatamente o que elas querem ouvir, e sua mais recente ocupação consiste em se passar por vidente, oferecendo o serviço de leitura de aura para donas de casa ricas e tristes. Certo dia, ela atende Susan Burke, que se mudou há pouco tempo para a cidade com o marido, o filho pequeno e o enteado adolescente. Experiente observadora do comportamento humano, a falsa sensitiva logo enxerga em Susan uma mulher desesperada por injetar um pouco de emoção em sua vida monótona e planeja tirar vantagem da situação.

No entanto, quando visita a impressionante mansão dos Burke, que Susan acredita ser a causa de seus problemas, e se depara com acontecimentos aterrorizantes, a jovem se convence de que há algo tenebroso à espreita. Agora, ela precisa descobrir onde o mal se esconde, e como escapar dele. Se é que há alguma chance.

Em seu estilo inconfundível que arrebatou milhares de fãs, Gillian Flynn traça surpreendentes e intrigantes perfis psicológicos dos personagens e tece uma narrativa repleta de suspense ao mesmo tempo em que brinca com elementos clássicos do sobrenatural.

Leia um trecho do conto abaixo, ou clicando aqui.

 

“Eu não parei de bater punheta para os outros por não ser boa. Parei de bater punheta por ser a melhor.

Durante três anos, bati a melhor punheta da região metropolitana. O segredo é não pensar demais. Se você começa a se preocupar com técnica, se começa a analisar ritmo e pressão, perde a natureza essencial do ato. Você tem que se preparar mentalmente de antemão, e depois parar de pensar e deixar o corpo assumir o controle.

Basicamente, é como uma tacada de golfe.

Eu batia para os homens seis dias por semana, oito horas por dia, com uma pausa para o almoço, e estava sempre com a agenda lotada. Tirava duas semanas de férias por ano e nunca trabalhava nos feriados, porque punhetas de feriado são deprimentes para todo mundo. Avalio que, ao longo de três anos, tenha chegado a 23.546 punhetas. Então não leve a sério aquela piranha da Shardelle quando ela diz que eu parei por não ter talento.

Eu parei porque quando você bate 23.546 punhetas em um período de três anos a síndrome do túnel do carpo se torna algo muito real.

Cheguei à minha ocupação de modo honesto. Talvez “natural” seja uma palavra melhor. Nunca fi z nada muito honestamente na vida. Fui criada na cidade por uma mãe caolha (a frase de abertura das minhas memó- rias), e ela não era uma senhora legal. Não tinha problemas com drogas nem com bebida, mas tinha problemas com trabalho. Era a pessoa mais preguiçosa que já conheci. Duas vezes por semana íamos para as ruas do centro da cidade pedir esmolas. Mas como minha mãe odiava fi car de pé, fazia tudo aquilo de forma estratégica. Conseguir o máximo de dinheiro no menor tempo possível, depois ir para casa, comer bolo mesclado de chocolate com baunilha e assistir a reality shows de tribunal na TV, sentadas em meio às manchas de nosso colchão detonado. (É a principal lembrança que tenho da infância: manchas. Não sei dizer a cor dos olhos da minha mãe, mas sei que a mancha no tapete felpudo era marrom-escura como sopa, que as manchas no teto eram de um laranja queimado e as na parede, de um vibrante amarelo-mijo de ressaca.)

Minha mãe e eu nos vestíamos de modo apropriado. Ela usava um belo vestido de algodão desbotado, puído, mas que bradava decência. Colocava em mim qualquer coisa que já não me coubesse mais. Sentávamos em um banco e escolhíamos as pessoas certas a quem pedir. É um esquema bastante simples. A primeira escolha é o ônibus de alguma igreja de fora da cidade. As pessoas das igrejas locais simplesmente mandam você ir até a igreja. Sendo de fora, elas em geral se veem obrigadas a ajudar, sobretudo se quem pede é uma senhora caolha com uma criança de rosto triste. A segunda escolha são as mulheres em duplas. (Mulheres sozinhas conseguem ir embora rápido demais; um grupo de mulheres é difícil demais de ser abordado.) A terceira escolha é a mulher sozinha com expressão receptiva. Você sabe como é: a mesma mulher que você aborda para perguntar como se chega a algum lugar ou checar as horas, é essa a mulher a quem pedíamos dinheiro. Também os homens jovens com barba ou violão. Não aborde homens de terno. O clichê é verdadeiro: são todos babacas. Também deixe passar os de anel no polegar. Não sei por quê, mas homens que usam anel no polegar nunca ajudam.

Os escolhidos? Não os chamávamos de alvos, presas ou vítimas. Nós os chamávamos de Tony, porque meu pai se chamava Tony, e ele nunca conseguia dizer não a ninguém (embora eu suponha que tenha dito não à minha mãe pelo menos uma vez, quando ela pediu que ele ficasse).

Assim que você aborda um Tony, consegue descobrir em dois segundos como pedir. Alguns querem que termine rápido, feito um assalto. Você solta um “Precisamosdedinheiropracomertemumtrocado?”. Há quem queira se deleitar com sua desgraça. Só lhe darão dinheiro se você lhes oferecer algo que os faça se sentir melhor, e quanto mais triste sua história, melhor eles se sentem por ajudar, e mais dinheiro você consegue. Eu não os culpo. Se você vai ao teatro, quer que lhe apresentem um espetáculo.

Minha mãe foi criada em uma fazenda no sul do estado. A mãe morreu no parto; o pai plantava soja e cuidava dela quando não estava exausto demais. Ela veio para cá fazer faculdade, mas o pai teve câncer, a fazenda foi vendida, o dinheiro acabou e ela precisou largar os estudos. Trabalhou como garçonete por três anos, mas então veio a menininha, o pai da menininha foi embora, e quando se deu conta… ela era um deles. Uma carente. Não se orgulhava disso…

Você já entendeu. Isso era só para começar a cena. Daí continua. Dá para dizer rápido se a pessoa quer uma narrativa de bravura e superação. Nesse caso, eu de repente era uma aluna-modelo em uma escola pública distante (eu era, mas a verdade não é o que importa), e mamãe só precisava do dinheiro da gasolina para me levar lá (eu na verdade pegava três ônibus sozinha). Ou, se a pessoa quisesse uma história sobre o maldito sistema, nesse caso eu era imediatamente afligida por alguma doença rara (batizada com o nome de qualquer que fosse o babaca que minha mãe estivesse namorando — síndrome de Todd-Tychon, mal de Gregory-Fisher), e as despesas com cuidados médicos tinham nos levado à falência.

Minha mãe era esperta, mas preguiçosa. Eu era muito mais ambiciosa. Tinha muita disposição e nenhum orgulho.  Aos treze anos, ganhava dela nas esmolas em centenas de dólares por dia, e aos dezesseis havia deixado para trás minha mãe, as manchas e a TV — e, sim, o ensino médio — e ido morar sozinha. Eu saía toda manhã e mendigava por seis horas. Sabia quem abordar e precisamente o que dizer, no tempo exato. Nunca sentia vergonha. Era uma simples transação comercial: você fazia com que uma pessoa se sentisse bem, e ela lhe dava dinheiro.

Então, dá para entender como toda a coisa da punheta pareceu uma evolução profi ssional natural.

A Mãos Espirituais (não fui eu que batizei o lugar, não me culpe) fi cava em um bairro chique a oeste do centro. Cartas de tarô e bolas de cristal na frente, leves serviços sexuais ilegais nos fundos. Eu tinha respondido a um anúncio de recepcionista. Acabou que “recepcionista” signifi cava “prostituta”. Minha chefe, Viveca, é ex-recepcionista e atual leitora de mãos legí- tima. (Embora Viveca não seja seu nome legítimo; seu nome legítimo é Jennifer, mas as pessoas não acreditam que Jennifers consigam prever o futuro, Jennifers lhe dizem que sapatos bonitinhos comprar ou qual feira livre frequentar, mas deveriam manter suas mãos longe do futuro das outras pessoas.) Viveca emprega algumas videntes na parte da frente e comanda uma salinha organizada nos fundos. O cômodo dos fundos parece um consultório médico: tem toalhas de papel, desinfetante e uma mesa de exames. As garotas enfeitaram o lugar com echarpes em cima das luminárias, uma miscelânea de objetos e almofadas de lantejoulas — todas aquelas coisas com que apenas meninas frescas se preocupam. Quer dizer, se eu fosse um cara disposto a pagar para uma garota bater uma para mim, não iria entrar ali e dizer: “Meu Deus, sinto notas de strudel fresco e noz- -moscada… rápido, pega no meu pau!” Eu entraria na sala e falaria muito pouco, que é o que a maioria deles faz.

Ele é único, o homem que chega em busca de uma punheta. (E aqui só batemos punheta, ou pelo menos eu só faço isso — tenho fi cha criminal por alguns roubos menores, coisas idiotas que fi z aos dezoito, dezenove, vinte anos, e que garantem que eu nunca, jamais, vou conseguir um emprego decente, de modo que não preciso acrescentar a isso ir em cana por prostituição.) Um cara que vai atrás de uma punheta é uma criatura muito diferente de um que quer um boquete ou de um cara que quer sexo. Certamente, para alguns homens uma punheta é apenas o início do ato sexual. Mas eu tinha muitos clientes regulares. Eles nunca vão querer mais que uma punheta. Não consideram a punheta uma traição. Ou se preocupam com doenças, ou nunca têm coragem de pedir mais. Tendem a ser homens casados, tensos e nervosos, homens com empregos de nível mediano, basicamente sem poder. Não estou julgando, apenas dando a minha avaliação. Eles querem que você seja atraente, mas não que pareça uma vagabunda. Por exemplo: na vida real eu uso óculos, mas não uso quando estou no serviço, porque isso distrai — eles pensam que você vai fazer a cena da Bibliotecária Sensual, e fi cam tensos esperando os primeiros acordes de uma música do ZZ Top que eles não vão ouvir, então fi cam constrangidos por terem pensado que você ia encenar a Bibliotecária Sensual, daí se distraem e a coisa toda demora mais do que qualquer um desejava.

Eles querem que você seja atenciosa e agradável, mas não fraca. Não querem se sentir predadores. Querem que aquilo seja um negócio. Focado no serviço. Então você tem uma conversa educada sobre o clima e o time pelo qual eles torcem. Normalmente eu tento criar algum tipo de piada interna que possamos repetir a cada visita — uma piada interna é como um símbolo de amizade sem precisar de todo o trabalho necessário para manter uma amizade de verdade. Então você diz: Começou a temporada de morangos! Ou Precisamos de um barco maior (estou lhe contando piadas internas reais), e desse modo o gelo é quebrado e eles não se sentem como se fossem desprezíveis, pois vocês são amigos, o clima é criado e você pode seguir em frente.

Quando as pessoas me fazem a pergunta que todas fazem, “O que você faz?”, eu respondo: “Trabalho com atendimento ao cliente.” O que é verdade. Para mim é um belo dia de trabalho quando você faz um monte de gente sorrir. Sei que soa sério demais, mas é verdade. Quer dizer, eu preferiria ser bibliotecária, mas me preocupo com a estabilidade do emprego. Livros podem ser temporários; paus são para sempre.

O problema foi que meu pulso estava me matando. Mal tinha chegado aos trinta e meu pulso já era o de uma octogenária, com uma munhequeira nada sensual para combinar. Eu a tirava antes de começar, mas aquele som de velcro se soltando deixava os homens um pouco tensos. Certo dia Viveca foi me visitar nos fundos. Ela é uma mulher pesada, como um polvo — muitas contas, babados e echarpes fl utuando a sua volta, junto com o cheiro forte de água-de-colônia. Tem os cabelos tingidos da cor de ponche de frutas e insiste que é seu tom natural. (Viveca: a fi lha mais nova de uma família da classe trabalhadora; indulgente com as pessoas de quem gosta; chora com comerciais; muitas tentativas fracassadas de se tornar vegetariana. Só um palpite.)

— Você é vidente, Nerd? — ela me perguntou.

Ela me chamava de Nerd porque eu usava óculos, lia livros e tomava iogurte na hora do almoço. Eu não sou nerd, só queria muito ser. Por causa dessa coisa de largar o ensino médio, sou autodidata. (Não é uma palavra obscena, pode conferir.) Eu leio sempre. Eu penso. Mas me falta educação formal. Então fi co com a sensação de que sou mais inteligente que todo mundo ao meu redor, mas que se um dia ficar perto de pessoas realmente inteligentes — gente que frequentou a universidade, bebeu vinho e aprendeu latim —, elas ficarão terrivelmente entediadas comigo. É uma vida solitária. De modo que uso o apelido como uma medalha de honra. Um dia, talvez, eu não mate de tédio pessoas realmente inteligentes. A questão é: como você conhece pessoas inteligentes?

— Vidente? Não.

— Vê coisas? Já teve premonições?

— Não.

Eu achava que toda aquela besteira de ler a sorte era pura bobajada, como minha mãe diria. Ela era de uma fazenda no sul do estado, essa parte era verdade.

Viveca parou de brincar com uma das contas.

— Nerd, estou tentando ajudar você.

Eu saquei. Normalmente não sou tão lenta, mas meu pulso estava latejando. Aquele tipo de dor que distrai e faz com que você só consiga pensar em como acabar com ela. E também, em minha defesa, Viveca normalmente só pergunta algo para poder falar — ela não liga muito para as respostas.

— Sempre que conheço alguém, imediatamente tenho uma visão — eu disse, usando a voz sábia e requintada de Viveca. — De quem a pessoa é e do que precisa. Posso ver isso como uma cor, um halo, uma aura ao redor dela.

Aquilo era realmente verdade, a não ser pela última parte.

— Você vê auras. — Ela sorriu. — Eu sabia que via.

Foi como eu descobri que estava sendo transferida para a parte da frente. Eu iria ler auras, o que significava que não precisava de nenhum treinamento.”

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