testeVerões emocionais

18 de janeiro de 1985, Rio de Janeiro. Segundo e último show do Queen. Como havia chovido muito nos dias anteriores, a estradinha de terra para a Barra da Tijuca ficara esburacada e o ônibus balançava sem parar. Lauro vomitou pela janela. Não foi o único. Todo mundo estava meio doido, carregando garrafas de Smirnoff (a turma dos ricos) e de Velho Barreiro (a nossa, dos pobres). A diferença é que Lauro, que me ensinara a beber, não dera sequer um gole. Quando chegamos à Cidade do Rock, não sei se estávamos ansiosos para ver o Freddie Mercury ou só aliviados porque aquela viagem — que fedia a comida velha, bebida barata, suor e lama — terminara.

O calor infernal de verão, as chuvas incessantes — que finalmente haviam dado uma trégua, o que só podia ser uma pequena prova da existência de Deus — e minha excitação por termos conseguido os ingressos para o festival pareciam ter feito com que eu e Lauro trocássemos de corpo. O amigo que me tirara de uma vida de morno torpor e me jogara num grande verão emocional nos últimos dois anos se calara. Já eu estava eufórico; uma gana de vida havia tomado conta de mim e parecia que jamais se esgotaria. Íamos ver Freddie Mercury. Lauro não aceitou quando me ofereci para lhe pagar um sanduíche nem quis um copo de Limão Brahma.

Eram 250 mil pessoas. Eu acabara de completar vinte e um anos e tinha um metro e sessenta e sete. Ainda não sabia, mas cresceria muito, em todos os sentidos, ao longo daquele ano. Haveria dias intermináveis e cruéis e eu rezaria para que eles terminassem, só para, bem mais tarde, desejar tê-los de volta. Todo verão acaba um dia. Enquanto eu me lamentava por causa da multidão, que provavelmente me impediria de ver o palco, Lauro voltou, por um instante, a ser ele mesmo. Recuperando aquele brilho nos olhos que desaparecera o dia todo, olhou para um andaime alto, com um banner enorme da Malt 90, a cerveja com gosto de mijo, e propôs que subíssemos. Era a nossa chance de termos uma experiência única. Começamos a escalar e nos instalamos, sentados, a uma altura suficiente para sofrer uma queda mortal.

Os seguranças começaram a gritar para que descêssemos e mostramos o dedo do meio para eles. Ficaram por ali para evitar que mais gente resolvesse nos seguir. O som estava alto, e acho que isso foi providencial. Lauro não estava a fim de conversar. Toda vez que eu tentava dizer algo, ele fazia sinal de que não estava me ouvindo. Nos shows em que não estava interessado ou nos intervalos, ele até se deitava entre um andaime e outro, segurando-se pelos ombros e pelos joelhos, como se descansasse.

De repente, assim que os primeiros acordes de “Tear it up” começaram a tocar, todo o nosso ensaio foi recompensado — gritamos as letras do álbum The Works, que havíamos decorado, com toda a força que tínhamos nos pulmões. Pendurados nos andaimes, fazíamos performances de rockstar, na esperança de que Freddie nos avistasse. Muitas vezes, a gente só se dá conta de que alguns momentos foram muitos especiais anos mais tarde, depois que eles passaram. Esse não foi o caso. Fomos extremamente felizes por aquelas duas horas e quinze minutos — tínhamos plena consciência disso.

Ficamos até o bis. Os seguranças já haviam desistido de nós, pois boa parte do público se cansara antes do fim do espetáculo. Descemos com calma de nosso camarote improvisado. Súbito, Lauro perdeu de novo o ânimo. Estava branco, pálido, cansado. Disse apenas que era hora de ir, que devíamos nos apressar. Começou a andar, deixando-me para trás. Reuni coragem, exigi que me esperasse e gritei para ele:

— O que está acontecendo?

Ele me contou, bem ali, no meio daquelas pessoas que esbarravam em nós, trôpegas e felizes, que pareciam puxar pela memória o rumo de casa. O que ele me disse era exatamente o que eu mais temia. Eu queria que ele me dissesse qualquer outra coisa, mas ele falou justamente o que eu esperava ouvir. A diferença entre um negativo e um positivo que transformava tudo, colocava o mundo sob uma nova perspectiva. Sentença, veredicto, sina. Ele olhou para mim e eu simplesmente o abracei, talvez por um minuto inteiro. Então Lauro disse:

— Lembre-se deste momento.

— Vou lembrar — respondi.

— O show das nossas vidas — afirmou.

Meu melhor amigo tinha razão. Aquele havia sido o show das nossas vidas. Não importava se morreríamos amanhã ou dali a sessenta anos.

testeVamos falar sobre Loney

Por Josh Malerman*

Minha citação favorita sobre Loney eu li na Emerald Street, uma revista do Reino Unido, e diz o seguinte:

“É raro que um livro faça você suspirar de encantamento com cada frase enquanto, ao mesmo tempo, fica pensando se suas janelas estão bem trancadas, e Loney é perfeito nesse e em muitos outros aspectos.”

Li isso quando estava na metade do livro e fiquei louco. Claro, pensei, essa frase resume tudo. Qualquer palavra a mais é dispensável. Porém, como todos nós amamos palavras a mais, vamos falar sobre Loney.

loneygrandeUm romance com verdadeira poesia. Praticamente em todas as linhas. A sensação, na maioria das vezes, é de estar escutando a história da boca de um sábio ancião que a guardou por toda a vida, à espera do momento exato (o clima, talvez) de passá-la adiante. É um livro em que você consegue ouvir o silêncio! Consegue ouvir a calma que Andrew Michael Hurley deve ter buscado antes de escrever, como se ao final de cada página ele tenha parado, se recostado e olhado o papel por longos minutos, permitindo que a quietude de seu escritório impregnasse profundamente a folha entre cada uma das letras que davam forma à narrativa que ele estava criando.

O horror silencioso. É provável que você já tenha ouvido esse termo antes, e, se não ouviu, ouvirá com relação a Loney. Na teoria, livros de horror são ou estridentes (um maníaco com uma chave inglesa invade um convento) ou silenciosos (os lamentos de um fantasma, sussurros na noite). E é mesmo possível classificá-los desse modo, não é nem ao menos trabalhoso. Obviamente, a maioria dos grandes livros está em algum lugar entre essas duas categorias. Em Loney, porém, a questão que se levanta é ainda maior. A pergunta em Loney é… O que causa o barulho, para começo de conversa?

Na minha opinião, o personagem mais esquecido, mais menosprezado no horror é seu personagem principal, a peça central de qualquer história assustadora: o medo. Sim, o medo em si é a figura primordial porque, sem ele, o clima, o desenvolvimento, as tramas e o cenário, nada vai funcionar como deveria. (Imagine ler O bebê de Rosemary como um drama, despojado de todo o medo.) O fato de ter em mãos um conto gótico (no caso de Loney, todos o têm classificado assim, e não há por que discordar) já coloca você à espera de algo sobrenatural. Ou algo assustador, pelo menos. Não se pode menosprezar isso. Porque esse personagem silencioso (O MEDO) tem ele próprio uma voz. E o silêncio aterrorizante que espera por você em Loney é magnífico. É mais forte que Hanny, que o Padre Bernard, mais forte que qualquer umas das paisagens rurais inglesas que preenchem as páginas como pinturas.

É como música para os meus ouvidos de leitor.

Loney é assim.

Minha vontade é falar muito mais. Mas, como com a maioria dos meus livros favoritos, acho que o melhor é dizer apenas:

Loney é um livro sensacional. Leia. Depois me escreva on-line se quiser conversar mais. Porém, até ter lido, até ter experimentado você mesmo o ritmo, a poesia e (sim) o medo que vai sentir, não podemos falar mais.

Loney vai pegar você em silêncio, e você estará esperando por isso tão cegamente que só vai perceber depois que já tiver sido tomado pelo horror. E no final vai pensar: Como eu pude não ver isso acontecendo?

 

 

Josh Malerman é autor de Caixa de pássaros. Ele também é cantor e compositor da banda de rock High Strung e gosta de escrever ao som de trilhas sonoras de filmes de terror, como Grito de horror e Creepshow – Arrepio do medo. Mora em Ferndale, Michigan, com a noiva.

teste“A Roda do Tempo” está de volta

“Com sua chegada, renascem os temidos fogos. As colinas ardem em chamas, e a terra se reduz a cinzas. As investidas dos homens minguam, e as horas se tornam exíguas. Transpassa-se a muralha, e ergue-se o véu da divisão. Tempestades ressoam além do horizonte, e as chamas do paraíso purgam a terra. Não há salvação sem destruição, não há esperança deste lado da morte.”

(Fragmento de As Profecias do Dragão, tradução atribuída a N’Delia Basolaine, Criada-chefe e espadachim de Raidhen de Hoi Cuchone, aproximadamente 400 DR)

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Fãs da épica saga de Robert Jordan, é hora de comemorar! Além do anúncio de que os direitos de uma série inspirada em A Roda do Tempo, o quinto livro da série será lançado no dia 15 de agosto!

Em As Chamas do Paraíso, depois de uma perigosa jornada ao Deserto Aiel, Rand al’Thor se consagrou como Aquele Que Vem Com a Aurora, conforme profetizado por seu novo povo. Ter um exército de homens e mulheres extremamente hábeis na batalha deveria ser uma vantagem, mas, conforme se apega aos novos aliados, o Car’a’carn, chefe dos chefes, se sente cada vez mais vulnerável às tramas de seus inimigos.

Enquanto isso, Nynaeve e Elayne perdem aliadas importantes e ganham uma poderosa inimiga. Após a expulsão de Siuan Sanche da Torre Branca, as duas Aceitas devem tentar encontrar as poucas Aes Sedai que continuam fiéis a sua causa. Porém, Moghedien está à espreita, determinada a capturar Nynaeve em sua teia.

Lançados originalmente entre 1990 e 2013, os 14 volumes da série A Roda do Tempo compõem um elaborado universo fantástico, só comparável ao da obra de J.R.R. Tolkien.

testeTrecho de O navio das noivas

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Jojo Moyes é mestre em criar personagens femininas fortes, cativantes e apaixonadas.  Em O navio das noivas não é diferente! A obra, inspirada na história real vivida pela avó da autora, conta a trajetória de quatro mulheres que saem da Austrália depois da Segunda Guerra Mundial em um porta-aviões que as levará até a Inglaterra para encontrar os soldados com quem se casaram durante o conflito.

A travessia é feita ao lado de outras noivas, armas, aeronaves e oficiais da Marinha. Com um espírito de aventura, a viagem mudará para sempre a vida dessas mulheres que ficaram distantes dos seus amores no período da guerra.

Segundo Jojo Moyes, a obra exigiu uma grande pesquisa. A autora leu os diários de bordo dos viajantes e estudou materiais da época para deixar a história mais verossímil. Os diários serviram como base para as citações não ficcionais das esposas e dos oficiais que estão no livro.

O navio das noivas, publicado originalmente em 2005, chega às livrarias brasileiras nas próximas semanas. Leia um trecho exclusivo:

“A primeira vez que o reencontrei, senti como se eu tivesse levado um soco. Eu já havia escutado essa expressão milhares de vezes, mas até então nunca entendera seu verdadeiro significado: demorou um pouco até minha memória estabelecer um vínculo com o que meus olhos estavam vendo, depois um choque percorreu meu corpo, como se eu tivesse acabado de levar um forte golpe. Não sou uma pessoa fantasiosa. Não embelezo minhas palavras. Mas, com toda a sinceridade, posso dizer que cheguei a ficar sem fôlego. Nunca imaginei que fosse revê-lo. Não em um lugar como aquele. Há muito tempo eu o enterrara bem no fundo da minha memória. Não apenas fisicamente, mas tudo o que ele significara para mim. Tudo pelo que ele me fizera passar. Porque só depois de muito tempo — uma eternidade — entendi o que ele tinha feito. De inúmeras maneiras, era ao mesmo tempo a melhor e a pior coisa que já acontecera comigo. Não foi, no entanto, apenas o choque da sua presença física. Havia tristeza também. Acho que na minha memória ele continuava igual ao que era naquela época, tantos anos atrás. Ao vê-lo agora, rodeado por todas aquelas pessoas, de algum modo parecendo tão envelhecido, tão diminuído… A única coisa em que consegui pensar foi que aquele era o lugar errado para ele. Eu sofria ao ver o que havia sido tão bonito, deslumbrante até, reduzido a… Não sei. Talvez não seja muito justo pensar assim. Nenhum de nós dura para sempre, não é mesmo? Para ser sincera, vê-lo naquele estado era um lembrete desagradável da minha própria mortalidade. Do que eu havia sido. Do que todos nós temos que nos tornar. Independentemente do que fosse, ali, onde eu nunca estivera, onde não havia motivo para estar, eu o reencontrara. Ou talvez ele tenha me encontrado. Acho que até aquele momento eu não acreditava em destino. Mas é difícil não acreditar, quando paramos para pensar em como nós dois tínhamos chegado longe. Difícil não acreditar quando se pensa que não havia como, depois de separados por milhares de quilômetros, continentes e vastos oceanos, estarmos destinados a nos encontrar de novo.”

testeO brilho de escrever poesia em guardanapos

Por Pedro Martins*

Artigo publicado originalmente no jornal The Guardian

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O poeta brasileiro Pedro Gabriel começou a escrever poemas em guardanapos quando estava sem papel. Agora, após dois livros e milhões de seguidores on-line, seus desenhos deslumbrantes estão fadados ao reconhecimento internacional, escreve Pedro Martins, repórter do The Guardian.

Pedro está sempre com a cabeça nas nuvens, fervilhando de ideias numa mistura de palavras que, pelas peripécias do destino, o levou ao estrelato, e seus livros tiveram mais de 200 mil cópias vendidas. Num país onde o hábito da leitura ainda não é tão forte, conseguir ser publicado é algo extremamente difícil.

“Nunca pensei que isso fosse se tornar minha fonte de renda. Hoje em dia, posso dizer que vivo de poesia e de ilustração, mas três anos atrás era impossível pensar nisso”, conta o autor de 32 anos.

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Naturalmente, o que todos se perguntam é de onde veio essa ideia.

“O primeiro guardanapo surgiu quando eu estava voltando do trabalho, certo dia, e tinha esquecido meu caderno de anotações em casa. Você pode ficar parado no trânsito, mas suas ideias não. Eu estava com muita vontade de escrever. Quando desci do ônibus, resolvi ir ao Café Lamas, um tradicional bar no Rio de Janeiro que costumava visitar, e naquele momento a única plataforma que eu tinha para me expressar era a pilha de guardanapos à frente. Então, de uma forma muito natural, comecei a desenhar e me encantei, passei a gostar de me manifestar naqueles pedacinhos de papel tão frágeis.”

Depois disso, Pedro fotografou seu trabalho e criou uma página no Facebook para mostrar sua ideia ao grande público, batizando-a de “Eu me chamo Antônio”. Mas por que Antônio? Por causa de sua timidez.

“Costumo dizer que ele sou eu com um pouco mais de coragem para me expressar. Meu nome é Pedro Antônio Gabriel, mas ninguém me chama de Antônio. Então, ao criar esse alter ego, encontrei uma forma de manter minha identidade sem assinar como Pedro Gabriel.”

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Atualmente, não há mais dúvidas de que cada vez mais a internet se mostra um meio de comunicação infinito. Nada passa despercebido pelos internautas, e não seria diferente com Antônio. Seis meses após o primeiro guardanapo, a página começou a atrair um imenso tráfego de usuários, o que chamou a atenção da Intrínseca, que propôs a Pedro a ideia de levar seu trabalho também para a mídia off-line em forma de livro. O resultado são dois best-sellers no Brasil: Eu me chamo Antônio e Segundo — Eu me chamo Antônio. Um terceiro está a caminho.

“Hoje em dia, tenho quase 1 milhão de seguidores on-line, mas não atribuo meu sucesso a números, e sim ao conteúdo que apresento. Independentemente do número de seguidores, desde o primeiro guardanapo que postei mantive um conceito do Antônio em mente. Os leitores sabem que há alguém como eles por trás de tudo aquilo. Obviamente, esse sucesso também está atrelado ao fato de que escrevo sobre sentimentos universais — os mais diversos tipos de amor, saudade, liberdade etc. —, mas de uma forma diferente, usando um jogo de palavras. É como se eu tentasse retratar um pouco da minha própria vida também”, explica o autor.

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Além de inusitado, o processo de criação do autor também é influenciado por uma pluralidade linguística de berço. Filho de brasileira com suíço e nascido no Chade, ex-colônia da França na África, Pedro cresceu falando francês, mas sempre conviveu numa casa onde “a língua em que nos comunicávamos não era a língua de ninguém”. Aos treze anos, quando veio para o Brasil, sua inexperiência com o português o atiçou a prestar atenção à sonoridade, aos processos de formação e às grafias das palavras.

“Só fui perceber a importância desse período que vivi fora do Brasil recentemente, quando encontrei minha voz por meio dos guardanapos. Além da linguagem em si, toda a riqueza com que convivi nesses doze anos na África foram fundamentais para eu desenhar minha poesia; tudo é um reflexo do que vivi em algum momento da vida.”

O interessante é que, mesmo anos após seu primeiro guardanapo, Antônio ainda tem uma necessidade peculiar ao criar: “Já perdi as contas de quantos guardanapos criei até hoje, mas foram mais de 2 mil. Todos desenhados no Café Lamas. Costumo dizer que meu escritório é o bar, um privilégio para poucos.”

E será que, após milhares de guardanapos, Antônio ainda se surpreende?

“Quando a gente se habitua a alguma coisa, parece que ela começa a perder um pouco do brilho. Por incrível que pareça, ainda sinto muito prazer em fazê-los; ainda me surpreendo com o que tenho a dizer. Claro que não vou me forçar a criar guardanapos novos somente para alimentar o grande público que me acompanha; sempre vou criar em função das minhas emoções. Antônio e as manifestações em guardanapos vão durar enquanto eu sentir verdade nisso. Óbvio que não produzo a mesma quantidade dos primeiros meses, mas sempre que sento no Lamas novas ideias vêm à minha cabeça e saio de lá com uma ressaca de poesia.”

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“Falo com um público eclético. Em palestras que ministro, quando os alunos conseguem enxergar que poesia pode ser feita com um simples ‘jogo de palavras’, começam a enxergá-la como algo interessante. Eu me chamo Antônio também serviu de porta para os mais jovens conhecerem a poesia consagrada. Pelas minhas redes sociais, muitos conheceram Drummond, Manuel de Barros, Paulo Leminski, Arnaldo Antunes e outros fantásticos poetas mestres que me inspiram no dia a dia.”

Para todo escritor, o novo e o desafiador deve ser sempre encorajado. Quando perguntado se algum dia pretende dizer adeus a Antônio, Pedro deixou claro que pretende, sim, aventurar-se em outros mundos, mas que ainda tem muitas ideias inovadoras para Antônio apresentar:

“O primeiro livro é inteiro feito de guardanapos fotografados, e nele fica bem claro que Antônio é um boêmio. Há até uma linguagem de bar, alguns trocadilhos. No segundo, já existem alguns parágrafos isolados, tímidos, e algumas ilustrações, como se Antônio tivesse saído dos bares e entrado no mundo dos sonhos. No terceiro, haverá um casamento muito forte entre o guardanapo e a prosa, com textos maiores. Antônio é um personagem de um romance que está sendo escrito e vivido. Minha ideia é que esses três livros formem uma espécie de trilogia de um pré-romance, mantendo o lado visual, claro, que é minha marca. Talvez uma mistura de graphic novel com prosa”, continua o autor.

Os guardanapos acima fotografados para esta matéria foram retirados dos dois livros já publicados por Pedro, e isso não foi um processo fácil. Não basta escolher um guardanapo qualquer e traduzi-lo; é necessário escolhê-los a dedo, considerando quais são passíveis de tradução, para depois traduzi-los e redesenhá-los, reinterpretá-los.

“Para uma publicação no exterior, eu faria um apanhado de guardanapos dos primeiros livros, como uma antologia, mesclando o que mais gostei dos dois, escolhendo os que são traduzíveis, e adicionaria conteúdos inéditos. Assim acredito que conseguiria entregar um trabalho bacana aos leitores de outros países.”

Para encerrar uma longa conversa por Skype na qual o relógio parecia estar parado, decidi fazer algumas perguntas rápidas que revelam muito sobre uma pessoa:

Um sonho?
Que as pessoas leiam mais e valorizem a literatura, pois aqueles que leem conhecem o infinito.

Um medo?
Que eu perca minha inspiração, a sensibilidade mais bonita que a gente tem.

Em dez anos eu…
Quero ter pelo menos um romance do Antônio publicado e estar mais estabelecido no mercado editorial, com livros fora do Brasil também.

 

Pedro Martins é repórter do jornal britânico The Guardian e webmaster do site Potterish.com.
Redes sociais: Twitter (@ImPedroMartins), Instagram (@ImPedroMartins), Facebook (/ImPedroMartins).

testeA vida que passamos juntos

Por Ulisses Teixeira*

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Eu tenho bastante sorte por ter três pais.

Deixe-me explicar melhor. Para falar a verdade, é bem simples. Provavelmente muitos tiveram a mesma experiência que eu, ou talvez uma similar. Minha mãe e meu pai se separaram quando eu era um bebê. Quase dois anos depois, minha mãe se casou novamente, e ela também teve a sorte de encontrar um cara legal e decente com quem é casada até hoje. Meu pai não encontrou tão cedo a sua outra “metade da laranja”, de forma que ninguém teve para mim um lugar de “mãe” — além da minha própria, é claro. O cara com quem minha mãe se casou me criou, me ensinou e me influenciou de maneiras que só um verdadeiro pai faria. É por isso que ele merece esse título. (E é por isso também que, neste texto, eu só vou me referir a ele como “pai”, nunca padrasto. Sei que isso pode ser um pouco confuso para alguns de vocês, e peço desculpas desde já.)

O que isso tudo tem a ver com F de falcão? Bem, Helen Macdonald, a autora dessa obra-prima (e, acreditem, não uso essa palavra de forma gratuita), não tem mais o pai. Ele faleceu após um enfarto, daqueles que acontecem sem mais nem menos, sem aviso, sem dar tempo para você se preparar para o pior. Isso, é claro, é o suficiente para deixar qualquer um devastado. Com a autora, não foi diferente. No período de depressão que se seguiu à morte do pai, Macdonald revela em detalhes o que perdeu enquanto não conseguia superar o luto: oportunidades profissionais, dinheiro e até mesmo um relacionamento. Para vencer a inércia emocional, Helen resolve voltar a explorar um antigo hobby que compartilhava com o pai: a falcoaria.

A falcoaria é a antiga arte de criar e treinar certas aves de rapina para a caça. Devido ao seu alto custo, era praticamente restrita aos nobres no mundo antigo e medieval. Apesar do nome, o esporte não lida apenas com falcões; podem ser usados também gaviões, corujas e açores. De fato, é este último que Macdonald escolhe para retomar a prática. Desnecessário dizer que criar um falcão não é como criar um cachorrinho; não basta colocar um jornal no canto da área de serviço e levar para passear duas vezes por dia. Não, criar um falcão é um desafio. E criar um açor é um desafio ainda maior. Um açor é uma ave de rapina de fato, um animal que pode chegar a ter sessenta centímetros, que habita a copa alta das árvores e que vê o mundo literalmente de cima. Um açor não obedece cegamente a ordens, e até mesmo a autora diz que, em determinados momentos, quando a ave decide permanecer em uma árvore, é o treinador que é obrigado a ficar esperando por ela pelas horas que forem necessárias. A falcoaria é, acima de tudo, um exercício de persistência e paciência.

De certa forma, vencer o luto é a mesma coisa.

capa_F de Falcao_frente_Tudo que Macdonald escreveu em F de falcão me encantou. Sou fascinado por falcoaria há muitos anos, apesar de nunca ter tido a oportunidade de praticá-la. Então, esse livro para mim foi um prazer — e mais uma vez digo que sou sortudo por ter tido a oportunidade de trabalhar nele. Porém, o que me marcou de forma mais profunda talvez tenha sido as descrições que ela faz do pai e de como sente a falta dele. Eu não sei o que é perder um pai, todos os meus três estão bem. No entanto, durante o final da minha adolescência e início da minha vida adulta, um dos meus pais teve câncer. Pela terceira vez. Foi um processo longo, difícil e doloroso, cujas consequências são sentidas até hoje. Eu tentei me manter forte, para dar apoio a ele e a todos que precisavam de ajuda. Eu me preparei mais de uma vez para ver meu pai morrer. Mas a verdade é que, no fundo, você nunca está preparado para isso. É impossível se preparar para viver sem alguém que você ama.

Eu poderia dizer que agora que estou nos meus trinta anos, entendo melhor meus sentimentos e concluir que eu não tinha maturidade para encarar aquela situação e responsabilidade tão cedo na vida. Mas eu estaria mentindo. Ainda sou completamente imaturo e tenho bastante dificuldade de processar tudo que passei. No entanto, vejo o meu pai, agora saudável, mas ainda tendo que viver com algumas consequências da doença, e penso nele como um verdadeiro herói. Vejo minha mãe, que aguentou o peso do mundo nas costas sem reclamar nem um pouco, e sonho em ser forte como ela um dia. E vejo a mim mesmo, uma bagunça completa de sentimentos, tentando lidar com tudo isso até hoje.

Se você perguntar a qualquer um que me conheça, seja por alguns minutos, seja por uma vida inteira, essa pessoa vai dizer: o Ulisses é um imbecil. E ela tem razão. Eu tento a todo custo não demonstrar sentimentos. Contudo, Helen Macdonald me mostrou que a confusão que sinto é normal. Ela me mostrou que eu posso ser vulnerável. Que o luto é um processo difícil, mas que também é possível se recuperar dele. E que, quando o inevitável acontecer a um ente querido, nós sempre teremos a vida que passamos juntos.

Ulisses Teixeira, eleito por sete anos seguidos “o sorriso mais bonito do Méier”, abandonou cedo demais a carreira de modelo para se dedicar ao mercado editorial.

P.S.: No intuito de homenagear a rainha Xuxa, Ulisses Teixeira sugeriu o título A de açor, B de baixinho para o livro de Helen Macdonald. Após uma resposta violenta da equipe, Ulisses se recupera bem.

testeOwen Wilson pode se juntar a Julia Roberts e Jacob Tremblay em Extraordinário

O ator Owen Wilson está em negociação para fazer parte do elenco de Extraordinário. A adaptação do livro de R. J. Palacio tem estreia prevista para o primeiro semestre de 2017 e já conta com Julia Roberts e Jacob Tremblay, protagonista de O Quarto de Jack.

O longa será dirigido por Stephen Chbosky, autor de As Vantagens de Ser Invisível. O roteiro ficará a cargo de Steve Conrad, de À Procura da Felicidade, e Todd Lieberman e David Hoberman serão os responsáveis pela produção.

Extraordinário conta a história de Auggie Pullman, um garoto que tem uma deformidade facial e que irá frequentar escola pela primeira vez. Com momentos ora comoventes, ora descontraídos, o livro já encantou milhares de leitores no mundo todo, retratando o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos à sua volta, desde a família, os amigos e até a comunidade.

testeDigite 2

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Era uma sexta-feira. Eu viajaria naquele mesmo dia, mas chegaria ao hotel já tarde da noite. Quis, então, ligar para confirmar a reserva e avisar do meu “atraso”.

 

Liguei.

 

A gravação de voz me mandou digitar “2 para a recepção”.

 

Digitei.

 

Tocou.

 

E atenderam. 

 

A partir daí preciso compartilhar com vocês:

 

— Olá, boa noite. Com quem falo? Tudo bem? Seja bem-vindo. Como posso ajudar?

 

— Oi, boa noite. Fernanda. Tudo bem, e você? Obrigada. Queria só dizer que estou com uma reserva para hoje mas vou chegar mais tarde, só para saber se você vai estar aí…

 

— Esquiar? 

 

— Nanão, ESTAR. 

 

— Insta?!?

 

— ES-TAR!

 

— Spa? 

 

— EEESSSSTTT…

 

— Vou passar, aguarde.

 

Trilha-irritante-de-transferência.

 

— Spa, boa noite.

 

— Oi, houve um engano. Eu queria confirmar minha reserva, e…

 

— É com a recepção, senhora. Digite 2 na gravação de voz.

 

— Eu digitei! E o cara da recepção me mandou pro Spa!

 

— Isso, aqui é o Spa.

 

— Eu sei. Eu quero falar com a recepção!

 

— A senhora tem que digitar o 2 quando a gravação…

 

— VOCÊ PODE ME PASSAR DE VOLTA PARA A RECEPÇÃO, POR FAVOR???

 

— Aqui é o Spa, senhora. O Spa não transfere, é um conceito da casa para ajudar a relax…

 

Desliguei. 

 

Liguei de novo.

 

A gravação de voz me mandou digitar “2 para a recepção”. 

 

Digitei.

 

Tocou.

 

E atenderam. 

 

— Olá, boa noite. Com quem falo? Tudo bem? Seja bem-vindo. Como posso ajudar?

 

— Oi, boa noite pra quem? Fernanda. Nada bem, e você? Obrigada. Eu liguei ainda agora pra falar da minha reserva de hoj…

 

— Nosso horário de reserva é de segunda a sexta de sete da manh…

 

— AMIGO!!!!! EU JÁ RESERVEI!!!! ESTOU INDO HOJE!!!!! QUERO AVISAR QUE VOU CHEGAR MAIS TARDE E SÓ CONFIRMAR SE ESTÁ TUDO BEM COM A MINHA RESERVA PELO AMOR DE DEUS ESTOU INDO VIAJAR COM DUAS CRIANÇAS E PRECISO SABER SE VOU TER PROBLEMAS QUANDO CHEGAR OU SE TUDO FOI CONFIRMADO E MEU QUARTO FOI RESERVADO DIREITINHO NÃO ME PASSE PARA NENHUM RAMAL É COM VOCÊ QUE EU PRECISO FALAR NÃO TRANSFIRA A LIGAÇÃO AUTOMATICAMENTE ASSIM QUE VOCÊ OUVIR UMA PALAVRA APENAS PARA SE LIVRAR DA QUESTÃO, VOCÊ TEM QUE RESOLVER PRA MIM EU PRECISO SÓ SABER SE TÁ TUDO CERTO COM A MINHA RESERVA, TÁ OU NÃO ESTÁ?!?!?!?

 

— Spa?

testeO sonho e o pesadelo de João Kopke

João Kopke foi um educador e empresário escolar de muito sucesso no fim do século XIX. No Rio de Janeiro abriu sua escola no bairro de Botafogo e trabalhou com a mais exclusiva clientela da cidade. Não poupava esforços para manter o estabelecimento bem equipado, com aparelhos de física e química, mapas de última geração, livros e os mais variados objetos didáticos, tudo importado da Europa. Mas talvez fosse melhor educador que empresário, pois sua escola não funcionou por muito tempo.

Kopke era um mestre da velha escola europeia e lecionava diversas matérias: francês, inglês, geografia, história, álgebra, botânica e princípios elementares de anatomia e fisiologia. Como educador, respeitava os limites e as aptidões dos alunos e condenava o ensino que privilegiava a memorização. Passaram por suas salas de aula estudantes que depois brilhariam no cenário nacional: o escritor Alceu de Amoroso Lima, os acadêmicos Miguel Ozório de Almeida e Tristão da Cunha e o empresário Guilherme Guinle, entre outros.

No Rio de Janeiro, existe uma escola pública com seu nome. Fica na Piedade, Zona Norte. Administrada pela prefeitura, a João Kopke recebeu uma boa avaliação pelo Índice de Educação Base (IDEB) do governo federal. Recentemente, no entanto, ocupou um triste espaço na mídia. Na noite de 13 de junho de 2016, a comunidade escolar foi vítima de um arrastão. Todos os alunos perderam celulares, dinheiro e objetos de valor. E o mais grave: uma professora foi espancada.

Não conheço a metodologia dos professores da João Kopke, nem sei qual o nível de aparelhamento de seu material didático, mas desconfio que deva passar longe dos padrões do educador. Pode até ser que alguns de seus alunos venham, e todos têm a minha torcida, a ocupar espaço relevante no cenário nacional, mas, com certeza, se isso vier a acontecer terá sido muito mais por mérito individual do que por eficiência da escola. Uma boa educação também passa pelo direto à garantia da integridade física de seus professores e alunos.

testeAdrenalina em escala global

Eu sou o Peregrino é um épico impressionantemente detalhista e dinâmico sobre política internacional, o mundo da espionagem e terrorismo — e é o primeiro livro do roteirista Terry Hayes, que escreveu os primeiros filmes da série Mad Max entre outros de sucesso

Por Alexandre Matias*

Peregrino

“Escrever um filme é como nadar em uma banheira e escrever um romance é como nadar no oceano.” A diferença de escala entre os dois formatos, uma citação de John Irving presente no início dos agradecimentos de Eu sou o Peregrino, não é apenas o principal diferencial do romance de estreia do roteirista de cinema Terry Hayes em relação aos seus trabalhos anteriores. Conhecido por escrever o roteiro do segundo e terceiro filmes da série Mad Max, nos anos 1980, Hayes escreveu bons thrillers na virada do milênio (como O Troco, com Mel Gibson, Limite Vertical, com Chris O’Donell, e Do Inferno, com Johnny Depp). Mas nenhum desses filmes se compara ao calhamaço que inaugura sua bibliografia.

A ameaça das quase 700 páginas do livro, no entanto, começa a se desfazer logo que começamos a leitura. Hayes puxa o primeiro fio da meada com um assassinato num hotel barato em Nova York, que traça conexões no Oriente Médio, nos Balcãs, em um banco suíço, em Paris, em Veneza, na Turquia e no Afeganistão, numa espiral de acontecimentos inesperados ao redor de dois personagens densos definidos por seus codinomes, Sarraceno e Peregrino. A narrativa da história é ao mesmo tempo detalhista e deliciosa e as páginas são viradas numa compulsão que desafia o leitor não apenas pela complexidade da trama, que mistura política internacional, espionagem, técnicas de tortura, biotecnologia, história da arte, internet e o 11 de Setembro, mas também pela profundidade de seus protagonistas, agentes perfeitos que não deixam rastros, tão motivados quanto determinados — além de extremamente complexos —, colocados um contra o outro em uma conspiração de escala planetária.

“Acho que o público em geral está em busca de experiências mais intensas e mais amplas”, me explicou o autor em entrevista por e-mail. “As prateleiras das livrarias estão cheias de thrillers e de romances policiais. Os cinemas também viviam cheios disso. Mas agora as pessoas já tiveram essas experiências tantas vezes que estão em busca por algo diferente — talvez uma experiência que de alguma forma seja mais abrangente. Percebi que tinha que fazer algo diferente de outros livros em um mercado que é muito disputado — eu tinha que ir rumo a uma experiência mais épica.” Também conversamos sobre a adaptação do livro para o cinema, suas influências narrativas e o que ele achou do novo Mad Max.

Fotos_Peregrino

Quanto você teve de estudar para entrar nas mentes dos dois personagens principais?
Bem, você precisa acreditar nos personagens. Você não pode considerar que só existem mocinhos e vilões. Se fosse óbvio dessa forma, por que se importar em ler um livro? Você tem de misturar — como na vida, suponho. Steven Spielberg, que sabe umas coisinhas sobre como contar histórias, diz que não existem personagens maus — só pessoas com más intenções. Entendo que ele queira dizer que não existe ninguém que acorde de manhã e decida ser mau — são suas experiências e objetivos que os guiam, passo a passo, rumo a um caminho que leva às más consequências. Eu certamente criei meu chamado vilão dessa maneira. De forma similar, o herói também faz coisas assustadoras. Acho que isso os transforma em personagens mais interessantes e levanta uma série de questões morais interessantes.

Eu fico impressionado — e muito agradecido — que tantos resenhistas ao redor do mundo tenham dito que, de alguma forma, simpatizaram com o vilão. Mesmo que ele tenha um plano horrível para colocar em ação. Esse elogio me prova que eu criei um personagem com motivações convincentes e que eu pelo trilhei um caminho no sentido de criar um ser humano real e não um vilão de papel. As histórias estão repletas desse tipo de personagem e acho que não precisávamos de mais um deles.

Por isso, se você trabalha desse ponto de partida — que ambos os personagens principais devem ser escritos de forma bem positiva —, você apenas prossegue cada vez mais fundo e tenta garantir que tudo que eles façam seja lógico. Para os dois, você tem que continuar dizendo: “E se fosse comigo, o que eu faria?”. O único problema é que isso parece mais fácil de fazer do que acaba sendo quando você está sentado na frente da tela vazia do computador.

 

Você conhece pessoalmente os lugares e tem noção dos procedimentos descritos com tantos detalhes no livro?
Conheço muito dos lugares mencionados no livro porque tive a sorte de viver em muitos países diferentes e viajei para um número ainda maior deles. Há passagens num banco privado em Genebra que, como morei na Suíça por anos, tirei da minha experiência pessoal. O mesmo pode ser dito de Santorini, Paris, Londres e por aí vai. Fui correspondente internacional em Nova York e em Washington, então compreendo bem como funcionam o governo norte-americano e suas agências de inteligência. Escrevi muitas matérias sobre grupos de inteligência e conversei com vários dos seus integrantes de alto escalão, por isso eu sei onde como buscar informações e o tipo de detalhes que não são necessariamente conhecidos de todos.

 

Quais foram suas principais influências narrativas — tanto filmes quanto livros — para este romance?
Gosto de boas histórias, com uma linguagem clara e precisa. Você precisa de personagens com motivações convincentes e ter algo correndo risco que faça com que o público se importe. Por isso, naturalmente, amo os filmes da chamada Era de Ouro de Hollywood. Casablanca, Uma Aventura na África, Núpcias de Escândalo e vários outros que foram adaptados de livros muito bons. Isso continua até os anos 1970 e até mesmo depois, filmes como A Ponte do Rio Kwai, O Poderoso Chefão, A Primeira Noite de um Homem. São muitos! Infelizmente, os filmes dependem menos de livros bem escritos e mais de histórias em quadrinhos hoje em dia e por isso é difícil encontrar narrativas fortes que não dependam apenas de explosões e eventos que desafiam as regras da física. No que diz respeito à literatura, eu tive a sorte de, ainda criança, ler bastante e de ter um pai que me encorajava a ler o melhor que o mundo podia me oferecer. Por isso fui de Hemingway e F. Scott Fitzgerald para Herman Hesse, Cervantes e, claro, a Bíblia. Afinal, se há uma coleção melhor de ótimas histórias, eu ainda tenho que encontrá-la. Talvez As Mil e Uma Noites. Deixando as conexões religiosas do Novo Testamento de lado, a história de Jesus ainda é a melhor história de herói já contada. Melhor que a de Luke Skywalker, que pegou muita coisa emprestada dali.

untitledTerry Hayes

Eu sou o Peregrino será adaptado para o cinema? Quando você escrevia pensava no livro como um filme?
Ele está se transformando em um filme enquanto conversamos — então essa é uma resposta fácil. Será um bom filme? Isso é uma resposta mais difícil de dar, afinal, não há muitos deles hoje em dia, não? Mas eu tenho a esperança de que será, sim! Acho que quando estava escrevendo pensei nisso porque costumo pensar em cenas e momentos impactantes. Escrevi filmes por tanto tempo que agora meio que está no meio DNA. Óbvio que escrever um romance é algo bem diferente, mas foi um ponto de partida — bem útil, na minha opinião.

 

Como autor da história de dois dos três primeiros filmes da franquia Mad Max, o que você achou do quarto filme da série, lançado no ano passado?
Eu gosto muito do novo, Mad Max: Estrada da Fúria. Uma das coisas que eu mais gosto dele é que George Miller —um amigo muito querido — não apenas reciclou os velhos; ele o levou para um rumo novo e ainda mais empolgante. É claro que é um tour de force de direção e ele mereceu, de verdade, a indicação para o Oscar. Na minha opinião imparcial, ele devia ter ganhado. Parte do problema com continuações é que as pessoas ficam muito tentadas a apenas duplicar o que consideram que foram os elementos bem-sucedidos. Não é o caso de George, ele ainda está lá explorando os próprios limites e a si mesmo. Ele não é mais jovem, por isso é incrível ver um cineasta e roteirista querendo fazer isso.

 

E o que você está fazendo atualmente? Trabalhando em algum filme ou em seu segundo romance?
Finalizei o roteiro para Eu sou o Peregrino, que vai ser produzido pela MGM, e agora estou trabalhando em como vou lidar com a realização do filme. E estou escrevendo também outro romance, The Year of the Locust [ainda sem título em português, será publicado pela Intrínseca], que é uma espécie de cruzamento entre O Exterminador do Futuro, O Planeta dos Macacos e um thriller de espionagem. Eu sei, parece maluco, e provavelmente é mesmo, mas eu realmente gosto dele e acho que será uma história arrebatadora, então já é um bom começo! Não há nada pior, imagino, do que tentar escrever sobre algo que você não gosta. Espero que os leitores compartilhem esse meu entusiasmo!

>> Leia um trecho de Eu sou o Peregrino

 

Alexandre Matias, 41 anos, é jornalista e cobre cultura e tecnologia há vinte anos, com base em seu site, o Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br).