Bastidores

De volta, e acompanhado

20 / abril / 2016

Por Bruno Machado*

Cena do filme Ele está de volta (fonte)

Cena do filme Ele está de volta (fonte)

Timur Vermes teve a coragem de escrever um livro sobre Adolf Hitler que foge completamente ao tema da Segunda Guerra Mundial. Em Ele está de volta, o autor subverte a lógica e coloca uma das figuras mais perigosas da história na Berlim moderna, repleta de imigrantes e governada por uma mulher.

Em um enredo peculiar, o autor cria uma ácida sátira dos costumes europeus contemporâneos, e foi apenas questão de tempo até a história se transformar em filme. A produção, que estreou recentemente na Netflix, tem algumas diferenças do enredo original com o objetivo de ampliar a crítica feita pelo ditador aos seus conterrâneos do século XXI.

Alternando uma história sobre um funcionário desesperado de um canal de TV a cabo e interações de Hitler com transeuntes no estilo “Mockumentary” – a aparência de um documentário, mas sem uma história real, que ficou famoso com Borat –, o filme é considerado uma das maiores surpresas do cinema alemão dos últimos anos.

Curioso para saber como seria um filme alemão que abordasse um tema considerado tabu e com o aval da minha chefe para escrever no blog da Intrínseca minha opinião, decidi desligar a votação do Impeachment pela Câmara dos Deputados e assistir ao filme. Mal sabia que o Hitler de 2014 me ensinaria algo sobre o Brasil de 2016.

Começando com uma cena constrangedora na qual o (ex) Füher reclama com um professor de etiqueta sobre como as pessoas não o cumprimentam corretamente nas ruas, a história de Hitler logo se mistura com a do canal fictício MyTv. Uma disputa interna entre os diretores do canal acabará levando o ditador de volta ao centro das atenções, como parte de um programa já polêmico no qual um comediante faz críticas políticas usando blackface para imitar o presidente americano Barack Obama e uma burca e um fuzil para falar do mundo árabe.

A chegada de Hitler, que é considerado por todos apenas um ator muito bom que se recusa a sair do papel, parece apenas mais um degrau na decadência na qualidade das produções televisivas alemãs. O público não acha absurdo e começa a rir do discurso que 70 anos atrás motivou o Holocausto. Ao assistir essa cena, me senti compelido a pausar o filme, sair da Netflix e por alguns minutos voltar à votação que era transmitida ao vivo para o país.

Enquanto deputados alegavam os motivos mais absurdos para dar seu voto, muitas vezes aplaudidos pelos colegas quando, por exemplo, defendiam torturadores da ditadura e vaiados caso se posicionassem a favor de minorias, tive a impressão de que uma figura como o Sr. Hitler – como ele prefere ser chamado – não seria um estranho no ninho por ali. Depois de alguns minutos, desisti de acompanhar a política nacional e voltei ao filme. Ironicamente, foi como se tivesse previsto a continuação da saga moderna de Adolf.

Durante sua jornada ao lado do produtor que descobre o polêmico “comediante”, é possível ver que a figura de Hitler ainda desperta muita empatia na população. Enquanto algumas pessoas acham engraçado tirar uma selfie com o ditador nazista, outras dão depoimentos preconceituosos, como se a presença do cover do ditador as isentasse de qualquer crítica.

O que começa apenas como uma comédia que imita o estilo de documentários vai se tornando uma crítica direta aos costumes atuais. Adentrando cada vez mais a metalinguagem, os minutos finais de Ele está de volta mostram a produção do filme dentro do próprio filme, e os comentários feitos por Adolf Hitler ficam mais próximos da nossa sociedade. Em determinada cena, o filme alterna trechos de vídeos reais, alucinações de um dos personagens e viradas inesperadas de roteiro, que surpreendem em um filme que inicialmente parecia uma comédia polêmica um tanto boba.

A fala final de Hitler mostra como podemos ser pessoas ruins se nos reduzirmos a opiniões egocêntricas e à falta de empatia. Pode ser que um ditador da primeira metade do século passado não ressurja nos dias de hoje, mas o filme faz um excelente trabalho em mostrar que talvez tenhamos figuras perigosas defendendo a moral e os bons costumes do povo.

Seja em Berlim ou em Brasília.

 

* Bruno Machado é assistente de mídias sociais no departamento de Marketing e, assim como boa parte das pessoas na internet, não aguenta mais textão sobre política no Facebook.

Comentários

Uma resposta para “De volta, e acompanhado

  1. Mais um petista!! Ixi cansado de textão “libertário”.

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