Leticia Wierzchowski

As possibilidades do impossível

8 / abril / 2016

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Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura (fonte)

“Porque nossa história será sempre, felizmente, uma história inacabada. Por isso, temos que continuar sonhando, lendo e escrevendo, que é a maneira mais eficaz de aliviar nossa condição mortal, derrotar a corrosão do tempo e converter o impossível em possibilidade.”

Assim termina o discurso de Mario Vargas Llosa ao receber o Prêmio Nobel. Tal e qual o último parágrafo, toda a fala é preciosa e guarda passagens belíssimas. Mas esse trecho serve, para mim, como oração: hei de lê-lo todas as noites.

Como uma oração, pensarei nele a cada manhã, quando o peso dos problemas, de tocaia para além da minha cama, ameaçar o pouco de inspiração que o sonho me deixou. Pensarei nele quando estiver triste, sozinha, no vácuo entre o passado e o futuro, porque nossa história está sempre inacabada, e tudo que anda pelo meio pode experimentar uma reviravolta.

Vou lê-lo todas as tardes antes de, despindo-me de horários, compromissos e chatices da vida comezinha, entrar no mundo da minha ficção; vou lê-lo como um mantra, um caminho, uma certeza. Porque escrever é, antes de tudo, o maior alívio para a finitude, a maior proeza contra a morte, a maior argúcia com a qual se pode combater a realidade mesquinha.

Tantas vezes escrevi aquilo que eu gostaria que acontecesse… Em várias ocasiões (vocês podem achar que não, mas é verdade), coisas que escrevi me aconteceram inesperadamente. Também contei uma história tentando roubar da realidade seu provável desfecho, mas a vida encontrou maneiras de contornar a ficção, e o que eu nunca quis acabou me acontecendo. A ficção me trouxe coisas que a vida levou embora, de modo que, na minha existência, o real sempre há de confundir-se com o sonhado, e cada romance que terminei é um pouco um diário criptografado da minha própria existência — não porque o que vivi esteja lá, mas porque meus pensamentos, desejos e ansiedades misturaram-se às frases que escrevi ao longo dos muitos anos que me ocupo de ficcionar.

O que o tempo corroeu está vivo e altaneiro em alguma página por aí, e o que ainda não foi escrito trará consigo os signos de um futuro de possibilidades ainda nem sonhadas. Graças à literatura, todos aqueles que escrevem e leem podem enganar a vida real, engrandecê-la, transmutá-la e dela vingar-se sempre, absolutamente sempre que quiserem, amém.

 

Comentários

2 Respostas para “As possibilidades do impossível

  1. Parabéns pela visão. Me deu muito mais sede de escrever e acreditar nas palavras ali feitas, que podem ser livramentos ou realizações.

  2. Sempre gostei do seu texto, desde o surpreendente Casa das Sete Mulheres, pois me pegou desprevenida. E o de hoje, já não surpreendente, está maravilhoso, desde a fala (e a foto) de Vargas Llosa, que amo.

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