Fernando Scheller

Amar vale a pena

30 / março / 2016

Não tem como ler um livro sem se perguntar quanto da história faz parte da autobiografia do autor. Adianto logo que O amor segundo Buenos Aires reflete pelo menos um aspecto pessoal: meu profundo afeto pela cidade.

Muita gente me pergunta por que Buenos Aires, e não Paris, Londres, Nova York ou mesmo o Rio de Janeiro? A melhor resposta para essa questão é: eu precisava escrever sobre aqueles personagens em terreno portenho; eles brotaram de mim ali. A ideia da história de amor entre Hugo e Leonor, uma das que conduzem a trama, surgiu quando eu andava pelas ruas de San Telmo. Nenhuma outra cidade do mundo me despertou isso — pelo menos não dessa forma, clara como um dia de verão.

Sete visitas a Buenos Aires, cinco anos e incontáveis revisões depois, criei caminhos para outros personagens que inventei passeando pelas ruas, por pontos turísticos, livrarias desconhecidas, restaurantes imponentes e cafés decadentes da cidade. Foi em Buenos Aires que sugiram e ganharam vida o ansioso e bem-intencionado Eduardo, o digno e determinado Daniel, a esperançosa e confusa Carolina, a corajosa e vibrante Charlotte, o afetuoso — e por vezes exasperante — Pedro… Personagens que têm em comum a imensa capacidade de amar.

Numa análise distanciada, acredito que eu e Hugo, o personagem central, não poderíamos ser mais diferentes. Jamais me mudei para outro país atrás de um grande amor nem sofri na pele provações comparáveis às que ele passa na trama. Mesmo assim, não consegui convencer uma leitora muito exigente de que Hugo, no fim das contas, trata-se de uma versão fictícia de mim mesmo. Ao ler o original, bem antes de ele seguir para a editora, ela comentou o livro inteiro referindo-se às ações do personagem central: “Gostei muito quando você disse aquilo, achei aquilo que aconteceu com você muito pesado.”A leitora? Minha mãe.

Mas preciso dar o braço a torcer e admitir que, pelo menos em um ponto, eu e Hugo compartilhamos um sentimento. Assim como ele, sou capaz de identificar todos os defeitos de Buenos Aires, mas os aceito e entendo. E até os justifico. É mais ou menos o que acontece quando a gente ama alguém de verdade — um filho, um amigo ou namorado(a).

Pense bem: seu filho é realmente a criança mais inteligente do mundo? Se você encontrasse de novo seu primeiro amor, será que ele (ou ela) ainda seria tão irresistível assim? Você já se deu conta de que seu marido perdeu a maior parte do cabelo e sua esposa ganhou alguns centímetros ao redor da cintura? Quando há amor de verdade, a aparência e os defeitos acabam perdendo importância.

O amor segundo Buenos Aires é a minha primeira aventura numa narrativa de ficção. Como jornalista, já fiz muitas reportagens em que tive de ir a campo, e escrevi um livro-reportagem para o qual viajei para o Paquistão. Embora viver experiências e relatá-las seja meu modo de ganhar a vida, este romance é meu trabalho mais pessoal.

O livro reflete o que penso sobre a vida, posicionamentos que defendo e atitudes que gostaria de ter. A resiliência, a coragem, a paciência e a dedicação ao próximo que os personagens demonstram ao longo da narrativa refletem três crenças centrais que norteiam cada um dos capítulos: todo amor vale a pena, todos têm o direito de amar e todo mundo é, de alguma forma, especial.

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