Cristina Tardáguila

Um helicóptero, um submarino e 298 agentes

4 / fevereiro / 2016

Coluna Cristina

O esquadrão Tutela Patrimonio Culturale (TPC), a maior força de combate a crimes contra a arte em todo o mundo. (fonte)

“A única coisa que une uma nação é sua cultura. Protegê-la é o mesmo que proteger a nação.” Se você tivesse que adivinhar o autor dessa frase, em quem apostaria? Um curador? Um historiador de arte? Um colecionador? Para a surpresa de boa parte dos brasileiros, ouvi essa afirmação da boca de um policial m-i-l-i-t-a-r: o coronel italiano Giovani Pastore, um carabinieri setentão que, por mais de treze anos, comandou o esquadrão Tutela Patrimonio Culturale (TPC), a maior força de combate a crimes contra a arte em todo o mundo.

Em junho de 2013, enquanto apurava material para o livro A arte do descaso, encontrei Pastore em Roma. Estivemos juntos por algumas horas, passeamos pela cidade, e ele me levou à sede do TPC, um palácio de paredes amarelas que não costuma receber turistas, muito menos jornalistas.

Fundado pela Polícia Militar em 1969 e ligado diretamente ao Ministério da Cultura, a única instância a que responde hoje em dia, o TPC tem em seus quadros nada menos do que 298 agentes distribuídos por doze unidades regionais. Todos eles passam por cursos e são treinados para identificar peças roubadas ou falsificadas. Como se não bastasse, ainda dispõem de um helicóptero e um submarino ultramodernos, que lhes permite realizar operações de campo semelhantes às de Hollywood.

A principal ferramenta de trabalho do TPC é, no entanto, uma gigantesca base de dados virtual instituída por lei, em 2004, na gestão do presidente Carlo Ciampi. É o Leonardo. Só os carabinieri têm acesso a ela:

— Temos aqui mais de 3 milhões de registros (de peças desaparecidas), 530 mil com fotos — disse Pastore, de peito inflado, mostrando-me a tela de um computador do TPC. — O banco de dados do FBI tem poucos milhares de registros. O do Art Loss Register, que atua de forma privada no Reino Unido, cerca de 400 mil. Estamos muito à frente.

“Marine” (de Monet), “Les deux balcons” (de Dalí), “La danse” (de Picasso) e “Le jardin du Luxembourg” (de Matisse), pinturas roubadas do Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2006, estão lá. Quando vi, não acreditei.

— O Leonardo está conectado à base de dados da Interpol — explicou Pastore. — Se essas obras que você busca aparecem aqui é porque a Interpol foi avisada e fez todo o processo de registro da forma como estabelecemos.

O trabalho diário dos agentes do TPC consiste em comparar os mais diversos catálogos de leilão, de feiras de arte e de exposições em geral com os registros do Leonardo. Quando os policiais fazem um cruzamento, muito mais comum do que podemos imaginar, cortam a cidade às pressas e dão início à investigação.

Pastore já foi chamado para ministrar aulas sobre como montar uma equipe policial especializada no combate ao roubo de arte em Cuba, Equador, Colômbia, México, Rússia, Canadá e Croácia. Jamais foi convidado para vir ao Brasil.

Em suas palavras, o primeiro passo para conseguir algo assim é “que o poder público queira isso”.

— É o poder público que, por lei, define o que é o patrimônio cultural de um país e estabelece as punições aos que agirem contra ele. Também é o poder público que tem os instrumentos necessários para criar e equipar uma unidade voltada para esse assunto. É ele, por fim, que fixa as linhas mestras do trabalho policial. Então o primeiro passo (da criação de uma força capacitada como o TPC) é convencer o governo. Depois, o Congresso.

A boa notícia diante de tudo isso é que, ainda de olho no Leonardo, Pastore prometeu:

— Se algum dia essas pinturas forem vistas na Itália, voltarão para o Rio imediatamente.

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