Leticia Wierzchowski

História numa noite de verão

4 / fevereiro / 2016

Para fazer meu Tobias dormir, leio-lhe um livro que conta uma história que conheci de perto, sobre uma menina, sua avó e as miraculosas coisas que viveram juntas. É um livrinho curto, de texto delicado, que termino segurando o choro — difícil menino dormir com mamãe chorando no fim da história, né?

Enfim, à propósito do livro, fiquei pensando na minha própria avó. Lá se vão mais de vinte anos desde que ela faleceu. Mas parece que veio aqui hoje, nessa imprevisível noite de verão, dar um “oizinho” para a neta. Deveria eu, talvez, escrever sobre um livro ou um filme. Acontece que o mundo anda cheio de opiniões e gosto mais é de sugerir pessoas, isso, sim.

Sabedora disso, a recordação da minha avó veio me fazer companhia. Teve muitos netos, ela. E bisnetos também — a última conta familiar já alcançava algumas dezenas. Estava sempre em visita, flanando pelas ruas da cidade com seus vestidinhos abotoados, a carteira de mão, seus sorrisos e suas receitas de remédios caseiros. Era humilde e elegante como poucas; bastava que um parente interiorano adoecesse para que ela o trouxesse à sua casa na capital, peregrinando com ele de hospital em hospital. Embora morássemos perto, eu a via menos do que deveria. Foi uma avó como um vinho: para ser compreendida com o tempo. Quando fiquei mocinha, sempre me presenteava com lencinhos brancos de cambraia. Talvez soubesse, pela experiência da vida, que se chora muito pelos anos afora. Por isso dava lencinhos e nada dizia deles… Engraçado é que nunca a vi chorar, mesmo tendo dado adeus a um filho, ao marido e a um neto — era inacabável, a sua doçura. Vivia para atender ao avô, até que uma tarde, já iam ambos bem passados de anos, ele pediu: “Me busca um copo d’água.” “Vá buscar você”, retrucou ela sem altear a voz. Assim, emancipou-se sem alardes, e daquele dia em diante não atrasava visitas nem perdia a hora da manicure por causa dos gostos do marido.

Chamava-se Maria, um nome simples, como toda ela. Morreu por engano ao internar-se para fazer uns exames de rotina; não reclamou do azar supremo durante seus últimos dias. Era uma mulher como um sopro de brisa. Entrou pela minha janela faz pouco, enquanto eu cerrava os vidros para a noite estrelada de verão. “Tantos lencinhos eu te dei”, pareceu ter-me dito. Na vida se chora muito, mas também se ri. Depois sumiu entre as constelações; decerto tinha tantas outras visitas a fazer.

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