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É a economia, estúpido. E a educação, a moradia, a saúde…

23 / novembro / 2015

Por Bernardo Barbosa*

piketty_blog

A profissão de economista pode não ser a mais divertida ou glamorosa do mundo. Mas, se há um deles que tem pinta de popstar, este é Thomas Piketty. Alçado à fama mundial após o best-seller O capital no século XXI, um vasto e polêmico estudo sobre desigualdade, o francês mostra as raízes de sua inquietude — e também de sua veia midiática — em É possível salvar a Europa?, coletânea de mais de oitenta crônicas publicadas no jornal Libération entre 2004 e 2011.

No prefácio da obra, Piketty diz: “Alguns textos envelheceram um pouco; outros, menos.” Seu livro está longe de ser uma coletânea de textos velhos; funciona como uma coleção de artigos de um estudioso que sabe quais são vários dos grandes temas dos nossos dias, e os trata de forma crítica e propositiva.

E possível salvar a europa - capa 3.inddPiketty não enrola. Mostra logo aonde quer chegar com textos diretos e rascantes, por vezes irônicos, sem fazer uso gratuito do economês e desmontando discursos políticos, à direita (o ex-presidente Nicolas Sarkozy é um dos alvos preferenciais) e à esquerda (sobram críticas ao Partido Socialista, do qual já foi assessor econômico e hoje se distancia). Artigos de cunho local sobre aposentadorias e impostos na França ressoam no Brasil de novas fórmulas previdenciárias e ajustes fiscais.

No Libération — um jornal de esquerda fundado na década de 1970, entre outros, por Jean-Paul Sartre —, Piketty não falou só de economia. Teve espaço para se lançar sobre educação, habitação, sistema público de saúde, eleições (as francesas e as americanas), meio ambiente e até imigração, assunto na ordem do dia da Europa atual. As crônicas ainda abordam salários, heranças, regimes trabalhistas, crises financeiras, entre outros assuntos que marcam o debate sobre que sociedade queremos. Ainda há espaço para surpresas, como um elogio à competência acadêmica de Milton Friedman, economista liberal americano, cujas ideias não escapam da crítica do esquerdista Piketty.

Pode-se questionar a propriedade de um economista para abordar tantos assuntos diversos, mas o francês sabe como atrair a atenção do público com seu olhar agudo sobre o mundo ao seu redor. Talvez um dos maiores méritos de Piketty seja dar a cara à tapa, saindo da academia para debater suas ideias em praça pública. Ao longo de anos, a cada vez, deu aos leitores do Libération — e agora aos brasileiros — material para concordar, discordar e principalmente refletir. As crônicas de É possível salvar a Europa? já apontam o destemor em abraçar grandes temas e marcar posição que Piketty mostra no Capital e que o levou a ter críticos que vão de Bill Gates — para quem o Capital apresenta um retrato incompleto sobre a criação de riqueza — a um doutorando americano, passando pelo próprio Libération, segundo o qual o Capital não foi suficientemente de esquerda.

Mesmo depois de explodir mundialmente, Piketty mantém-se inquieto, como se estivesse em busca da próxima boa briga. Em janeiro, numa atitude que caberia mais a um rockstar rebelde dos anos 1960, recusou a mais alta condecoração francesa, sob o argumento de que não é o governo quem deve “decidir quem é digno de honra”. Em setembro, aceitou fazer parte de um conselho de pesos pesados da economia, montado para aconselhar o Partido Trabalhista britânico, e topou também assessorar o programa econômico do Podemos, legenda espanhola criada em 2014 no rastro dos protestos antiausteridade no país e que hoje causa sensação na esquerda mundial. Ninguém passa ileso por Piketty; resta saber qual a próxima trincheira em que ele vai aparecer.

 

Bernardo Barbosa é jornalista, com passagens por O Globo e Agência Efe, e gostaria de ver um Thomas Piketty em português para colocar fogo nos grandes temas brasileiros.

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