Pedro Gabriel

[ENTRE SUSTOS E FASCÍNIOS]

13 / outubro / 2015

13 10 Editado

Os aviões sempre me fascinaram. Lembro-me agora das horas e horas e horas em que eu ficava à espera do meu voo, correndo pelo saguão de um aeroporto qualquer. Meus olhos (e minhas pernas) não escondiam a ansiedade de poder estar nas nuvens e observar o céu sentado à janela, pertinho das asas e das turbinas. Quando se é menino, até o tempo parece de brinquedo. O tempo da imaginação tem uma contagem única. Dois dias podem passar em um segundo. Um segundo pode durar dois dias. A gente até esquece que o brinquedo-tempo pode quebrar a qualquer instante. Eu adorava esperar o momento de voar só para ocupar meu lugar numa poltrona perto da fileira onde meu pai, minha mãe e minhas irmãs também aguardavam as ordens do piloto. Toda viagem era uma espécie de procissão: uma marcha solene rumo às santas férias. Viajar era estar em família.

Depois, na adolescência, voar deixou de ser um mundo encantado. Não me sentia confortável nos voos. Não era o medo de voar ou de uma pane repentina. Não penso em tragédias. Era o medo de me separar dessa infância. Era o medo da certeza de que a família já estava desmembrada. Cada membro já havia proclamado sua independência e agora representava um país, um território novo — com leis, regras, fronteiras e códigos próprios. Não havia mais as férias, o descanso. O brinquedo-tempo parece ter quebrado. Viajar era estar sozinho.

Os aviões hoje não me assustam mais. Talvez por já saber o que é chegar, esperar e partir. Talvez por já ter me despedido demais. Talvez por ter me acostumado cedo a sentir saudade. De viagem em viagem, criei uma carcaça — uma nova fuselagem no lugar da pele — para me proteger dos estilhaços da infância quebrada. Eu me redimi com os aeroportos. Consertei o brinquedo-tempo. Tique-taque-tique-taque. Sei que, entre sustos e fascínios, há sempre o destino esperando minha autorização para pousar. Meu voo é minha família.

Comentários

4 Respostas para “[ENTRE SUSTOS E FASCÍNIOS]

  1. Impossível não ficar fascinada com tamanha sensibilidade com as palavras!

  2. Como consegue lidar tão bem com as palavras? Voar é sua família, escrever é sua casa. <3 <3 <3

  3. Essa sua facilidade de transformar sentimentos em palavras, me fascina.

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