Pedro Gabriel

[A PARTE DESCARTÁVEL DA ALEGRIA]

27 / outubro / 2015

imagem coluna pedro

Olá, sou um guardanapo em branco. Conheci o autor desta coluna no Café Lamas, numa tarde chuvosa de outubro de 2012. Confesso que, no começo, ele não me dava muita bola. Ele vivia para lá e para cá com aquele insuportável caderninho entre as mãos, anotando algumas ideias — aposto que eram todas inúteis. Todas as sextas-feiras, sentava na mesma mesa, do lado de fora do bar, e, aparentemente sozinho, pedia o tradicional pernil com queijo. Um limão cortado ao meio era bem-vindo para amolecer a carne. Eu, que almejava o estrelato, figurava no máximo como acompanhante naquele cenário boêmio. Servia apenas para limpar suas mãos — sujas de tinta — ou secar a gordura do porquinho fatiado que pingava naquelas páginas entupidas de bobagens.

Desde que existimos, nós, os guardanapos, sempre fomos a parte descartável da alegria. Ninguém enxergava nosso verdadeiro valor. Eu, Antônio, como representante mais popular da nossa categoria, posso dizer que nos sentimos usados. Sempre fomos intermediários, nunca um destino. Os músicos sempre nos usaram para anotar inícios de melodias. Os poetas sempre nos usaram para rabiscar um verso inacabado que, futuramente, será mais bem trabalhado em alguma coletânea de poesia contemporânea. E, como se não bastasse, antes dos smartphones, os espertinhos de plantão usavam nosso espaço para mandar torpedos analógicos. Só quem paquerou nos anos 1990, ou antes, sabe do que estou falando.

Até que, um dia, o autor desta coluna se esqueceu daquele insuportável caderninho e finalmente me deu alguma condição de mostrar minhas qualidades. Depois de um tempo, jogou suas criações na tal da internet, e o resultado dessa história vocês já conhecem. Agora somos grandes amigos; sou o protagonista daquele cenário boêmio (e poético). Já coloquei o pernil no seu devido lugar! Hoje, ele (o autor desta coluna, e não o pernil) está entrando em férias. Sentirei tanta falta desse menino que, de alguma forma e talvez sem querer, elevou nossa categoria a um patamar de arte popular… As pessoas não limpam mais só as mãos; elas agora também lavam a alma.

Volte logo, querido autor. E pode trazer aquele insuportável caderninho. Já trabalhei esse ciúme/incômodo na análise.

Com carinho,

Antônio

 

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