Filipe Vilicic

Crise: a hora de se reinventar

10 / setembro / 2015

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Um lobo gigante tem soprado à porta. Nós, os inventivos porquinhos, estamos tremendo. Escondidos na casa de madeira, não dispomos de muitos recursos para reforçar a porta. Numa situação dessa, há três opções.

A primeira é usar o que se tem na casa para reforçar a porta. Quebram-se as cadeiras, as mesas, as camas. Com a madeira de tudo que há dentro, a porta é fortificada. Mas continua a ser soprada e um dia cederá.

A segunda é sair da casa pela porta dos fundos enquanto o lobo continua a soprar, achando que estamos dentro. Só que temos pouco tempo e não dá para fugir. O que nos resta é procurar por mais madeira na floresta para, assim, construir outra casa. Mudamos para a casa nova, e vivemos calmamente até o lobo destruir nosso primeiro teto, perceber que foi enganado e rumar para a nova casa de madeira. Ele voltará a soprar, a soprar, a soprar. Aterrorizando os porquinhos inventivos que lá residem.

A terceira opção é a mais ousada (e arriscada). Os porquinhos saem pela porta de trás. Porém, em vez de procurarem por mais madeira, tentam achar novos materiais, mais resistentes, capazes de vencer o sopro do lobo. Talvez achem gesso, calcário, água e uma série de outras substâncias químicas. E talvez resolvam misturar tudo até formar cimento. Com essa novidade, constroem uma nova residência, bem mais resistente, que não pode ser abalada pelos sopros do lobo.

Sim, um dia pode surgir um lobo mais forte ou outro inimigo — quem sabe um urso — não esperado. Mas, dentro de sua nova casa de cimento, os porquinhos ganharam mais tempo também para serem inventivos frente à nova e intensa ameaça. Se ainda apostassem na madeira, teriam sido vencidos pelo oponente mais fraco ou cairiam rapidamente quando chegassem os mais fortes.

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Como mostro em O clique de 1 bilhão de dólares, o Instagram é prova de como é preciso ser criativo para solucionar crises

O que os porquinhos encararam foi uma crise perigosa, que ameaçava (no mínimo) o modo de vida deles. Estamos vivienciando, no Brasil, uma situação similar. Caro leitor, aposto que você está pensando: “Ah, vamos construir uma casa de cimento para desafiar esse lobo que nos enche.” Pois é, esse seria o caminho para acabar de vez com o problema — ou, é preciso admitir, aumentá-lo, se a artimanha desse errado. Mas, e esse é o fato incontornável, raramente a inventividade humana falha em suas ambições. Só que não é o que estamos seguindo.

Tudo indica que a maioria dos empreendedores brasileiros tem preferido as duas primeiras saídas. Ou destroem as próprias casas (mais de 20% dos negócios do país esperam realizar cortes substanciais, como demissões em massa, no próximo ano) por achar que assim vão reforçá-la, ou saem atrás de velhas soluções dentro da floresta.

No primeiro caso, o lobo só demorará um pouquinho mais para derrubar a casa. Seja ela do tamanho de uma pequena tenda, seja do tamanho de um castelo de madeira. No segundo, a velha casa é sacrificada para dar lugar a uma nova, mas igual. O resultado: ambas cairão frente aos sopros do velho lobo.

capa_OCliqueDeUmBilhaoDeDolares_WEBEm meu livro O clique de 1 bilhão de dólares, além de contar a eletrizante história da criação do Instagram — que teve de procurar por cimento em vários momentos em que notou que madeira não seria forte o suficiente —, relembro, em diversos trechos, como a indústria da tecnologia teve de encarar muitos lobos. A região de São Francisco onde se instalou o primeiro escritório oficial do Instagram, a mítica South Park, viu parte dessas crises. A área, que antes era tomada pela pobreza, floresceu nos anos 1990 com a chegada das primeiras startups ligadas aos negócios milionários da internet. Porém, flertou novamente com a decadência quando essas empresas novatas não mostraram a que vieram, na virada do milênio, e deram início à bolha ponto com, que as quebrou.

Os empresários poderiam ter desistido da internet e pensado: “Não é essa promessa que imaginávamos.” Ao invés disso, insistiram nos negócios sem ir atrás de madeira para replicar o que já sabiam. Procuraram formas inusitadas de continuar a aventura. Assim nasceram empresas como Facebook, Instagram e, mais tarde, Uber, Airbnb e Netflix tal qual a conhecemos — antes, era apenas um serviço de aluguel de filmes pelo correio. Essas empresas venceram a crise e hoje seria preciso um lobo muito mais colossal para destruí-las.

Voltemos rapidamente ao Brasil.

É triste notar que a maioria dos brasileiros, ao menos os governantes e alguns empresários no poder, têm optado por encarar a crise não só sem apostar em novas saídas e repetindo velhas e inúteis soluções, como tentando derrubar aqueles que buscam alternativas melhores, criativas e duradouras. Vejam o caso do Uber. Muitas cidades preferem batalhar para proibir o serviço — que já se mostrou resistente a crises e uma ótima opção de emprego para quem perdeu o seu — e dar vantagens às velhas e ultrapassadas opções, como os táxis. Do mesmo mal sofre o Netflix. O serviço, que em todo o mundo promete substituir (ou ao menos dar novos ares) a TV regular, aqui sofre uma resistência tremenda. Querem torná-lo mais fraco, taxá-lo, submeter uma nova ideia, um novo cimento, a regras antigas, que só eram boas para regular madeira. Com isso, o Brasil talvez até reforce a porta a curtíssimo prazo, mas ela logo cederá.

Convido você, leitor, a repensar as crises pelas quais passou na vida, ainda mais se alguma o estiver atingindo agora. É importante tratá-la como oportunidade. Das melhores. Em vez de fugir ou buscar velhas saídas, tente se reinventar. Procure cimento, não madeira.

link-externoLeia um trecho de O clique de 1 bilhão de dólares

Comentários

3 Respostas para “Crise: a hora de se reinventar

  1. Mais esclarecedor, saudável e correto impossível de achar outro texto

  2. Olá Filipe!
    Estou a procura de um texto seu para a revista Veja em 08/08/2012- Na mão de moleques. infelizmente não consegui achá-lo. Você pode me ajudar. Vou usá-lo em um plano de aula de Filosofia.
    Obrigada pela atenção.
    Luciane.

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